August 03, 2023

Leituras pela manhã - a proposta de Aristóteles para uma vida feliz




A ética de Aristóteles: o caminho para a felicidade



Edith Hall, Professora de Clássicos na Universidade de Durham


Aristóteles foi um dos dois grandes fundadores de toda a tradição filosófica ocidental. Foi ensinado por Platão - que foi realmente o fundador - absorveu tudo o que Platão lhe disse e depois desenvolveu-o de inúmeras formas fascinantes e subtis, também de formas que penso serem muito mais relevantes para o século XXI.

Foi o maior intelectual de todos os tempos porque se interessou tanto pelas ciências naturais como por aquilo a que chamamos humanidades e assuntos filosóficos, mas o que mais me interessa é o facto de ter fundado a ética. Esta é a investigação filosófica desenvolvida sobre a forma como nos devemos comportar e como o nosso comportamento afectará o nosso estado psicológico. Platão só pensava nisso do ponto de vista de cima para baixo, por isso inventou uma república ideal. O bem-estar e o comportamento efectivos dos cidadãos enquanto indivíduos são muito secundários em relação ao organismo total. Aristóteles fez o caminho inverso e começou com o ser humano, o indivíduo, e trabalhou para fora e para cima até chegar ao aspeto de toda a comunidade.


Uma filosofia moral

Para qualquer pessoa que embarque numa viagem pessoal rumo ao auto-conhecimento, à felicidade e à ética secular, é uma filosofia moral que o orienta em termos de como viver, mas sem qualquer elemento teológico. Sem regras divinas e sem religião: quem quiser isso não pode fazer melhor do que começar com a Ética a Nicómaco de Aristóteles, onde ele começa com o indivíduo humano. O que é que se passa na mente desse ser humano e como é que ele pode viver a melhor vida possível, tendo em conta as cartas que lhe foram dadas à nascença?

Os seres humanos são animais

Ele pensa que os humanos são animais. De facto, ele é uma das primeiras pessoas a sugerir que não somos uma raça especial, uma super-raça, inventada pelos deuses. Ele acha que temos muito em comum com toda a fauna do planeta, mas que temos algo que eles não têm, que é o princípio racional: podemos pensar de forma abstrata e racional para planear as nossas vidas, deliberar e tomar decisões. Mas nunca devemos esquecer que somos animais, porque só seremos capazes de nos tornar agentes morais plenamente desenvolvidos se reconhecermos que estamos baseados em necessidades, instintos e desejos biológicos. Se negarmos que somos animais ou tentarmos reprimir o animal que há em nós, então nunca conseguiremos desenvolver-nos corretamente.

Reexaminar as nossas crenças comuns

Aristóteles acreditava realmente que os seres humanos, como um coletivo ao longo da história, são bastante sensatos. Ele costumava partir do que era commumente aceite sobre as coisas, o quem o nome de endoxa: opiniões geralmente recebidas. Por isso, começava por elas em qualquer questão específica, quer se tratasse de "Devemos encorajar a aquisição de grande riqueza numa sociedade?" ou "Devemos abster-nos de cometer adultério?" Começamos por estas questões éticas e dizemos o que é genuíno acerca do que se diz delas e tratamos essas ideias com respeito, examinamo-las, rejeitamo-las se não resistirem ao escrutínio - se, por exemplo, se basearem na superstição e não na ciência. Rejeitamos algumas, modificamos outras.

Aristóteles pensa que nós, como raça humana, deveríamos estar continuamente a reexaminar as nossas endoxa, as nossas crenças e opiniões comuns e a usar esta parte deliberativa e racional do nosso cérebro para as melhorar e aproximá-las da perfeição. Mas ele avisa que isso é um processo; é uma filosofia de ação, uma ética sempre em desenvolvimento. É uma actividade, não um estado de tranquilidade, ataraxia, à maneira dos epicuristas.

A filosofia adequada reside na atividade intelectual constante e Aristóteles pensa que essa é a mais elevada de todas as capacidades que os seres humanos têm. Quando utilizamos as nossas capacidades intelectuais para pensar em como viver melhor em termos éticos, ou melhor numa comunidade ou melhor no ambiente, estamos a ser o melhor ser humano possível e isso é felicidade humana. Quando estamos ativamente a fazer excelência humana, durante esses momentos, somos felizes.

