Trabalhadores das Finanças pedem a demissão da directora-geral
Sindicato alerta para “ruptura” nas repartições do fisco, vê falta de pessoal e contesta inspecção excessivamente “centralizada”.
Pedro Crisóstomo
Há muito descontente com a liderança da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), o Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos (STI) veio esta sexta-feira pedir a demissão da directora-geral da administração fiscal, Helena Borges, por considerar que a administração fiscal está a ser “destruída por uma gestão de recursos humanos sem visão e sem estratégia”.
Borges dirige o fisco desde Março de 2015, quando o Governo de Pedro Passos Coelho, confrontado com demissões de topo no fisco por causa das revelações da famosa “lista VIP” de contribuintes, fez subir a número um a então directora da direcção de Finanças de Lisboa, que viria a ser nomeada em definitivo já pelo Governo de António Costa em Janeiro de 2016 e reconduzida em Janeiro de 2021 para um último mandato de cinco anos, que só termina em Janeiro de 2026.
Há vários anos que o STI está descontente com a liderança de Helena Borges, sendo este pedido o culminar de críticas que cresceram ao longo de 2023, levando a uma tomada de posição votada por unanimidade no conselho geral do STI, o órgão onde estão representadas as várias direcções distritais do sindicato.
A reivindicação foi formalizada no início de Dezembro, mas só foi divulgada agora em Janeiro, nesta sexta-feira, dias depois de a nova direcção do sindicato tomar posse. O novo presidente, Gonçalo Rodrigues, foi eleito em Novembro e assumiu funções na última segunda-feira, sucedendo a Ana Gamboa, cuja direcção já integrava.
A proposta de exigir a demissão de Helena Borges partiu da delegação de Faro e foi aprovada por unanimidade na reunião de Dezembro (com 366 votos a favor, nenhum contra e nenhuma abstenção), coincidindo com a vontade actual e da anterior direcção nacional do sindicato.
Numa nota à imprensa, o novo presidente do STI cita três problemas centrais para justificar o pedido de saída de Borges: serviços de finanças “em ruptura”, falta de pessoal (em particular nas alfândegas), e uma inspecção tributária “centralizada e moribunda”.
A deliberação aprovada no conselho geral, a que o PÚBLICO teve acesso, enumera alguns riscos que os trabalhadores vêem se não houver um reforço de pessoal, de meios e de organização: “Não há uma política de recursos humanos, materiais, financeiros e tecnológicos que permita um funcionamento eficaz dos serviços, estando os mesmos reduzidos às suas funções mínimas. A falta estrutural destes recursos impede o combate à fraude, à evasão e restante criminalidade fiscal, pondo em risco a arrecadação de receita e o combate à economia paralela. A falta destes recursos impede o combate à contrafacção, ao tráfico de droga e ao tráfico de armas, pondo em risco a segurança dos que vivem em Portugal e da fronteira externa da União Europeia. Sem receita fiscal não há Serviço Nacional de Saúde, não há educação pública, não há Segurança Social, não há justiça nem segurança pública. Uma Autoridade Tributária e Aduaneira sem recursos humanos, materiais, financeiros e tecnológicos implica um desequilíbrio nas contas públicas, que põe em causa a redistribuição da riqueza, alicerce fundamental do Estado Democrático e de Direito que Portugal é.”
O PÚBLICO sabe que, durante a discussão da proposta, a direcção distrital de Viseu do STI chegou a sugerir que o sindicato colocasse outdoors a pedir a demissão da directora-geral, mas não é claro se essa ideia ganhou apoio interno para avançar.
Para Gonçalo Rodrigues, citado na nota de imprensa do STI, os recursos humanos da AT “têm de ser geridos por alguém com formação na área da gestão e que pertença às carreiras especiais inspectivas da AT” e, neste momento, diz, o fisco “navega ao sabor de estados de alma, de invejas e de egos, e os resultados estão à vista”.
No ano passado, o STI convocou protestos e mobilizou os trabalhadores para greves contra o que dizia ser a “degradação das condições de trabalho” (decorrente da saída de trabalhadores que se aposentam, por exemplo), contra a “degradação das instalações” e contra a falta de meios para “promover o eficiente combate à fraude e evasão fiscal”.
Ainda em Novembro, quando a AT assumiu que até 2025 enfrentará uma vaga de aposentações, com a previsível saída para a reforma de 2000 funcionários, a anterior presidente do sindicato, Ana Gamboa, explicava que a “saída massiva” de trabalhadores acontecerá sobretudo entre técnicos “recrutados nos anos 80 que estão agora no final da vida activa” e vincava que há vários anos que essa situação era conhecida. “Sem renovação dos efectivos, isto cria uma sobrecarga e pressão gradual em quem fica, porque a saída de trabalhadores não implica diminuição dos objectivos a cumprir. As pessoas estão exaustas nos serviços. Já não é urgente recrutar, neste momento é uma emergência”, dizia Gamboa.
Além do descontentamento interno, Helena Borges tem enfrentado críticas no Parlamento, vindas de várias bancadas — do PSD, do BE e do PCP —, pela forma como o fisco está a conduzir o processo de avaliação e cobrança do IMI das barragens. Também a Câmara Municipal de Miranda do Douro já pediu a saída de Helena Borges.
Ainda na quinta-feira, durante a audição no Parlamento do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Nuno Santos Félix, sobre o facto de o fisco ter deixado caducar algumas das liquidações de IMI das centrais relativas ao ano de 2019, a coordenadora do BE, Mariana Mortágua considerou que, se a “culpa” é da AT, “alguma consequência deverá haver”.
Notícia corrigida às 19h30: Rectificada a referência ao momento da aprovação da proposta de pedido de demissão pelo conselho geral do STI, que ocorreu no início de Dezembro de 2023 e não no final desse mês.
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