O ano em que o desporto feminino de alta competição se tornou paródia
Não é doença, não é um tema “trans”, nem nenhuma condição esquisita. Pouco frequente, apenas. Têm cromossomas XY, são homens com DSD (diferenças de desenvolvimento sexual).
Maria João Marques
No fundo, percebo. São crianças que nascem em países pobres, com cuidados de saúde materno-infantis deficitários. As mães, grávidas, não tiveram acesso a ecografias onde se diagnosticassem condições pouco frequentes. Quando nascem, as crianças exibem exteriormente o que parece uma vagina. E crescem como raparigas. Depois chegam à puberdade e, ao invés de menstruarem e desenvolverem as especificidades femininas, pelo contrário: o corpo torna-se masculino. Em muitos casos, finalmente respondendo à testosterona (em níveis de puberdade masculina), o pénis finalmente desenvolve-se, enfim, brota para fora do corpo que anteriormente se pensava ser de uma rapariga.
É o caso de uns tantos rapazes na República Dominicana, conhecidos como ‘guevedoces’, porque o pénis lhes aparece só por volta dos 12 anos. A maioria, em adultos, vivem como homens, apesar de, em crianças, terem sido socializados como raparigas. Praticamente todos são heterossexuais: homens atraídos por mulheres.
Em alguns casos mantêm os órgãos sexuais femininos externos, tendo desde sempre órgãos sexuais masculinos – testículos normais, produtores de espermatozoides – internos. Como Caster Semenya, que ganhou medalhas de ouro olímpicas pelos 800 metros – femininos – em 2012 e 2016, bem como em vários campeonatos do mundo.
Não é doença, não é um tema "trans", nem nenhuma condição esquisita. Pouco frequente, apenas. São homens com deficiência de 5-alfa reductase. Têm cromossomas XY e, apesar da aparência dos órgãos sexuais externos, crescem para ter corpos masculinos. Comummente: são homens com DSD (diferenças de desenvolvimento sexual). E, ao contrário do que tantos afiançaram, homens com DSD não são mulheres.
Repetindo: percebo. Ninguém deseja ter uma condição que baralhe a nossa existência sexual. Quem vive com estas condições merece empatia e compaixão. Por outro lado, são países pobres, famílias pobres. Havendo uma rapariga (pensa-se) com talento para o desporto, ganhando facilmente competições, bem, aproveita-se a sorte. O desporto tem este lado bonito de ser um caminho de mobilidade social ascendente para miúdas e miúdos de meios pobres. Quem vai desperdiçar a oportunidade de carreira no desporto feminino, de ganhar dinheiro e fama, só porque na adolescência não menstrua e o corpo se torna igual aos rapazes? Melhor manter-se oficialmente como mulher e ser uma estrela desportiva.
Sucede que do outro lado estão mulheres desportistas, que se esforçam para obter os melhores resultados, têm a mesma expectativa de sucesso profissional com o desporto e merecem justiça desportiva ao invés de competirem com homens com DSD e a sua injusta vantagem física.
A questão dos homens com DSD no desporto de alta competição não é nova. O próprio Comité Olímpico finge querer controlar ao impor limites máximos de testosterona, para dar a ideia (mas só a brincar) de garantir justiça. Ora não garante. A documentação científica é abundante: um corpo que passou por puberdade masculina ganha vantagens desportivas – massa muscular mais volumosa, maior força, maior coração, maior capacidade pulmonar, mais densidade óssea – sobre as mulheres, que não são eliminadas se, mais tarde, se tomarem fármacos para reduzir testosterona.
Antes do folclore dos jogos, Lundberg et al publicaram no Scandinavian Journal of Medicine and Science in Sports, este ano, o estudo The International Olympic Committee framework on fairness, inclusion and nondiscrimination on the basis of gender identity and sex variations does not protect fairness for female athletes, constatando-o. A vantagem desportiva existe a partir do momento em que se passa pela puberdade masculina – que é o caso dos homens com DSD no desporto feminino.
