Jerome Schneewind, The Invention of Autonomy
E, quanto àquele que tentasse libertar [os habitantes da caverna] e conduzi-los para cima, se conseguissem deitar-lhe a mão, não o matariam? De certeza que sim.O pessimismo de Platão em relação ao projeto de Sócrates tem duas razões: uma que podemos ignorar, a outra que devemos levar a sério.
Eis a primeira: Platão era um elitista que defendia que a maioria dos seres humanos são habitantes da caverna por natureza. Estão presos à luxúria, à ganância e à ambição. Mesmo a melhor educação não os pode iluminar. Só uns poucos seleccionados têm o desejo e o talento para a sabedoria. Nesta perspetiva, tentar converter as pessoas da perseguição da "riqueza, reputação e honras" para a preocupação com "o melhor estado possível da alma" é como tentar introduzir os surdos à música. A maioria de nós é incapaz de se governar racionalmente devido à sua natureza deficiente, e não devido à cobardia e à preguiça. Nenhuma argumentação socrática - ou filosofia pública, aliás - pode levar as massas a abraçar a vida examinada ou transformar um navio de tolos num navio de sábios.
A outra preocupação de Platão, aquela com que nos devemos envolver, não diz respeito à natureza mas à educação.
Mesmo a melhor natureza corre o risco de ser corrompida pela sua educação: Crescerá para possuir todas as virtudes se receber uma instrução adequada, mas se for semeada, plantada e cultivada num ambiente inadequado, desenvolver-se-á de forma completamente oposta.
Consideremos a visita de Platão ao sul de Itália. Ele sublinha como ficou "profundamente desagradado" com "aquilo a que aí chamam a 'vida feliz'": "uma vida repleta de banquetes italianos e siracusanos, com homens que se empanturram de comida duas vezes por dia e nunca dormem sozinhos à noite, e seguem todos os outros costumes que acompanham este modo de vida".
Platão defende que este estilo de vida decadente corrompe toda a gente:Porque nenhum homem debaixo do céu que tenha cultivado tais práticas desde a sua juventude poderia crescer e tornar-se sábio [...] ou tornar-se temperante, ou mesmo adquirir qualquer outra parte da virtude.
Note-se, finalmente, que Platão considera a corrupção irreversível:
Não existe agora, não existiu no passado, nem nunca existirá no futuro, alguém com um carácter tão invulgar que tenha sido educado para a virtude apesar da educação contrária que recebeu da turba. A argumentação socrática não consegue penetrar nos italianos festeiros - mesmo que estes fossem, por natureza, capazes de viver uma vida examinada e orientada para a virtude e a sabedoria.
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Temos de tornar obrigatórias as aulas de filosofia no ensino secundário e superior.
Apanhar as pessoas no final da adolescência e no início dos vinte anos, quando enfrentam grandes decisões que definirão a forma das suas vidas pessoais e sociais: sobre educação, trabalho, amor, relações, família, política, cultura e religião.
E, a par das técnicas, os nossos alunos devem aprender as virtudes da discussão - valorizar a verdade mais do que ganhar um argumento (ou seja, disciplinar aquilo a que Platão chamava thumos, ou a parte da alma que "ama a vitória") e tentar dar o seu melhor para compreender o ponto de vista do adversário. Os debates que desejamos não se baseiam na habilidade sofística de fazer a própria opinião prevalecer sobre a dos outros, mas na habilidade dialética de se envolver numa busca conjunta da verdade.
Estas aulas, centradas no conteúdo e no método, contribuiriam muito mais para a realização de "uma sociedade em que a vida examinada não é um ideal abstrato, mas uma prática quotidiana" do que todas as revistas, blogues, podcasts, boletins informativos e artigos de opinião, que constituem atualmente a maior parte da filosofia pública de base.
Este ethos falibilista oferece uma alternativa atractiva: aos cépticos que pensam que a razão não pode fazer nada; aos racionalistas dogmáticos que pensam que a razão pode resolver tudo; aos defensores do salto de fé que advogam o fideísmo em vez da razão; e aos gurus da Nova Era que apelam a percepções "esotéricas" acima da razão.
Uma filosofia pública que calibre a abordagem socrática e platónica da forma que sugiro é a nossa melhor hipótese de salvar "a moralidade da auto-governação", salvar-nos da polarização grosseira e desagradável e impedir que as democracias liberais se transformem em navios de tolos.
Ou será já demasiado tarde?
Carlos Fraenkel in https://libertiesjournal.com/articles/is-a-public-philosophy-still-possible/
Uma filosofia pública que calibre a abordagem socrática e platónica da forma que sugiro é a nossa melhor hipótese de salvar "a moralidade da auto-governação", salvar-nos da polarização grosseira e desagradável e impedir que as democracias liberais se transformem em navios de tolos.
Ou será já demasiado tarde?
(excertos)
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