April 20, 2024

As narrativas e os factos


António Barreto tem uma narrativa e chama mentira à narrativa dos outros. Os factos nunca são puros, como ele muito bem sabe e as narrativas são uma interpretação da realidade com base em  certo factos seleccionados e alinhados para aparecerem de um certo modo. Aqui neste artigo, António Barreto escolhe dar meia dúzia de exemplos de conseguimentos individuais de pessoas e empresas portuguesas (até podiam ser uma dúzia ou duas) e falar no crescimento, que sabemos que se fez à boleia do turismo. Congratula-se por não sermos os últimos da UE mas 'apenas' o 18º em 27, e diz que subimos 3 lugares. E conclui que quem diz que estamos mal é mentiroso e não se apoia nos factos.

De facto, quem diz que estamos mal e nos deixaram mal, não se apoia nos seus factos, que deixam de fora muitos factos relevantes. Por exemplo: baixámos a dívida à conta do empobrecimento das pessoas - inflação alta, salários sem aumentos. Pode haver dez empresas e pessoas muito boas e bem na vida, mas metade da população portuguesa está perto da pobreza; a comida está tão cara que as pessoas se endividam para comer; os hospitais não têm médicos, as grávidas morrem na estrada e são recusadas pelos hospitais e os seus filhos também; não há professores e os alunos estão o ano inteiro sem aprender; a habitação é tão cara que empurra os jovens para fora do país; os salários são tão maus que os jovens fogem daqui; e a justiça é o que se vê. Os políticos escondem dezenas de milhares de euros em notas nos gabinetes e compram casas a dinheiro, em numerário. Os crimes de Sócrates prescreveram. E se subimos 3 posições, António Barreto esquece-se de dizer quanto lugares descemos em todos estes anos, antes de este ano subirmos 3.

Portanto, é caso para perguntar: afinal, quem é que tem uma narrativa a esconder os factos desagradáveis e pinta uma aguarela, não realista, mas impressionista, do país? Se calhar António Barreto não tem noção que vive numa bolha que não é a realidade do país.


A mentira no debate público: o grau zero da política



O que se faz bem quase nunca tem a relevância que deve ter porque isso não interessa à narrativa dominante, à ideia de que somos os piores de todos.

António Barreto

Em 2023, apareceram no espaço público notícias e comentários sobre Portugal estar a ser ultrapassado pela Roménia e ser o pior e mais pobre país da UE, ter um crescimento económico desastroso e o PIB per capita mais baixo da Europa. Estas notícias varreram o espaço público, as televisões, os jornais, o Parlamento.

Entretanto, o Eurostat divulgou os dados sobre o desempenho económico dos países europeus em 2023 e Portugal não foi ultrapassado pela Roménia. O PIB per capita português em paridade do poder de compra é de 83% da média da UE e o da Roménia é de 78%. Mais: Portugal não é o último país do ranking europeu, é o 18.º em 27 e subiu três posições em 2023. E, ao contrário da opinião dominante, Portugal voltou a ultrapassar a Polónia e a Hungria. A economia portuguesa cresceu 2,3% e foi uma das que mais cresceram na Europa em 2023: quatro vezes acima da média europeia.


Os factos são devastadores e mostram como o debate público em Portugal está viciado por falsidades que são debitadas continuamente e distorcem tudo. O escritor Mark Twain disse que enquanto a verdade está a calçar os sapatos, a mentira já deu duas vezes a volta ao mundo. Num país em que as boas notícias não são notícia, a opinião pública é constantemente exposta a um turbilhão de notícias negativas que quase nunca têm o contraponto daquilo que o país faz bem. Há muito talento em Portugal e o país faz muitas coisas bem.

A responsabilidade dos que amam a democracia é defender sempre a verdade e o primado dos factos, dar luta à falsidade e pugnar para que a vida democrática seja sempre clarificada e articulada pela razão.

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