February 28, 2024

Como 'des-necessitar' de dezenas de milhares de professores e poupar dinheiro com a educação? Uma proposta aberrante do CNE

 


Reduzir o currículo através da infantilização dos alunos: é a proposta 'subsidiada' pelo PS e decalcada do Chega.

Logo no início fala-se em 3 possibilidades para o fim do 2º ciclo e refere-se a integração do 2º ciclo no 1º como a hipótese que reúne maior consenso porque: seria benéfico a integração do 2º ciclo no 1º - ou seja, não têm nenhuma razão e apenas repetem que é melhor porque é melhor. A sério...?

Integrar o 2º ciclo no 1º porque é benéfico para a educação das crianças. Acontece que os alunos no 2º ciclo têm 11 e 12 anos. São adolescentes e não crianças. Aliás, hoje-em-dia entra-se mais cedo nas transformações bio-psíquicas da adolescência de maneira que obrigá-las a ficar integradas num ciclo de infância, não vejo em que possa ajudá-las. 

Depois afirma-se que integrar o 2º ciclo no 1º, cria uma “proposta de educação integrada dos 0 aos 12 poderá propiciar uma sequência progressiva, mais coerente com os processos culturais infantis e mais articulada com as formas de aprendizagem das crianças" - gostava que alguém me explicasse porque é que integrar alunos de 11 e 12 anos em processo culturais infantis é mais coerente e propicía uma aprendizagem mais progressiva? Porque nenhuma razão é apresentada e afirma-se, uma outra vez, que há intenção de não deixar que os adolescentes saiam dos processos culturais infantis. Como é que alguém pode entender isto como benéfico para o desenvolvimento dos alunos?

Em seguida afirma-se, mais uma vez gratuitamente, que manter os alunos, atados 12 anos, em processos infantis, "permitiria modos de trabalho mais articulados, mais coerentes e mais consistentes e que possam garantir a todos os alunos o desenvolvimento efetivo de literacias múltiplas (leitura, escrita, numeracia, utilização das tecnologias de informação e comunicação)" - sem nunca apresentar uma única razão para defender que o desenvolvimento dos alunos é mais coerente e efectivo por se manterem culturalmente infantilizados.

Depois, quando se fala no recrutamento dos docentes, percebemos o verdadeiro intuito desta proposta (uma traição que se faz aos alunos) sem nenhuma razão que lhe acrescente mérito, só slogans ocos: é que permite reduzir em dezenas de milhar o número de professores, pois até aos doze anos teriam um ou dois professores neste ensino primário alargado. 

Se bem entendo, a proposta da Comissão Nacional Socialista de Educação é parecida com a do Chega: reduzir o currículo a ler, escrever, fazer continhas e aprender a mexer num computador para poupar centenas de milhões na educação, desde logo, 'des-necessitando' de umas dezenas de milhar de professores. 

12 anos para aprender 4 coisinhas num prolongamento de processos infantis até à adolescência! Epá... acho chocante - o meu filho, na 3ª classe resolvia fracções e na 4ª classe lia os poetas portugueses. Não ficou prejudicado na coerência e consistência da aprendizagem.

Se é para acabarem com o 2º ciclo, integrem esses dois anos no resto do percurso. Têm um ciclo de 4 anos, para o qual já entram com algumas competência da pré-primária (já têm vantagem) e outro ciclo com 8 anos. Implica mudanças a outros níveis, nomeadamente na organização das escolas -espaço físico e não só- e é mais exigente mas não se mata uma geração mantendo-a infantil para que os políticos possam, mais uma vez, dizer que apostam na educação, decepando-a de investimento e descarnando-a até ao osso.

Na idade em que os miúdos têm uma enorme capacidade de evolução e aprendizagem, querem mantê-los limitados e infantilizados. Um desperdício de alunos e de professores nas mãos de gente sem qualidade. Estamos entregues a pessoas sem nenhum mérito. Nenhum. Nenhum pensamento consequente. 

