Em conversa com uma jornalista, amiga que muito prezo, disse-me que os cursos de licenciatura eram uma licença para continuar a estudar sozinho. Não posso estar mais de acordo. Não só pelo princípio geral, como por duas razões que destaco.
Primeira razão, sobre a necessidade de formação ao longo da vida. A formação superior na Europa organiza-se em torno de dois princípios. O princípio da mobilidade que, através da acumulação de créditos ECTS, permite aos estudantes transportarem consigo uma espécie de passaporte de formação reconhecida em qualquer universidade europeia [com] a possibilidade de retomar processos de formação para atualização, aprofundamento ou alargamento de conhecimentos ou competências. Estamos, portanto, muito longe do modelo do passado, em que se faziam cursos de licenciatura muito longos (cinco ou seis anos), que duravam para a vida inteira. Hoje, o mais comum é fazer-se uma licenciatura curta (três anos) e ir fazendo formações mais curtas ao longo do percurso profissional, para especialização ou diversificação de competências, em função das oportunidades de carreira ou dos interesses que cada um vai desenvolvendo. Por isso se diz que a licenciatura é uma licença para continuar a estudar.
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O mercado de trabalho, público e privado, evolui com a existência de mais pessoas mais qualificadas e com mais competências, gerando-se dinâmicas tecnológicas e organizacionais, novas necessidades, que não é possível antecipar. Por isso se diz muitas vezes que o mais importante no Ensino Superior é aprender a aprender, é adquirir competências que permitam procurar e mobilizar informação e conhecimento para a resolução de problemas novos. E não, como muitas vezes no passado, treinar apenas a resolução de problemas cuja solução já conhecemos.
Maria de Lurdes Rodrigues in licenca-para-continuar-a-estudar-sozinho/
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Em primeiro lugar, nenhum curso de licenciatura longo ou muito longo impediu que as pessoas fizessem formações mais curtas ao longo do seu percurso profissional. Todas as pessoas com licenciaturas pré-bolonha, em que me incluo mais muito milhares, continuaram e continuam a fazer formações mais curtas. Em muitas profissões é até obrigatório: na carreira docente, mas não só. Qual é o médico que não actualiza os seus conhecimentos? Portanto, a pessoa que escreve estas baboseiras, põe as questões em falsas dicotomias: ou tens uma licenciatura de 3 anos e podes continuar a fazer formações curtas ou tens uma licenciatura longa e nunca mais actualizas ou diversificas os teus conhecimentos.
Em segundo lugar, a expressão, 'aprender a aprender' é uma expressão que Ana Benavente, ex-SE da Educação de Marçal Grilo introduziu em Portugal de uma maneira negativa, pois problematizou a aprendizagem num contexto de extremos opostos falsamente incompatíveis: ou aprendes conhecimentos ou 'aprendes a aprender'; ou estás divertido a aprender ou a aprendizagem é traumática e negativa - falsas dicotomias.
Pois a Lurdes Rodrigues, passados mais de 20 anos, ainda papagueia essa falsa dicotomia no ensino superior: ou aprendes conhecimentos ou 'aprendes a aprender', como se ambas as aprendizagens fossem percursos diferentes e não paralelos e inter-dependentes.
Quando não se tem conhecimentos sólidos sobre os temas, por muito que se tenha exercitado o pensamento crítico e se tenha aprendido técnicas de ir buscar informação relevante, não se sabe interpretar a informação de maneira a construir conhecimento. É assim que as pessoas vão ao google buscar informação sobre as suas maleitas e depois chegam ao médico com opiniões sobre as doenças e os tratamentos, convencidas que por terem lido informação pertinente, sabem enquadrá-la num sistema de conhecimentos apropriado para a interpretar de maneira correcta e significante.
Da mesma maneira os encarregados ele educação vão ao google ler informações sobre pedagogia ou uma área de conhecimento qualquer e depois aparecem nas escolas a dizer que o professor não ensina como deve ser ou que o teste de português está mal classificado porque se convenceram que a informação que leram é o próprio conhecimento.
Pensar que basta ter aprendido a procurar informação pertinente para transformá-la em conhecimento é não compreender o processo do conhecimento. Ter técnicas de procurar informação pertinente é necessário, mas não suficiente, para construir conhecimento.
Deixem-me dar um exemplo:
Até há cerca de 150 anos ninguém sabia da existência de dinossauros, o que parece incrível nos dias de hoje, dada a quantidade de fósseis que se encontram por todo o lado no planeta. Não é como se as ossadas de dinossauros fossem minúsculas e como tal, passassem despercebidas. Não, pelo contrário, milhares de pessoas as viram durante séculos e séculos. Porém, apesar de haver essa informação disponível, dado que não havia conhecimento sobre esses fósseis, ninguém sabia interpretá-la e transformá-la em conhecimento.
desenho de Plot
A primeira pessoa que descreveu um osso de dinossauro foi Robert Plot, um químico, antiquário e naturalista curioso, em 1677. Era a extremidade distal de um fémur que tinha sido encontrado na aldeia de Cornwell, em Oxfordshire. Plot fez um excelente desenho do osso, mas interpretou-o e identificou-o como o osso da coxa de um gigante humano.
Em 1772, o médico e tradutor de obras naturalistas, Richard Brookes virou o desenho de Plot de pernas para o ar e, notando uma surpreendente semelhança com os órgãos genitais masculinos, deu-lhe o seu primeiro nome formal: Scrotum humanum.
Portanto, Robert Plot e Richard Brookes, dois estudiosos sem conhecimentos na área da zoologia e paleontologia, perceberem que tinham ali naqueles fósseis, informação pertinente, mas dado que não tinham os conhecimentos adequados para interpretá-la, produziram falsos conhecimentos interpretados à luz dos seus conhecimentos: para um e para outro eram fósseis de seres humanos.
Conclusão: saber procurar informação pertinente sem os conhecimentos para saber interpretá-la e enquadrá-la num sistema de conhecimentos adequados, não serve para muito e pode até levar a crenças falsas e enganadoras. De maneira que, 'aprender a aprender' é um complemento paralelo importante da aprendizagem de conhecimentos mas não uma alternativa substituta.
Que haja pessoas à frente de instituições públicas universitárias -que até já foram, infelizmente, ME- que não compreendam o fundamental e ajuízem e falem dos temas da educação com recurso a clichês que repetem sem pensar, explica muito do estado actual da educação.
Tudo o que esta gente pensa sobre educação é profundamente estúpido. Pelo lógica deles, nós seríamos incapazes de ligar um computador.
ReplyDeleteSó escolhem pessoas burras e ignorantes para os cargos. Zero bom senso. As excepções contam-se pelos dedos das mãos.
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