Por tudo isto, foi com perplexidade (e horror) que vi tanta gente abandonar critérios científicos para aplaudir corpos masculinos dando olimpicamente socos em mulheres. Nem sequer pediam mais dados físicos sobre Lin Yu-tang ou Imane Khelif antes de subirem para o ringue para bater em mulheres.
Por azar, todos os indícios vão no sentido de Imane Khelif e LinYu-tang terem corpos masculinos. O grego ex-chefe do departamento médico da IBA afirmou publicamente em conferência de imprensa que Khelif e Lin eram homens biológicos segundo dois testes em dois laboratórios reputados em dois países diferentes. Nenhum recorreu para o tribunal arbitral do desporto da desqualificação pela IBA com base no resultado dos testes. Um vice-presidente da World Boxing(aceite pelo Comité Olímpico), então na IBA, também já afirmou que Khelif e Imane tinham cromossomas XY.
O jornalista americano de desporto Alan Abrahamson viu os testes e confirmou os resultados. Os comités olímpicos da Argélia e de Taiwan ameaçaram a IBA caso divulgasse os resultados. O preparador físico de Imane Khelif, George Cazorla, assumiu ao Le Point que Khelif e a sua equipa sabia da "anormalidade" cromossomática há anos e tomou medicação para baixar a testosterona. A boxer nigerianp-búlgara Joana Nwamerue também relatou que a equipa de Imane lhe disse que a vida nas montanhas alterara a argelina biologicamente (além de que Khelif tem força e técnicas de homem). Imane Khelif processou um rol de gente por ciberbullying, mas curiosamente não processou os que afirmaram institucionalmente os resultados dos testes da IBA.
Do outro lado tivemos o presidente do Comité Olímpico defendendo Khelif e Lin com os argumentos bestialmente científicos de assim estar no passaporte, viverem como mulheres e terem competido nos Jogos Olímpicos de Tóquio. Além de sugerir genialmente que não há definição científica do que é uma mulher.
O selecionador espanhol Rafa Lozano falou à Marca da injustiça de ter Khelif e Lin no boxe feminino e como Khelif era um perigo a combater mulheres. De facto, foi um bom indicador da tolerância da violência sobre mulheres aplaudir corpos masculinos a bater em mulheres como desporto olímpico. Foi um momento escuro de que não se sai.
Mas não é só uma questão de boxe e segurança. É também sintoma de como se despreza o desporto feminino. Desde logo, por que diabo o desporto feminino não está reservado a mulheres? Porque é só uma brincadeira, afinal, e é o local para despejar quem não se qualifica para a excelência do desporto – masculino, claro.
Público
Discordo frontalmente do último parágrafo, porque simplesmente não é verdade.
ReplyDeleteSobre o resto, faz parte do wokismo que domina o mundo e que é muito difícil de combater. Nem é uma questão de machismo, parece-me, antes da comunidade LGBTetc., que defende este tipo de coisas. Mais: há membros que sustentam a inexistência de competições masculinas e femininas: tudo junto e ponto final. Esses grupos defendem ferozmente uma reconfiguração de tudo aquilo que entendemos como sexo e género.
Curiosamente, ninguém discute o que é um homem, apenas o que é uma mulher. O presidente do COI faz parte dessa troupe, como se viu pela cerimónia de abertura e pelas tomadas de posição ao longo dos anos.
"Discordo frontalmente do último parágrafo, porque simplesmente não é verdade." Quem anda pela internet e lê os comentários dos homens ao desporto feminino sabe que isto é verdade. Até mesmo a propósito deste caso, o argumento comum é o de que os homens só não são melhores que as mulheres em todos os desportos, porque não se interessam por eles, porque se treinassem eram melhores que as mulheres e tudo - o que é objectivamente falso.
DeleteConheço essas ideias de que não devia haver desportos por género porque todos somos humanos, mas penso que essas ideias que defendem ferozmente não haver género, mais que influenciadas pelo lobby LGBT, são influenciadas por homens trans, isto é, homens biológicos que cresceram e foram educados como homens e por isso, estão habituados ao machismo de invadir com ordens e exigências os espaços e a vida das mulheres.