Tenho uma colega, muito mais nova do que eu, que hoje me dizia que a mãe é costureira e o pai era vendedor ambulante de pão. Ela e o irmão licenciaram-se. Se tivessem tido um ensino imbecilizante como este que é defendido neste documento, nunca teriam tido essa possibilidade. 


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Páginas 86, 87 e 88 do estudo do CNE

Nas publicações do CNE, anteriormente referidas, face à questão, o que fazer com o 2º ciclo? são indicadas algumas possibilidades: a criação de um ciclo único através da integração do 1º e 2º ciclos; a divisão do 2º ciclo, associando um ano ao 1º ciclo e um ano ao atual 2º ciclo, ou através da associação do 2º com o 3º ciclo. A primeira hipótese, integração do 1º e 2º ciclo, é aquela que parece reunir maior consenso, na medida em que se considera que “seria benéfico para a educação das nossas crianças a progressiva integração do atual 2º ciclo do ensino básico no espírito e cultura curriculares do 1º ciclo, criando-se desta forma uma educação primária, primeira, de seis anos” (Pedrosa, 2009, p. 20), do mesmo modo que uma “proposta de educação integrada dos 0 aos 12 poderá propiciar uma sequência progressiva, mais coerente com os processos culturais infantis e mais articulada com as formas de aprendizagem das crianças, formadas em boa medida no nível imediatamente anterior” (Sarmento, 2009, p. 87). 

Também o Conselho das Escolas, em 2010, propôs que o atual 1º ciclo passasse a ser designado por ensino primário (com a duração de 4 anos) e que o atual 2º ciclo fizesse parte do ensino secundário geral, com a duração de 4 anos e que passaria a integrar o 5º, 6º, 7º e 8º anos de escolaridade. O 9º, 10º, 11º e 12º anos passariam a integrar o ensino secundário superior.

De entre os cenários apresentados, e à semelhança do que acontece noutros países europeus em que a educação básica tem um ciclo inicial, primary, destinado a alunos dos 6 aos 12 anos, a integração dos atuais 1º e o 2º ciclos num ciclo inicial do ensino básico, permitiria modos de trabalho mais articulados, mais coerentes e mais consistentes e que possam garantir a todos os alunos o desenvolvimento efetivo de literacias múltiplas (leitura, escrita, numeracia, utilização das tecnologias de informação e comunicação), as quais são consideradas como alicerces para aprender e continuar a aprender ao longo da vida como, aliás, se prevê no PASEO.

Posteriormente ao 6º ano poderemos ter diferentes cenários, de entre os quais destacamos aquele que eventualmente mais se aproxima da realidade que existe em Portugal e que acontece na maioria dos países europeus: a existência de um ciclo de três anos que é conceitualizado como sendo um ciclo terminal da educação básica, muitas vezes designado por lower secondary (no caso português corresponde ao 7º, 8º e 9º ano) e um ciclo de três anos de natureza estritamente secundária que conclui a escolaridade obrigatória e muitas vezes designado como upper secondary (10º, 11º e 12º ano). Uma outra possibilidade é considerar o lower secondary como o início da educação secundária o que, de acordo com muitos estudiosos e investigadores, tem vantagens. Na verdade, considerar o lower secondary como “terminal” do ensino básico é bastante diferente de o tornar o início do secundário. Neste último caso, parece desenvolver-se um ambiente mais favorável ao desenvolvimento das aprendizagens dos alunos que lhes facilitam a conclusão de um percurso de escolaridade obrigatória que seja mais coeso e faça mais sentido face aos projetos pessoais de cada aluno.