O foco de Aristóteles na função

Uma coisa que une todas estas realizações em diferentes disciplinas, como agora lhes chamamos, é o facto de Aristóteles estar sempre interessado na função de qualquer coisa, quer se trate de um animal, de uma instituição cívica, de um teatro ou de um quadro. É a função e não aquilo a que Platão chamou Forma ideal. Platão pensava que tínhamos de procurar as essências cristalizadas das coisas [a sua verdade], não aquilo para que serviam e Aristóteles está sempre a querer descobrir qual é a função de algo: o que é suposto fazer, ou o que é suposto ele ou ela fazer? Como é que podemos criar um mundo em que eles sejam capazes de o fazer da melhor forma possível?

Cada um de nós e todos os seres vivos, vegetais ou animais e mesmo todos os objectos inanimados - um templo ou uma cadeira - têm uma função, algo para que foram concebidos. Só quando é posto em ação para o fazer é que atinge o seu verdadeiro potencial. Por isso, o objetivo que se pretende alcançar, ou o ponto alto ou o auge, o pináculo do florescimento de qualquer coisa, é a verdadeira consumação do que ela pode fazer, quando as suas verdadeiras capacidades e aptidões são plenamente realizadas. Esse objetivo é o seu telos.

Um telos plenamente formado

Tudo no mundo tem um telos que é uma forma totalmente realizada, acabada, final e perfeita. Assim, uma bolota começa por ser uma bolota, mas é quando se torna no seu carvalho mais maduro, adulto e glorioso que atinge o seu telos. Isto está muito ligado à ideia da potencialidade que todas as coisas têm. Pensemos então na bolota. O seu telos é tornar-se num magnífico carvalho totalmente maduro. É por isso que a filosofia de Aristóteles é chamada «teleológica»; essa bolota tem dentro de si o potencial, codificado, de que, com o tempo, irá mudar.

E Aristóteles está absolutamente certo de que tudo está em constante mudança. Essa bolota tem o potencial e isso é o seu dunamis. É essa a palavra que dá origem à dinamite. Infelizmente, Nobel decidiu chamar algo muito destrutivo com o nome do grego antigo quando, de facto, é incrivelmente construtivo. Assim, um pequeno bebé, um recém-nascido, tem o dunamis para se tornar um adulto totalmente formado, magnífico e maduro, realizando o talento com que tenha nascido, da melhor forma possível, se recebeu uma boa educação, uma formação e cuidados adequados.

Ora, isto é muito importante para toda a sua análise do mundo natural. Todos os animais começam como algo, crescem até à sua perfeição teleológica e, antes de definharem, certificam-se de que se reproduzem, de modo a que haja um ciclo permanente de membros individuais de qualquer espécie que se reproduzem e depois se desenvolvem teleologicamente até à maturidade. No que diz respeito aos seres humanos, porém, ele é muito claro.

O melhor guia para aquilo em que se é bom

Este tem sido um grande e importante princípio orientador para mim, na minha ética pessoal e no meu modo de parentalidade. É que, é muito fácil impedir um bebé de atingir todo o seu potencial. É muito fácil não lhe dar o tipo certo de atenção, não o acariciar, não lhe ensinar o alfabeto, não lhe dar uma alimentação nutritiva, não tentar descobrir qual é o verdadeiro telos desse bebé. Esse bebé podia vir a ser ser um cozinheiro magnífico, um grande filósofo, óptimo jardineiro, um excelente pai ou mãe e mais um sem fim de talentos humanos.

No entanto, Aristóteles está bem ciente de que a pobreza impede o desenvolvimento desse talento em vastas faixas da população humana, juntamente com a crueldade ou a negligência. A crueldade ou a negligência para com as crianças são enormes impedimentos para que cada indivíduo alcance o seu verdadeiro telos. Por isso, como alguém que esteve no sector da educação toda a vida e que é mãe, fiz questão de tentar descobrir e ajudar os jovens a decidir ou identificar - mais identificar - o que realmente gostam de fazer. Porque Aristóteles é muito claro quando diz que aquilo que realmente gostamos de fazer é o melhor guia para sabermos aquilo em que somos bons.

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