August 31, 2024

Outras guerras - a da representatividade dos orgãos de soberania



A um ano e meio de distância, vemos já vários dedos no ar. Sem surpresas, são todos de homens, com mais de 55 anos, cabelo grisalho, experiência política e/ou mediática e níveis confortáveis de confiança. Em 2026 arriscamo-nos a comprar mais 5 anos da mesma História: aquela em que é uma miragem ver uma mulher como primeira figura do Estado.

António Costa, Mário Centeno, Santos Silva, Passos Coelho, Marques Mendes, António Guterres - sucedem-se os nomes masculinos, ora com legitimação dentro de um dos dois grandes partidos, ora com um histórico robusto de promoção pública. E é aqui que residem duas das razões para o vazio feminino. Em Portugal, depois de Maria de Lourdes Pintasilgo, em 1986, só houve mulheres candidatas à Presidência da República em 2016 e 2021. Concorreram Maria de Belém Roseira, Marisa Matias das duas vezes e Ana Gomes - ora como independentes, ora sem a gigante máquina partidária de um PS ou PSD. A todas faltava as longas horas multiplicadas por 15 anos de antena televisiva em horário nobre do “Professor”, divididas entre a TVI e a RTP, e que tornaram Marcelo Rebelo de Sousa como o expectável vencedor.

O mesmo protagonismo que tem agora Marques Mendes, todos os domingos na SIC, também há mais de 10 anos. Um privilégio aparentemente masculino: as mulheres representam apenas um quarto dos comentadores televisivos portugueses (24%), revela um estudo do ISCTE de março.

Para formar opinião e votar, é preciso conhecer as figuras e o seu discurso, e para isso é preciso dar voz. Mas para se ser uma voz apetecível para colocar em ecrã, nas páginas dos jornais ou nos microfones da rádio, é preciso também ir adquirindo protagonismo político (e vice-versa). E aqui, elas também estão a perder: a Lei da Paridade ainda não resolveu a misoginia, nem a eternização masculina nos lugares - neste momento as mulheres representam apenas um terço dos deputados, um número inferior a 2022. A lei atual permite que se possam seguir dois candidatos do mesmo sexo, sendo que em várias listas a composição é de dois homens, uma mulher, e assim sucessivamente.

Sem oportunidade de fazer política, não há oportunidade de implementar mudanças, de brilhar e de marcar a agenda. O mesmo se pode dizer em outras áreas da política: apenas cerca de um terço do corpo diplomático português é constituído por mulheres (de resto, na nossa História só houve uma Ministra dos Negócios Estrangeiros, e foi já há 20 anos). Elas próprias cresceram a acreditar que têm de cumprir uma lista infindável de requisitos para serem hipótese para o lugar, e somam-se estudos que mostram que as mulheres só se chegam à frente para uma determinada posição se sentirem que cumprem todos os itens da lista, ao passo que aos homens basta-lhes alguns dos tópicos e algum atrevimento.

Num país com metade de mulheres, muitas qualificadas e competentes, além de nunca ter havido nenhuma mulher Presidente da República, nunca houve nenhuma presidente do Tribunal Constitucional, nenhuma presidente do Supremo Tribunal de Justiça, nenhuma presidente da Câmara de Lisboa ou da Câmara do Porto.

Catarina Marques Rodrigues in a-formula-da-presidencia/

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