As Falhas Morais do Homem Associal
JUDITH N. SHKLARUniversidade de Harvard
(excerto - as duas primeiras páginas)
Hegel via o pensamento moral como uma busca pela auto-compreensão empreendida por homens que sabem que estão relacionados uns com os outros, mas que ainda não reconhecem totalmente a natureza e os propósitos dos laços entre os seus diversos "eus".
Ele deixou claro desde o início que os fins dessa busca só podem ser alcançados na polis de um povo livre, eticamente auto-confiante.
A antiga Atenas é a nossa única intuição e imagem de um tal mundo e mesmo essa foi mais um feliz acidente que uma conquista consciente de homens moralmente maduros. Comparadas à polis ética, todas as outras visões de vida moral são muito inadequadas. Todas terminam em fracasso desastroso.
Entre esses vários esforços morais equivocados, Hegel escolheu, para uma revisão crítica especial, aqueles que surgiram do subjectivismo. O seu inventário foi abrangente. Nenhuma forma de individualismo moral e político escapou ao seu olhar desdenhoso.
As páginas da Fenomenologia dedicadas às morais orientadas para o ‘eu’ apresentam ao leitor uma galeria de desastres morais personificados. Isso é inevitável dada a convicção de Hegel de que "a razão ainda não atingiu" ou teve que "abandonar a condição feliz" de saber que a virtude consiste em viver de acordo com os costumes de seu próprio povo e em liberdade (Baillie, 1949: 378; Hoffmeister, 1952: 258-259).1
Embora tenha encontrado muito para desprezar em todas as formas de subjectivismo, Hegel fez uma clara distinção entre as suas expressões racionais e irracionais.
A moralidade kantiana era claramente diferente, em natureza e em status filosófico, de formas menos racionais de individualismo. As perspectivas de Kant eram historicamente necessárias: expressavam o espírito da Europa moderna. Além disso, eram um verdadeiro relato da natureza da consciência.
Dificilmente se poderia dizer o mesmo das expressões mais desviadas da individualidade. Egoísmo, sentimentalismo, devaneios utópicos, egoísmo romântico - todos esses eram apenas ideologias de dissociação que careciam tanto do valor cultural quanto do valor filosófico da racionalidade kantiana.
Embora Hegel tenha prestado considerável atenção às respostas irracionais que deram a Kant e por vezes até o tenha culpado delas, não confundiu Kant com os seus indignos descendentes. O hedonismo, a lei do coração, a virtude republicana, o egoísmo fichtiano e a ironia romântica eram irracionais de uma maneira que Kant claramente não o era. E Hegel tratou-os com excepcional severidade.
A primeira e mais primitiva figura do isolamento moral é o hedonista que busca apenas o "prazer privado e particular". Ele aparece tipicamente quando os laços sociais estão no seu ponto mais fraco.
Os cirenaicos na Antiga Grécia e os epicuristas romanos foram os primeiros porta-vozes filosóficos dessa atitude, enquanto a filosofia inglesa desde Bacon ensinou a mesma doutrina que é, de facto, a aplicação moral do empirismo. A bondade e a maldade são identificadas com as sensações de prazer e dor, assim como todo o conhecimento é uma questão de experiência sensorial.
No entanto, não são esses filósofos que Hegel recorda inicialmente. Ele começa com uma personagem muito mais impressionante, o Fausto de Goethe que, rejeitando a ciência e a razão, mergulha directamente na vida para encontrar ali a sua felicidade. Como todo o conhecimento puro dos sentidos é uma espécie de "agarrar" objetos, o hedonismo guloso de Fausto é semelhante.
Ele quer aproveitar a vida como se fosse uma maçã a ser desfrutada, mas os leitores de Hegel sabem e são levados a lembrar de imediato que a busca de Fausto termina em crime e desespero.
Certamente, o buscador de prazeres não deseja consumir outras pessoas, embora as veja apenas como fontes de prazer para si mesmo. Ele quer que elas também encontrem prazer nele. No entanto, ele não espera perder qualquer independência nessa troca de prazeres.
