A mulher ideal
A mulher idealDavid PontesUma revolução mudou muita coisa, mas não mudou tudo o que era necessário e 50 anos depois continuamos a tentar contrariar o que é estrutural e está errado, a desigualdade de género.
“Segundo o concesso [sic] geral masculino, o lugar da mulher é a passividade. Estar em casa. Cumprir o papel de esposa e mãe o melhor possível. Contribuir no processo de produção — um direito que eles generosamente lho concederam. De fornecer mão-de-obra barata. Satisfazer os apetites sexuais sempre que os seus donos lho exigem. Vender-se no prestíbulo [sic] e no casamento. Isso tudo. Desde que se reduza à sua insignificância. De mero apêndice do Ser-todo-poderoso-e-Perfeito. Assim está tudo bem. E a ordem (natural) mais do que mantida.”
A “ordem natural” no Estado Novo, a definição de mulher ideal, era a da fada do lar, esposa e mãe dedicada, submissa ao marido e com direitos diminuídos por não pertencer ao género certo.
Uma revolução mudou muita coisa, mas não mudou tudo o que era necessário e 50 anos depois continuamos a tentar contrariar o que é estrutural e está errado, a desigualdade de género. Ainda há muito por fazer, mas também há muito que foi feito e deve ser celebrado. Basta percorrer a infografia que elaboramos para este aniversário e perceber, por exemplo, que já não somos o país de mais de um milhão de mulheres analfabetas e que nas últimas décadas elas passaram mesmo a estar em maioria no ensino superior. Ou que as elas têm hoje maior presença em todos os sectores da vida em sociedade, mas persiste a diferença salarial entre sexos e que são elas que têm de acumular trabalho com tarefas domésticas.
Ao que falta fazer junta-se o que pode retroceder, para justificar a escolha do tema para a conferência do nosso aniversário. Há muito a temer quando no mundo, do Irão aos Estados Unidos, sobem ao poder políticos com uma agenda de recuo nos direitos de mulher, ou quando tantos homens ainda vivem no receio da igualdade. Pela primeira vez na história global, está a criar-se um fosso ideológico entre os homens (mais conservadores) e as mulheres (mais progressistas).
Precisamos de continuar a defender e a acreditar que, num futuro não muito distante, a mulher ideal será necessariamente aquela que tenha os mesmo os direitos e oportunidades que um homem. Só esse ideal é compaginável com a de uma Humanidade como um todo.
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