September 08, 2023

“A situação é pior” do que temia o Conselho de Escolas “porque há menos professores”

 


“A situação é pior” do que temia o Conselho de Escolas “porque há menos professores”


Presidente dos directores acredita que a falta de professores já está a levar algumas famílias a levarem os seus filhos para o ensino privado.

Samuel Silva (Texto) e Rui Gaudêncio (Fotos)

Há um quarto de século que António Castel-Branco, 63 anos, dirige escolas públicas.(...) Há um ano e meio que dirige o Conselho das Escolas (CdE), órgão consultivo do Ministério da Educação. Olha “com apreensão” para as condições em que vai arrancar o novo ano lectivo nas escolas públicas e aponta contradições à forma como a tutela concretizou a “vinculação dinâmica”.

Numa recomendação de Julho, o CdE, mostrava-se “preocupado” com a perspectiva de os estabelecimentos de ensino “não disporem das condições mínimas” para trabalhar no próximo ano lectivo. Com que condições arranca este ano lectivo?
Olho com alguma apreensão, para já. Neste momento falta preencher vários horários em diferentes escolas. Há Quadros de Zona Pedagógica que ficaram com muitas pessoas por colocar no âmbito da “vinculação dinâmica”. Há muitos professores que estavam contratados em Lisboa e Vale do Tejo e vincularam, por exemplo, no quadro da Guarda. Tenho colegas, no Norte e no Centro, que estão a colocar professores do quadro em horários incompletos, e nós aqui com falta de professores para horários completos.

Não foi equilibrado o balanço entre o local onde foram feitas as vinculações dinâmicas e o local onde os professores são necessários, é isso?
“A situação é pior” do que temia o Conselho de Escolas “porque há menos professores”. Já se previa isto, porque a maioria das vagas para a vinculação dinâmica abriram no Norte e Centro, mas as vagas para contratação são no Sul (Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve). Muitos professores do Norte têm família constituída e não estão sujeitos a vir para Lisboa, pagar muito dinheiro pela casa. Preferem candidatar-se a horários incompletos, que surgem mais tarde. Sabemos que cerca de 2000 professores que reuniam as condições, não concorreram à vinculação dinâmica precisamente para não terem que concorrer no próximo ano a nível nacional e afastar-se da residência.

Ou seja, a falta de professores com que as escolas, sobretudo as da Área Metropolitana de Lisboa, se deparam, foi agravada pela vinculação dinâmica?
Eu não sei se foi agravada ou se é uma questão conjuntural. O que salta à vista é que há professores a aguardar colocação no quadro no Norte do país, enquanto em Lisboa e Vale do Tejo (LVT) faltam professores.

A preocupação demonstrada pelo CdE em Julho parece embater numa realidade que, em Setembro, é ainda pior do que aquela que antecipavam. Estou a analisar bem?
A situação é pior porque há menos professores. Mas nós já antecipávamos a dificuldade. Neste momento, necessitamos primeiro de professores para garantir as aulas aos alunos.

Então, como avalia, neste momento, as condições que as escolas têm para funcionar?
Eu analiso com alguma preocupação, nomeadamente, em LVT e Algarve. Além da falta de professores, haverá dificuldade em cumprir os planos de inovação, planos de recuperação de aprendizagem.

O que o CdE pedia, no final do ano lectivo, era um reforço extraordinário dos docentes? Eles estariam disponíveis, atendendo a que faltam professores?
Pois, esse é um problema. Penso que em vários grupos de recrutamento ainda temos bastantes professores. Por exemplo, ainda existem professores do 1.º ciclo e esses são excelentes para fazer apoio de aprendizagens no 2.º ciclo. Não sei se haveria ou não professores, mas há professores com habilitação própria e continuamos a ter professores a concorrer.

Para dar aqui algum contexto ao cenário de que estamos a falar, quantos horários tem ainda por preencher na sua escola?
São 17 no total. Estão quatro em contratação de escola, dois horários completos e sete incompletos na reserva de recrutamento, mais cinco pedidos de substituição por doença.

Há um risco de as aulas começarem com algumas turmas sem professores colocados, portanto.
Presumo que, para a semana, ficarão a faltar seis ou sete professores. Este atraso é um bocadinho problemático, porque nós estamos a fazer reuniões de preparação do ano e isso provoca algum constrangimento. Mas em relação às aulas, não deve haver problemas de maior.

Só neste mês de Setembro, 387 professores deixaram as escolas. Desde o início do ano são mais de 2200. O cenário já era antecipado num estudo pedido pelo Ministério da Educação, apresentado em 2021. De então para cá, foi suficiente o que foi feito para dar resposta ao problema?
Esse cenário começou a ser previsto em 2014/15 ou 2016. No tempo da crise, cerca de metade dos professores contratados que estavam na escola foram embora. Até foram aconselhados a emigrar porque não havia lugar para eles. O efeito nefasto é que as universidades e as Escolas Superiores de Educação começaram a ficar sem candidatos e a fechar os cursos. Começámos logo a ver que, se isto não mudava, iriam faltar professores. Eu estou com receio de uma outra perversidade desta situação, que é os pais, que estão com medo da falta de professores, já estão a levar os seus filhos para o ensino particular. Isso dá uma imagem frágil da escola pública.

Um ano como o último, com os professores constantemente na rua, ajuda ou prejudica a sua imagem?
Quando juntamos outras profissões e outras carreiras ao protesto, estamos a fazer comparações que não são verdade. Eu assisti a pessoas a falar nas televisões e a dizer coisas que não são verdade. Portanto, isso prejudica. Mas, com algumas excepções, os professores fizeram as greves e manifestações pondo o mínimo de prejuízo nos seus alunos.

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