Um estudo académico (...) demonstra que os jovens procuram as redes sociais para fugir à depressão ou, no mínimo, para aliviar os sentimentos de culpa, ansiedade e frustração. (...) o que está a dar é ser “delulu” (delirante). (...) Ou seja, o autoengano é a solução... para a felicidade. (...) O autoengano é servido em doses cavalares a quem está sequioso de mudança.
No novo mundo digital, a felicidade é muitas vezes desligada da nossa realidade concreta. Como explica a jovem Alex Rae Smith, que se autointitula no TikTok como “mentora”, o que as pessoas devem fazer é recriar mentalmente a vida. “O meu desafio para hoje é que apenas pensem na realidade tal como a desejam. Se fizerem isso durante 24 horas, vão ficar espantados com a magia da experiência”
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Em primeiro lugar penso mesmo que as crianças e adolescentes até uma certa idade, deviam ser impedidos de aceder às redes sociais e mesmo de usar smartphones - da mesma maneira que não se expõe crianças e adolescentes ao vício do álcool ou do jogo, também não se devia expô-los ao vício das redes sociais.
As aplicações das redes sociais são cada vez mais viciantes. Fazem os algoritmos mesmo para que as pessoas se viciem nelas e, abaixo de uma certa idade, as crianças e adolescentes são completamente vulneráveis aos seus efeitos negativos. Aprender a usar um computador sim, smartphones só a partir de uma certa idade e com alguma supervisão.
Em segundo lugar, é importante perceber porque é que os adolescentes (e não só) buscam as redes sociais como escape. Talvez porque sentem e sabem que não têm controlo sobre a sua própria realidade. Não é inédito. Desde sempre as pessoas procuraram escapes para as suas frustrações, ansiedades e medos. A religião é o exemplo mais óbvio, mas também a arte, a violência, a leitura. A religião, por exemplo, ensina que uma maneira de controlar o seu próprio destino é rezar.
No dias que correm a organização económica, social e política arrasa completamente as expectativas dos jovens: ter um trabalho não-escravo, acesso a uma casa para morar, a meios de construir uma vida, a bens culturais e de lazer é uma miragem e o resultado é os jovens sentirem que não têm nenhum controlo sobre o seu destino (que lhes aparece catastrófico) façam o que fizerem.
Numa parte importante, a linguagem dos adultos e dos poderes políticos em quem devíamos confiar para servir de timoneiros na resolução dos problemas é negativa e anti-pedagógica em extremo ou de um falso optimismo que raia o absurdo e ainda assusta mais.
Por exemplo, hoje mesmo, Guterres disse que o mundo entrou na "Era do Caos". Os adolescentes e os jovens ouvem, como nós todos, constantemente, este tipo de linguagem por parte das pessoas que deviam ter propostas de soluções porque foram para os cargos para solucionar, têm os meios e estão em lugares de virar o leme. Porém, passam o tempo a gritar a sua frustração como crianças e adolescentes perdidos.
Compreendo a estratégia dos adolescentes que este articulista chama "autoengano" mas que não é um engano, é uma estratégia de terapia mental. Quando fiquei doente e todos os relatórios médicos descreviam uma realidade horrível em todos os aspectos e os médicos me falavam em batalhas e em vencer a guerra [do cancro, palavra que nunca dizem] comecei a pensar que, se isto era uma guerra, estava tramada porque tinha andado durante muito anos a enfraquecer os soldados do meu exército (o sistema imunitário) com o vício de fumar. A sensação de estar nas mãos de outras pessoas e não ter nenhum controlo sobre a minha pessoa e o meu destino, era muito assustadora.
Então, arranjei para mim mesma uma outra metáfora para a doença que não envolvia guerra nem soldados e desenvolvi uma estratégia de entrar num certo estado mental a que chamei de "excesso de felicidade". Era um estado mental me resguardava do stress, da ansiedade e do medo da doença, das suas ramificações, dos seus procedimentos e das suas consequências. Durante muitos e muitos meses, todos os dias pessoas desconhecidas me enfiavam agulhas, despiam, enfiavam tubos, palpavam, viravam, enfiavam-me em máquinas claustrofóbicas, injectavam-me medicamentos horríveis... desenvolvi uma técnica de projectar a mente para um cenário imaginário de calma e de felicidade para fugir a estas experiências físicas e psicológicas negativas, stressantes e deprimentes e conseguir manter o ânimo.
Portanto, compreendo muito bem que os jovens, que não têm estratégias de resistência, escapem a uma realidade que lhes dizem ser um cancro terminal (o clima, a falta de emprego ou o emprego-escravo, os salários de miséria, a impossibilidade de ter uma casa, constituir família, a escassez de bens, etc.) que sabem que têm de combater, mas para o qual sabem não ter exército.
Porque é que os jovens activistas do clima só têm acções destrutivas e negativas? Porque lhes dizem que a realidade é uma Era de Caos, um beco sem saída, que já não é possível construir, que o futuro está condenado.
Quem é que hoje em dia não foge a ver as notícias da realidade: um poço sem fundo, um beco sem saída, um desfiar de casos de incompetência, impotência, corrupção e decadência?
Na realidade não estamos no caos, estamos numa crise, que é uma situação muito diferente. Para uma crise há soluções e se as soluções forem acertadas a crise transforma-se num momento de crescimento e evolução.
E era assim que os problemas deviam ser entendidos e enfrentados pelos poderes instituídos: não com palavras de desespero, presságios de morte e obstáculos intransponíveis que deixam as pessoas paralisadas no medo, nem com palavras de falso optimismo enganador.
A linguagem médica, fora esse hábito que vejo em todo o lado -médicos e literatura- de falar das doenças como guerras a vencer, é em geral muito positiva para dar aos doentes a noção de que as situações não são desesperadas. Que existem métodos, tratamentos, estratégias e que se umas não resultarem, experimenta-se outras. Nunca se diz a taxa de mortalidade, fala-se na taxa de sobrevivência; não se fala em tumores, mas em lesões; aponta-se sempre em primeiro lugar o que está a resultar.
Há muitos anos que faço isso com os meus alunos. Nunca lhes meto medo com os exames, as notas, o futuro, etc. Digo-lhes como podem conseguir e o trabalho que isso implica, mas que é perfeitamente possível e mais fácil do que parece. O que é difícil é a disciplina do trabalho e do estudo. Mas também para isso há estratégias e metodologias.
Portanto, se os adolescentes e os jovens precisam de fugir da realidade é porque os adultos em geral e os líderes políticos são medíocres e não fazem o seu trabalho e depois disfarçam dizendo que era impossível, que é o caos, que é catastrófico, que não há tempo, que não há maneira, que a culpa é dos outros. Os adolescentes e os jovens vêem-se como vítimas de uma realidade para além do seu controlo e uns escapam -lhe nas redes sociais, a maioria na auto-indulgência.
A literária mediática é útil, claro, mas não resolve este problema de se ter criado uma sociedade de impotência, por um lado, e de indulgência, por outro.
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