January 10, 2024

O questionário de integridade criado pelo governo não passa de um papelinho



Conselho da Europa põe em causa questionário para futuros membros do Governo português


Deve haver controlos de integridade eficazes antes de alguém integrar o Governo, diz o Greco. A recomendação vem um ano depois de o Governo ter aprovado um questionário para futuros membros.

Ana Henriques

O Grupo de Estados contra a Corrupção (Greco) do Conselho da Europa questiona a eficácia do questionário criado pelo Governo português para aquilatar a integridade dos futuros membros do executivo antes de iniciarem funções, criticando também a confidencialidade das respostas.

Embora reconhecendo que este instrumento ainda não se encontra consolidado, o grupo de trabalho que redigiu o relatório do Greco – destinado a avaliar os mecanismos de prevenção da corrupção na administração central e nas forças de segurança, e divulgado esta quarta-feira – questiona a sua aplicação prática. Afinal, pode ler-se, a resolução do Conselho de Ministros que o criou “não indica que organismo irá cruzar a informação, tanto mais que o questionário preenchido é classificado como segredo nacional, está fora do alcance do público e escapa ao seu controlo”.

Assim como escapa a qualquer controlo de probidade a nomeação dos membros dos gabinetes do Governo, que não são sujeitos a qualquer interrogatório: “A sua nomeação está apenas condicionada pela necessidade de verificar a disponibilidade de recursos orçamentais do respectivo gabinete e os limites relativos ao número máximo de membros que podem ser nomeados”.

Verificou-se que, após o termo do seu mandato, alguns ministros se tinham empregado no sector privado, em domínios pelos quais tinham sido responsáveis, não respeitando a legislação

O Greco sugere que a informação contida neste questionário possa ser revista, por exemplo, pela Entidade Para a Transparência, e que todos os que ocupam posições de topo no Estado, e não apenas os governantes, sejam submetidos a procedimentos destinados a identificar potenciais conflitos de interesses antes de ingressarem em funções, devendo estes dados ser publicados online.

O alerta chega um ano depois de o Governo ter criado um questionário com 36 perguntas para quem viesse a integrar o executivo, após as polémicas com os secretários de Estado Miguel Alves e Carla Alves.

De resto, o Conselho da Europa entende que o Governo tem de fornecer àquela entidade, que funciona junto do Tribunal Constitucional, condições para cumprir a sua missão. “É da maior importância torná-la plenamente operacional, a fim de desempenhar as importantes tarefas que lhe foram confiadas.

Embora as autoridades tenham indicado que, em 2020, o Ministério Público interveio em 524 casos relativos a suspeitas ou irregularidades na apresentação de declarações de rendimentos por todas as categorias de titulares de cargos políticos e públicos, o grupo de trabalho registou com preocupação o facto de não ter sido efectuado qualquer controlo substantivo. Na prática, isto significa que situações de acumulação injustificada de património, conflitos de interesses e incompatibilidades ficaram por sancionar”, pode ler-se no relatório, que lamenta ainda que o site oficial do Governo não inclua informações sobre o papel e as funções dos membros dos gabinetes governamentais.

Atenção aos gabinetes

O documento é, aliás, particularmente profícuo em alusões ao gabinete do primeiro-ministro, por comparação com relatórios análogos feitos no passado pelo Greco sobre a situação em França, Espanha ou Alemanha. E, apesar de a visita da equipa de avaliadores deste organismo do Conselho da Europa ter ocorrido já entre Junho e Julho de 2022, algumas das observações que constam neste trabalho parecem encaixar-se em acontecimentos bem mais recentes, como a Operação Influencer, que levou à demissão de António Costa.

“No que respeita aos membros dos gabinetes ministeriais, incluindo o do primeiro-ministro, o n.º 4 do artigo 8.º do Decreto-lei n.º 11/2012 estabelece que, durante o exercício das respectivas funções, os membros dos gabinetes não podem celebrar quaisquer contratos de trabalho ou de prestação de serviços com entidades que estejam sob a tutela do respectivo membro do Governo e que se mantenham em vigor após a cessação das suas funções”, pode ler-se neste relatório, que fala, de resto, na necessidade de alargar a todas as pessoas que exercem funções executivas de topo na administração central as restrições pós-emprego já existentes para os governantes.

