June 06, 2024

Algumas das questões sobre as quais seria necessário que os candidatos a eurodeputados tomassem posição para podermos votar neles de modo consciente.

 


O debate sobre a Europa foi capturado pela politica nacional, quando não pelas minudências da política nacional. É uma total desvirtuação das eleições para o Parlamento Europeu ver nelas uma desforra de anteriores eleições legislativas nacionais ou eleições antecipadas de futuras eleições legislativas.

Pertenço àquele grupo de cidadãos que entendem que a campanha para as eleições para o Parlamento Europeu não está a ser produtiva porque nela não se estão a discutir as questões que verdadeiramente estão em causa nestas eleições. Estas eleições seriam uma excelente oportunidade para se explicar aos portugueses a participação de Portugal na União e para se discutir o que Portugal pode dar à União e o que a União pode dar a Portugal que não sejam apenas fundos financeiros.

(...)– invasão da Ucrânia: no panorama das relações internacionais o problema da Ucrânia é muito simples, só o complica quem quer. A Ucrânia é um Estado soberano e independente, como tal reconhecido pela Comunidade Internacional e pelas Nações Unidas. Há um século, em 1928, o Pacto Internacional Briand-Kellogg deixou claro que os Estados não adquirem quaisquer direitos pelo uso da força. Portugal foi um dos muitos Estados que aderiram a esse Pacto. Ele foi depois incluído na Carta das Nações Unidas. Esta, para além de proibir o uso da força, veio, no seu artigo 51º, reconhecer ao Estado agredido um “direito natural” à legítima defesa, que depois foi tornado Direito Internacional consuetudinário, e tanto como defesa “individual” como “coletiva”.

A prática internacional e a sentença do Tribunal Internacional de Justiça de 27-6-1986 no litígio EUA-Nicarágua confirmaram esse costume internacional obrigatório embora sujeitando-o ao princípio da proporcionalidade. Para o caso concreto da invasão da Ucrânia resulta daí que a Ucrânia, no respeito pelo artigo 51º da Carta da ONU, pode-se defender, com armamento próprio ou facultado por outros Estados, contra o ataque armado da Rússia tanto no interior do seu território como atuando no interior do território do Estado agressor, a Rússia, com o fim específico (em nome da proporcionalidade) de neutralizar e destruir as bases militares e todos os locais que estejam a ser utilizados para daí se atacar a Ucrânia. Até por uma questão de bom-senso não podia ser de outra forma.

Isto não é uma questão de geopolítica ou de geoestratégia, que tantas vezes são invocadas para de forma sibilina se propor a rendição da Ucrânia, isto é simplesmente uma questão de Direito Internacional. E nas relações internacionais o que rege as relações entre Estados não é a geopolítica, é o Direito Internacional, sob pena de, doutra forma, transformarmos a Comunidade Internacional numa selva onde os mais pequenos e fracos teriam tudo a perder. Esta é uma questão vital para a paz na Europa. Qual é a posição sobre isso dos partidos portugueses que concorrem às eleições para o PE? Quase todos eles têm fugido à questão.

– defesa europeia: Está provado que a União Europeia deve ter a sua defesa própria. Os Tratados prevêem a criação de uma “defesa comum” da União no quadro da OTAN. Enquanto ela não for criada os Tratados prevêem que a União tenha uma “política comum de segurança e defesa” (artigo 42º do TUE). Essa política comum vai exigir às Forças Armadas de cada Estado membro o reforço dos seus meios militares e humanos, o que os Estados se comprometeram a fazer nos Tratados. Como deve o Estado português reforçar a sua capacidade militar perante o desafio de aumentar a capacidade de defesa da Europa depois da guerra na Ucrânia? Não se sabe o que os candidatos a eurodeputados pensam disso.

– Emigração: A AD, o PS e a IL concordam em que o Pacto sobre Migração e Asilo foi o acordo possível mas que ficaram questões por resolver e que esperam pelo reexame da matéria, como, só a título de exemplo, a da retenção de menores. Até agora não ficou explicado nesta campanha como é que os eurodeputados portugueses lidarão com essas novas matérias quando elas voltarem ao PE;

– Alargamento da União: o próximo alargamento a cerca de dez Estados de leste da Europa está previsto para por volta de 2030 mas terá que ser preparado desde já, portanto, durante o próximo mandato do PE. Portugal não pode criar reticências ao alargamento. As razões que levam esses Estados a pedir agora a adesão são as mesmas que levaram Portugal a requerer em 1977 a adesão que ocorreu em 1986, ou seja, a necessidade de consolidar a Democracia e de promover o desenvolvimento económico e social. Mas o alargamento pode trazer algumas dificuldades a Portugal, dificuldades cujos efeitos têm de ser previamente afastados ou atenuados. O alargamento envolve riscos para Portugal na revisão da Política Agrícola Comum, na nossa continuação no Grupo da Coesão e pode passar o nosso País para contribuinte líquido na União. Tudo problemas muito sérios, que passarão também pelo PE. É difícil de entender que nesta campanha eleitoral até agora ninguém se tenha lembrado deles, nem partidos, nem candidatos, nem comentadores, nem moderadores;

– Pacto Ecológico Europeu e Clima: esta matéria tem de ser ligada à emergência climática e à aprovação em 2021 do Direito Climático Europeu, que pretende que a Europa seja em 2050 o primeiro continente neutro em matéria climática. Para tanto, o PE e o Conselho da União Europeia, como órgãos do Poder legislativo da União, preparam-se para começar a aprovar legislação europeia sobre a matéria. Nessa legislação terão de ser atendidas, de modo especial, as preocupações dos agricultores com este assunto. Como vão os eurodeputados portugueses votar no PE para levarem em conta a especificidade de Portugal perante o Pacto?

– Inteligência artificial: a IA tem aspetos positivos e negativos. A União Europeia foi a primeira a ter um Regulamento sobre a Inteligência Artificial. Ele é comummente considerado um ótimo instrumento para aproveitar a IA para a Economia, a Saúde, a Justiça. Mas, ao mesmo tempo, ele faz questão de na utilização da IA serem respeitados os valores da União, a Ética e os direitos fundamentais que a União reconhece aos cidadãos europeus. Esse Regulamento vai ter de ser seguido por outros atos legislativos. Quais devem ser as linhas fundamentais dessa legislação e como vão os eurodeputados portugueses votar na participação do PE na sua aprovação? Para o PE a IA deve estar ao serviço do Cidadão e do seu Bem-Estar ou vão estes ser vítimas dos malefícios da IA?

Aqui estão algumas das questões sobre as quais seria necessário que os candidatos a eurodeputados tomassem posição para podermos votar neles de modo consciente. Anda estamos a tempo de sermos esclarecidos?

Fausto de Quadros in https://ionline.sapo.pt
(Professor Catedrático Jubilado de Direito Europeu da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Cátedra Europeia Jean Monnet ad personam em Direito Constitucional Europeu
Autor de dois manuais em Direito Europeu: Droit de l’Union européenne, (Bruylant. Bruxelas) e Direito da União Europeia (Almedina, Coimbra))

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