Como nunca, nestes cinquenta anos, as eleições e a campanha do ano corrente foram tão dirigidas para o “chefe”, o “líder”, o “cabeça” e o “primeiro”. Quase nada se sabe sobre a equipa, os colaboradores e os grupos de apoio. Pouco se conhece sobre as instituições, empresas, associações e outros grupos que se sentem mobilizados e empenhados. Mal se percebem as ideias e os programas que cada um deseja ou diz desejar para o seu país. Apenas se sabe que querem o poder. Conquistar o poder. As arruadas são procissões tristonhas de gente, por vezes paga, que seguem o que vai à frente. Só ele (ou ela) conta, só ele (ou ela) se vê, só ele (ou ela) fala, só ele (ou ela) distribui brindes e só ele (ou ela) dá entrevista. Os comícios, cada vez menos, organizam-se à volta dele (ou dela) que, no fim, dá entrevista breve às televisões, geralmente rodeado de múmias sinistras e apagadas, mesmo quando se trata de deputados e ministros. Os principais “eventos” eleitorais são almoços e jantares de carne assada, antes dos quais ele (ou ela), rodeado de carantonhas ou fantoches, desfila uns rápidos lugares-comuns. Antes dessas romarias, crucial é o debate na televisão. Entre eles (ou elas), de modo automático e programado, parecem bonecos articulados. Porque, na verdade, o que interessa são as avaliações, com notas e tudo, de dezenas de comentadores que, quase sem excepção, favorecem os seus amigos com ar sabedor e arrasam os outros com ar de desprezo.
É verdade que a eleição política sempre foi, sempre será, um acto de reconhecimento e identificação, para o qual a personalidade e o carácter do “líder” são essenciais. Mas que, excepto quando se trata de um “herói”, mesmo assim exige uma equipa, um programa, uma energia especial, uma preocupação fundamental, umas ideias sobre o que importa fazer e umas certezas sobre grandes princípios.
Que pensam estes nossos partidos, candidatos a mandar em Portugal e em nós todos, do destino da Europa, periclitante como nunca, ameaçada pela Rússia, marginalizada pela América, cobiçada por África e pelo Islão e desprezada pela China?
António Barreto in Mais uma oportunidade perdida, Público (excertos)
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