August 07, 2024

O novo ME opta por seguir as pisadas do antigo

 


Em vez de valorizar a carreira dos professores, opta por diminui-la ainda mais (pôr os alunos a ter várias disciplinas com o mesmo professor - adeus ensino de rigor; dar até 10 horas extraordinárias em cima de horários já completos - toma lá trabalhar 50 horas por semana; atribuir mais horas lectivas a professores que têm redução de componente lectiva, etc.) e depois faz recomendações para que se faça o que há muito se faze, como fazer horários que facilitem a vida familiar das pessoas, sobretudo se moram longe, como se fossem ideias extraordinárias suas. 

O que os professores precisam é de ter uma carreira que lhes permita ficar perto de casa ou, não podendo ficar, que tenham compensação adequada para poderem alugar uma casa e trabalhar como deve ser, porque entrarem segunda-feira ao meio dia em vez de às 8.30h não resolve nenhum problema. E as situações dos horários são tão complexas que essas medidas podem valem zero. Por exemplo, no ano em que fiquei doente, ninguém me substituiu porque tinha um horário de entrar na segunda às 8,30h e sair na sexta às 17h - o que fazia sentido porque moro perto da escola. Até ficar doente e ninguém querer o meu horário por causa disso. Ora se agora vão dar a professores já com uma certa idade (que somos quase todos) e, por isso mesmo, com doenças próprias da idade, 10 horas extraordinárias, ou mesmo 4, é vê-los a ficar doentes. 

O ME e pelos visto mais ninguém tem ideia do esforço físico, psicológico e mental que representa cada aula, porque já deram umas aulas numa universidade qualquer, que não nada que ver com leccionar turmas do básico e secundário, mas pensam que é o mesmo trabalho. 

Quanto a pagar subornos para que professores reformados fiquem nas escolas, isso só vai acontecer com certo tipo de professores, e não vai resolver nada: já tentaram isso com os médicos numa altura em que podiam ter valorizado a carreira e as condições de trabalho dos médicos e também optaram por não o fazer. Se bem me lembro havia guerras dentro dos hospitais porque os que lá estavam tinham horas extra até aos olhos e os ex-reformados que na maioria quando sairam eram chefes que já só faziam o que queriam há muito tempo, voltaram para fazer uma horas e ganhar o dobro de quem lá estava. Foi uma guerra e o resultado está à vista: o SNS está moribundo. Pois é exactamente isso que este ministro quer fazer na educação. O resultado vai ser igual, ou pior, porque vai projectar uma imagem da profissão que ninguém quererá, como já não querem.


Ministério divulga orientações para 2024/2025, onde se frisa que “a leccionação da componente curricular tem absoluta prioridade”. Público

Quanto acabarem com toda a actividade não lectiva das escolas, isto é, transformarem-na numa fábrica de aulas, é que a escola será boa, nomeadamente como local de compensar as desvantagens dos que menos têm...

O MECI indica também que nos grupos de recrutamento (disciplinas) mais carenciados, ou seja, com mais falta de professores, a distribuição de serviço “privilegia a componente lectiva da disciplina e evita a atribuição de cargos que impliquem redução de horas com turma” Público

Portanto, os cargos de DT, tão importantes no sucesso das turmas, agora não são escolhidos pela competência das pessoas: boa sorte com a questão da indisciplina, da coesão da turma, da pacificação das escolas, do sucesso das aprendizagens... e se os professores das disciplinas em que há menos professores não podem ter outras actividades a não ser dar aulas, quem vai ajudar os alunos com dificuldades nessas disciplinas que são a matemática, a física e a geografia? A funcionária do bar?

Por outro lado, os docentes a quem não foram atribuídas horas de aulas devem ser mobilizados para o “desenvolvimento de actividades lectivas para alunos sem aulas, mesmo que não sejam da área disciplinar do docente em falta.” Público

Interpreto isto como: vão lá e façam uma merdice qualquer mesmo que não percebam nada do assunto, é preciso é que pareça que não há falta de professores. Aqui está a resposta à minha pergunta mais acima: quem vai ajudar? Não interessa, até pode ser um funcionário do bar. É preciso é parecer.

O ministério aconselha as escolas a recorrer a profissionais não-docentes “(...)  que poderá passar, por exemplo, por contratar psicólogos para desenvolvimento da medida Apoio Tutorial”, que se destina a alunos com um historial de retenção. Público

O que é que psicólogos percebem de leccionação e da didáctica das várias disciplinas? Que tem uma coisa a ver com outra.

O guião que seguiu agora para as escolas contempla várias das medidas incluídas no chamado Plano+Aulas+Sucesso, que foi objecto de negociações com os sindicatos de professores no mês passado, mas que ainda não foi plasmado em decreto-lei. 
Público

E chama a isto um plano de sucesso.

É o caso do chamado “completamento” de horários através do preenchimento de horas lectivas em várias escolas de um mesmo agrupamento. O MECI aponta que é uma forma de “evitar horários incompletos, dado que, sendo menos apelativos, potenciam maiores dificuldades ao nível da aceitação” por parte dos candidatos. Público

Isto traduz-se por os professores leccionarem em duas ou três escolas ao mesmo tempo e andarem a correr de umas para as outras a fazer um mau trabalho, pois como é possível trabalhar assim?

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Ouvi dizer que vão contratar técnicos especialistas para ajudarem os professores a desburocratizar. Como se precisássemos de gente que não percebe um boi do que se passa nas escolas a ensinar-nos como se fazem as coisas. É óbvio que vão contribuir para burocratizar ainda mais os processos, mas calculo que há muitos primos a pedir tachos... Investe-se em tudo menos na carreia dos professores. 

Todos os governos se recusam a mudar o seu paradigma para a escola pública que é: 'poupar dinheiro com essa gente'. Não vejo nenhum caminho, nas medidas tomadas, que não leve directamente ao aprofundamento do descalabro em vez de fazer uma inversão de marcha. E não vejo uma única medida para reconstruir, a médio e longo prazo, uma escola pública de qualidade que dê oportunidades de educação e formação a todos, em vez de contribuir, como está agora, para um apartheid de pobres pelos ricos. Foi o que fez o anterior governo e o anterior ao anterior e o anterior ao anterior do anterior. E este vai fazer o mesmo. Não digo que estou desiludida porque nunca estive iludida. Desde que li o programa da educação do PSD disse logo o que aí vinha: uma cópia do anterior. Mas é verdade que desmoraliza.

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