January 26, 2024

A CGD: um saco sem fundo a suportar a vida milionária de Sócrates

 


Sócrates nem se preocupava em saber quanto dinheiro tinha no banco. Ia gastando e o banco público ia pagando. Podia ter a conta a descoberto e fazia compras de 1 milhão de euros. A CGD pagava. Temos suportado a vidinha de muitos porcos, feios e maus.


Juízas mandam julgar Sócrates por corrupção: “Temos como certo que os 34 milhões lhe pertenciam”


Reviravolta na Operação Marquês faz com que Zeinal Bava, Granadeiro e Bataglia sejam remetidos para julgamento depois de ilibados. Magistradas chamam ingénuo ao colega Ivo Rosa.

As juízas do Tribunal da Relação de Lisboa que esta quinta-feira decidiram mandar julgar por corrupção e outros crimes o ex-primeiro-ministro José Sócrates mostram-se convictas. “Temos como certo que os 34 milhões lhe pertenciam”, escrevem no acórdão de quase 700 páginas em que validam as principais suspeitas do Ministério Público e criticam a forma como o juiz Ivo Rosa fez minguar a Operação Marquês até dela pouco sobrar.

O processo ressuscita agora pelas mãos das desembargadoras Raquel Lima, Micaela Rodrigues e Madalena Caldeira, numa altura em que Ivo Rosa deixou de ser juiz de instrução para ascender também ele à posição de desembargador daquele tribunal.

Mas não foi só o antigo governante a ver a sua vida a andar para trás com tamanha reviravolta processual. Ao ex-banqueiro Ricardo Salgado voltaram a ser assacados crimes de corrupção e branqueamento de capitais, o mesmo tendo sucedido com outros nomes sonantes do processo que o juiz de instrução havia livrado do caso em 2021, como os antigos homens fortes da Portugal Telecom Henrique Granadeiro e Zeinal Bava, o empresário Joaquim Barroca, do Grupo Lena, e Hélder Bataglia, o empresário luso-angolano que fundou a Escom. Além de Sócrates, foram agora remetidos para julgamento outros 21 arguidos, incluindo a sua ex-mulher Sofia Fava, o socialista Armando Vara e várias empresas do Grupo Lena. De fora ficam apenas cinco outras firmas e a filha do ex-ministro socialista, Bárbara Vara. Renasceram agora um total de 118 crimes. Em Abril de 2021, Ivo Rosa arquivara 171 dos 188 crimes da acusação.

Os três crimes de corrupção passiva agora atribuídos novamente ao antigo líder do PS — a que se somam outros 13 de branqueamento e seis de fraude fiscal — dizem respeito a outros tantos negócios. Em causa está o financiamento de mais de 200 milhões de euros atribuído pela Caixa Geral de Depósitos ao resort de Vale do Lobo, as relações do grupo Espírito Santo com a Portugal Telecom e ainda os projectos estatais a que se candidatou o Grupo Lena, como o concurso para o TGV. Esta quinta-feira foram validadas as suspeitas de que José Sócrates usou o poder que detinha para beneficiar estes empresários do sector privado.

Em troca, terá recebido, entre 2006 e 2015, mais de 34 milhões, a maior parte dos quais guardados em contas de sociedades offshore na Suíça controladas pelo seu amigo Carlos Santos Silva. As desembargadoras responsáveis por esta decisão crêem não haver quaisquer tipo de dúvidas de que Ricardo Salgado fez pagamentos ao ex-líder do PS: "Os recebimentos de dinheiro parecem-nos evidentes. Há todo um esquema montado (...). Obviamente que não vamos encontrar prova directa dos factos. Não se percebe o espanto do senhor juiz de instrução quando diz que nada consta dos extractos bancários do arguido Sócrates.

Despesas sem controlo

E assinalam a forma despreocupada como o principal arguido da Operação Marquês lidava com o dinheiro e levava uma vida de luxo: “Perdia frequentemente a noção do que gastava e desconhecia sistematicamente o saldo da sua conta bancária, chegando a utilizar cartões de débito e/ou de crédito sem que existisse plafond para esse efeito.” Não usando o serviço de homebanking, a certa altura “deixou de exercer qualquer controlo sobre as suas despesas”. Entre 2011 e 2014, a sua conta na Caixa Geral de Depósitos suportou despesas superiores a um milhão de euros. Onde obteve meios para pagar estes gastos? – questionam as magistradas, que não acreditam terem sido os empréstimos desinteressados de Santos Silva a financiar as despesas sumptuárias. Os dois amigos “utilizavam entre si expressões codificadas, referindo-se a ‘dossier’, ‘livros’, ‘ fotocópias’, ‘aquela coisa que eu gosto’ para se referirem à entrega de quantias monetárias”, recordam.

Depois de ter arquivado a esmagadora maioria dos 188 crimes da acusação da Operação Marquês, Ivo Rosa dividiu o processo em quatro partes. Terá passado despercebido a alguns, mas três delas já deram origem a condenações: a parte relativa ao antigo banqueiro Ricardo Salgado (julgado por apenas três crimes de abuso de poder), a do ex-ministro Armando Vara (julgado por um crime de branqueamento de capitais) e a do antigo motorista de José Sócrates, João Perna (julgado por um crime de detenção de arma proibida). Em relação a estes dois últimos, a condenação já é definitiva. Vara foi condenado a dois anos de prisão efectiva em 2022, enquanto Perna foi obrigado a pagar uma multa de 1000 euros em 2021.

"Candura e ingenuidade"

No acórdão desta quinta-feira, as desembargadoras acusam o juiz Ivo Rosa de credulidade excessiva, ao descartar as suspeitas de que José Sócrates recebeu perto de seis milhões do Grupo Lena como pagamento pela sua intervenção no processo da concessão do primeiro troço da Alta Velocidade, entre o Poceirão e Caia: “Justifica a falta de indícios, relativamente à existência dos ditos pagamentos, nas declarações do arguido José Sócrates e na interpretação que o mesmo fez dos documentos relativos às viagens à Venezuela (...). Confessamos que estas ilações denotam uma certa ‘candura/ingenuidade’, pois é desde logo evidente que, tratando-se de actos ilícitos, os mesmos [actos] não vêm escritos em documentos.”

E dizem que o juiz devia ter apreciado as provas que lhe foram apresentadas pelo Ministério Público na globalidade, e não de forma segmentada. “Neste processo, essa exigência é ainda maior porque os meandros e os caminhos traçados pelos arguidos, na vertente da acusação, não são lineares, mas tortuosos, cheios de manobras de diversão”, escrevem as magistradas. Mesmo reconhecendo o seu empenho em efectuar uma análise exaustiva do material recolhido pelos procuradores encarregados da investigação, não deixam de o criticar também por ter exorbitado as suas funções: "Parece-nos que a certa altura se afastou do objectivo da instrução e realizou diligências típicas de um verdadeiro julgamento."

Detido na noite de 21 de Novembro de 2014 no aeroporto de Lisboa quando regressava de Paris, o antigo líder socialista ficou depois em prisão preventiva, na cadeia de Évora, até 4 de Setembro de 2015, altura em que regressou a casa em prisão domiciliária, vigiado pela PSP. Acabou por ser libertado a 16 de Outubro desse mesmo ano.

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