Independentemente dos cenários que se possam equacionar, ou das etapas que possam emergir duma possível reorganização ou reconfiguração estrutural do ensino básico, esta é uma questão a enfrentar pelas políticas de educação e formação e que tem uma diversidade de implicações que é preciso acautelar, nomeadamente, a gestão de recursos humanos e a organização dos grupos de recrutamento de docentes, que atualmente estão subordinados à divisão do sistema. Importa igualmente acautelar a formação inicial de professores, uma vez que temos instituições de ensino superior que habilitam professores em função dos níveis e ciclos de ensino existentes, a permeabilidade da rede escolar, a gestão do currículo, a avaliação das aprendizagens e a própria tipologia de escolas, entre outras.

Algumas poderão ser entendidas como questões dependentes, unicamente, da vontade política, como é o caso da redefinição de grupos de recrutamento e a reestruturação de modelos de formação inicial que possibilitem o acompanhamento dos alunos em percursos de escolarização mais longos e diferenciados do contexto atual. Outras poderão ser consideradas como mais dependentes daquilo que as pessoas, em cada lugar, consigam fazer acontecer, como é o caso da gestão curricular e da avaliação das aprendizagens, na medida em que as mesmas podem decorrer do entendimento que cada um tem do seu significado e não propriamente da sua reconfiguração estrutural, formal ou legal. Ainda assim, e independentemente daquilo que se pensa e se consegue fazer localmente, muito fica dependente daquilo que é definido e assumido ao nível das políticas públicas e da decisão política.

Sendo verdade que a mudança, qualquer que ela seja, depende muito mais da forma como as pessoas desejam e se apropriam dessa mudança do que tudo o que lhe possa ser exterior, também é verdade que as políticas potenciam ou condicionam essa mudança. As questões de forma serão certamente mais fáceis de equacionar e resolver, porque são mais claras as transformações necessárias. Por exemplo, relativamente à gestão de recursos face aos grupos de recrutamento existentes no atual 1º e 2º ciclos, um cenário possível seria o sistema evoluir para um único grupo de docência, no ensino primário (primary education), após um período de transição que teria de ser organizado e preparado com apoios específicos ao nível da formação dos professores. Uma outra possibilidade passaria pela criação de equipas pedagógicas, com um número reduzido de professores, que pudessem acompanhar os alunos durante todo o percurso escolar dos 6 aos 12 anos, independentemente do grupo de recrutamento a que estão afetos, ou seja, o regime de monodocência evoluiria para um regime de pluridocência que assegurasse uma gestão curricular articulada, transversal e assente no trabalho colaborativo.

A este propósito importa referir que muitos docentes que estão atualmente no sistema educativo, e independentemente de estarem a lecionar no 1º ou no 2º ciclo, têm qualificação profissional para ambos, do mesmo modo que alguns docentes do 2º ciclo têm habilitação para o 3º ciclo e secundário, ou seja, é importante apostar em processos de gestão que favoreçam condições para que as escolas, num quadro de autonomia efetiva, possam gerir e rendibilizar os recursos disponíveis numa lógica de continuidade pedagógica do trabalho com os alunos. Simultaneamente, os modelos de formação inicial e contínua dos professores devem ser repensados perante os desafios decorrentes da política educativa vigente.

Questões bem mais difíceis de equacionar prendem-se com o conceito de educação e com o entendimento que dele é feito no momento da sua concretização, no espaço das organizações escolares e da relação pedagógica. Os documentos estruturantes da educação em Portugal, o PASEO, as Aprendizagens Essenciais ou até mesmo a Estratégia Nacional de Educação Para a Cidadania, veiculam um entendimento de educação enquanto desenvolvimento das crianças e dos jovens e do currículo enquanto instrumento dessa visão. Nesta perspetiva, estes documentos incluem a ideia de continuidade que incentiva e até proporciona uma eventual organização que dissolva a separação entre 1º e 2º ciclos, contudo, é fundamental que ao nível das políticas educativas se assumam medidas que permitam não só a apropriação como a concretização do PASEO por parte dos profissionais que estão no cerne da consecução dos seus desígnios: os docentes. 

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