É por isso que ninguém discute o que é um homem: porque os homens definem-se a si e definem o que as mulheres são e podem ser. Sempre foi assim e estes homens biológicos, agora identificam-se como mulheres, mas trazem em si essa educação para o machismo.
Portanto, o seu lema é: 'tens que me aceitar como eu quero e eu é que dito como vais aceitar-me'. Aliás, a maneira como muitos dos homens trans se vestem (e que vemos nas gays prides) mostra bem a visão machista que trazem das mulheres: uma representação embonecada ao ponto do ridículo.
Não vejo nenhuma mulher trans a exigir entrar nos desportos masculinos ou nos espaços masculinos... foram educadas como raparigas e mulheres, conhecem o machismo muito bem.
Penso que estes equívocos de não haver géneros diferentes, nem se poder categorizar grupos são reflexo da perda de credibilidade da ciência em geral.
Trocou-se a objectividade científica pelo conforto emocional. Temos muitos conhecimentos do ponto de vista da biologia e da medicina que mostram a importância de se saber diferenciar as características de grupos diferentes. Sabemos que as mulheres e os homens têm massa muscular diferente, temperaturas diferentes, tendência para certas doenças, que pessoas de grupos étnicos diferentes têm certas tendências para certas doenças, etc. Amalgamar tudo num mesmo grupo é anti-científico.
Não digo que não possa ou deva haver mudanças no sentido de aumentar as classes ou categorias. Onde antes só havia homens e mulheres, agora há homens biológicos, mulheres biológicas, homens trans, mulheres trans, e uma série de outros grupos. Sou a favor de os identificar a todos e tornar mais pormenorizada e complexa a classificação, mas não sou a favor de amalgamar características e juntar tudo num mesmo saco, por questões sentimentais: uma pessoa sente-se triste de não lhe chamarem mulher então somos todos obrigados a chamar-lhe mulher para ela se sentir bem.
Desde quando a objectividade científica é uma questão de conforto emocional?
Da última vez que prestei atenção, já havia mais de 100 géneros na Alemanha. Não tenho qualquer problema que alguém se identifique com uma cadeira. É um problema da pessoa, mental parece-me, mas é com ela.
DeleteO que me aborrece, entre outras coisas, é que estas minorias são fascistas, porque querem impor a toda a gente aquilo que pensam «que deve ser». É algo que vem da Esquerda, que, depois de perder a luta de classes, teve de se virar para algo que consistisse numa reconfiguração social.
Os homens têm um desempenho comparativo superior em muitos desportos, se colocados lado a lado os especialistas em cada um deles. Ou seja, os atletas de 100 metros são mais rápidos do que as atletas, mas qualquer mulher que competiu nas Olimpíadas me vence em qualquer desporto aí presente, porque elas saõ elite e eu não, porque têm vinte anos e eu também, mas quase vezes três, etc. Ou seja, há um relativismo óbvio nestas conclusões. Ainda hoje, quando fui dar uma voltinha de bicicleta, passei num troço de cerca de dois quilómetros pouco depois de uma rapariga e ela fez menos dois minutos do que eu.
Há uns tempos, gerou-se uma discussão sobre estas matérias e uma das pessoas presentes - uma mulher - disse que eu era uma pessoa cis, racista, preconceituosa e privilegiada, porque era branco. Era uma espécie de pecado original adaptado. A minha pessoa disse-lhe que ela me estava a ofender. Ficou a olhar para mim, sem compreender, pelo que expliquei: não me identificava como cis coisa nenhuma e ela tinha de me tratar por homem, que era aquilo com que me identificava. O resto expliquei-lhe que sou filho de pais que eram analfabetos, porque nunca puseram os pés numa escola e que a minha mãe andou a vender porta a porta para ajudar a custear os meus estudos. Acrescentei que houve muitos livros que não comprei durante o curso, porque eram extremamente caros, e selecionei aqueles que me pareciam mais essenciais, digamos assim. Sobre a questão do racismo, disse-lhe apenas que ela era alguém extremamente preconceituoso e formatado na estupidez.
Sobre a ojetividade científica, a questão é que muitas dessas pessoas não aceitam a ciência e procuram uma outra que sustente o que defendem, daí a reconfiguração da linguagem.