Actualmente, os titulares de órgãos de soberania e titulares de cargos políticos não podem exercer, pelo período de três anos contado da data da cessação de funções, cargos em empresas privadas que prossigam actividades nos sectores que tutelaram, desde que, no período do seu mandato, tenham sido objecto de privatização ou beneficiado de incentivos financeiros ou fiscais.

Porém, a equipa do Greco que veio a Portugal constatou que nem isso é sempre cumprido: “Verificou-se que, após o termo do seu mandato, alguns ministros se tinham empregado no sector privado, em domínios pelos quais tinham sido responsáveis, não respeitando a legislação em vigor. Questionadas sobre a existência de um sistema de controlo e de sanções em caso de violação das restrições pós-emprego, as autoridades não forneceram qualquer informação”.

No que diz respeito aos membros dos gabinetes, só inspectores e subinspectores estão sujeitos a estas restrições. O chamado “fenómeno das portas giratórias” – os membros dos gabinetes ministeriais que deixam o cargo para trabalhar no sector privado – “deve ser abordado de forma mais aprofundada, para evitar conflitos de interesses e uma eventual utilização abusiva da informação”, preconiza o relatório.

Debruçando-se sobre o processo legislativo, os avaliadores concluíram pela necessidade de, quando estão em elaboração, os decretos-leis serem submetidos a consultas públicas que beneficiem de prazos suficientemente extensos. Neste capítulo a transparência deve ser assegurada com a publicação de todos os contributos recebidos nesta fase.

Todas as pessoas com funções executivas de topo devem ser sujeitas não apenas a controlos de integridade eficazes antes de entrarem para o Governo, mas também a restrições pós-emprego, avisa também o Greco. Os contactos mantidos entre os altos funcionários do Estado e os representantes de grupos de interesses privados é mais uma questão considerada preocupante.

Controlo dos polícias deve ser reforçado

No que diz respeito à Polícia de Segurança Pública e à Guarda Nacional Republicana, as autoridades têm de tomar medidas para levar a cabo um recrutamento de efectivos transparente e objectivo, para aumentar a representação das mulheres a todos os níveis e para criar mecanismos internos de denúncia de irregularidades.

Além disso, o controlo da probidade dos agentes da lei deve ser reforçado. O acesso à informação pública deve igualmente ser melhorado no âmbito destas autoridades responsáveis pela aplicação da lei. Por último, os donativos e os patrocínios devem ser objecto de melhor regulamentação, a fim de aumentar a sua transparência e de enfrentar os riscos de conflitos de interesses.

Ao todo, são 28 as recomendações feitas a Portugal pelo Greco, que irá avaliar a sua implementação. Embora reconhecendo que Portugal desenvolveu um extenso quadro jurídico e institucional anticorrupção, estes especialistas assinalam que a sua eficácia depende, em grande medida, de a Entidade para a Transparência e também o Mecanismo Nacional Anticorrupção estarem plenamente operacionais, o que ainda não é o caso.

Para desenvolverem este trabalho, os avaliadores reuniram-se com representantes das secretarias-gerais da Presidência do Conselho de Ministros, do Ministério da Administração Interna, com o Ministério da Justiça, com a Inspecção-Geral de Finanças, PSP, GNR, representantes das magistraturas, provedora de Justiça e Tribunal de Contas. Também foram recebidos por deputados da Assembleia da República, tanto da Comissão dos Assuntos Constitucionais como da Comissão para a Transparência. Por fim, estiveram ainda com representantes do mundo académico, jornalistas, sociedade civil e sindicatos das forças policiais.

Notícia actualizada às 15h45 com referência ao questionário aprovado pelo Governo há um ano

 

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