September 04, 2024

Educação: tem de haver uma articulação entre o individualismo social e o societal comum

 


Alguns pensadores atribuem ao liberalismo levado ao extremo o surgimento do individualismo social. A auto-afirmação do indivíduo, o direito dos indivíduos permanecerem diferentes e de escolherem à sua vontade os seus próprios modelos de felicidade e de vida adequados às suas diferenças exacerbadas. Todos têm liberdade de definir as suas orientações e referências: sexuais, de identidade, de género, de vida. 

As instituições que serviam de quadro de referência deram lugar ao mercado e aos meios de comunicação social que instigam, paradoxalmente, a realização da individuação do ego e das suas práticas, a partir de referências de consumo massificado e normalizado.

Numa sociedade assim, não há interesse em ler Crime e Castigo ou outra obra do género que obrigue a pessoa a ver-se a partir de um ponto de vista crítico, na sua humanidade comum. Uma personagem negra só pode ser representada por um actor negro, uma mulher lésbica só pode ser representada por uma actriz lésbica, numa negação da nossa matriz humana comum.

É neste contexto que os pais querem que os seus filhos sejam vistos como indivíduos excepcionais, querem que os professores vejam neles as mais pequenas diferenças que os tornam únicos em vez de pugnarem para uma educação que lhes permita integrar-se na sociedade. Não perder a voz própria na integração social é diferente de perder a integração social para afirmar todas as suas diferenças, mesmo as negativas e/ou irrelevantes. 

O discurso dos pedagogos actuais há muito que segue esta tendência de uma maneira também paradoxal que é a de exigir, simultaneamente, que a escola eduque cada aluno individualmente, que se dedique a desenvolver a sua diferença e o seu direito a impor a sua diferença, escolhida em total liberdade e que o eduque para a cidadania, para a colaboração, para a vida em comum, para a responsabilidade para com os outros, para a continuidade dos valores da comunidade, para o pensamento crítico.

Tem de haver uma articulação entre o individualismo social e o societal comum. A escola pública existe para a construção do comum e não para a miriadização das personalidades, idiossincrasias e diferenças até ao absurdo e à desagregação social.

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