Fausto não sabe que, quando seduz uma rapariga inocente, ela ou ele experimenta outra coisa muito diferente da felicidade. Em vez disso, as circunstâncias levam-na a matar, primeiro a sua mãe e depois o seu filho indesejado. Quando ela vai parar à prisão, como uma assassina condenada, Fausto descobre que não é indiferente ao destino dela. Ele sofre com ela sem poder salvá-la e aprende que as consequências de sua conduta não derivam propriamente das suas ações.
Ele procurou apenas prazer pessoal, mas encontrou uma dependência mútua, um "nós" e não dois "uns" que se divertiam um com o outro. Ao encontrar o seu prazer, ele perdeu-se a si mesmo.
A liberdade dissociada, do buscador de prazeres é destruída pelo reconhecimento da verdadeira natureza da associação humana. Ele não está sozinho: outras pessoas, por mais amáveis e ignorantes que sejam, não são apenas objetos. Mesmo os relacionamentos de prazer criam uma unidade, uma sociedade, que é uma nova situação trans-individual para cada pessoa envolvida.
A mera existência de outras pessoas, portanto, coloca o buscador de prazeres diante da necessidade de uma condição compartilhada e geral, embora a liberdade isolada e o prazer individual fossem os seus únicos objetivos. Isso é apenas uma das maneiras em que o hedonismo falha. Ao conceber-se a si mesmo como um objeto, como parte da ordem natural, ele está sujeito às necessidades da vida natural. No final da vida natural de qualquer organismo que não outro tenha propósito além de sua parte na ordem natural, está a morte e a extinção. É por isso que aquele que tira a vida, na verdade, tira a sua própria vida, comete suicídio.
A mera vida é morrer (Baillíe, 1949: 388; Hoffmeíster, 1952: 265). Ao conceber-se como um átomo, sem relação com outros seres humanos e como uma parte da natureza e não da humanidade, com fins humanos, sociais e espirituais específicos, o buscador de prazer perdeu tudo o que poderia tê-lo separado do ciclo natural da vida como morte.
Ele interpreta mal a sua individualidade ao pensar em si próprio como um ser sem objectivo, que sente prazer e dor por si próprio e que, como tal, faz parte de um mundo natural que se tornou para ele bastante incompreensível. É agora um reino obscuro do destino e da necessidade bruta. A sua própria vida torna-se para si um enigma.
Tinha procurado avidamente a vida e encontrou a morte. Tinha procurado a liberdade sozinho e por si próprio e descobriu que estava tão sujeito à necessidade como uma planta. A natureza, enquanto dor e prazer, é um soberano implacável.
Hegel via o pensamento moral como uma busca pela auto-compreensão empreendida por homens que sabem que estão relacionados uns com os outros, mas que ainda não reconhecem totalmente a natureza e os propósitos dos laços entre os seus diversos "eus".
Ele deixou claro desde o início que os fins dessa busca só podem ser alcançados na polis de um povo livre, eticamente auto-confiante.
A antiga Atenas é a nossa única intuição e imagem de um tal mundo e mesmo essa foi mais um feliz acidente que uma conquista consciente de homens moralmente maduros. Comparadas à polis ética, todas as outras visões de vida moral são muito inadequadas. Todas terminam em fracasso desastroso.
Entre esses vários esforços morais equivocados, Hegel escolheu, para uma revisão crítica especial, aqueles que surgiram do subjectivismo. O seu inventário foi abrangente. Nenhuma forma de individualismo moral e político escapou ao seu olhar desdenhoso.
As páginas da Fenomenologia dedicadas às morais orientadas para o ‘eu’ apresentam ao leitor uma galeria de desastres morais personificados. Isso é inevitável dada a convicção de Hegel de que "a razão ainda não atingiu" ou teve que "abandonar a condição feliz" de saber que a virtude consiste em viver de acordo com os costumes de seu próprio povo e em liberdade (Baillie, 1949: 378; Hoffmeister, 1952: 258-259).1
Embora tenha encontrado muito para desprezar em todas as formas de subjectivismo, Hegel fez uma clara distinção entre as suas expressões racionais e irracionais.
A moralidade kantiana era claramente diferente, em natureza e em status filosófico, de formas menos racionais de individualismo. As perspectivas de Kant eram historicamente necessárias: expressavam o espírito da Europa moderna. Além disso, eram um verdadeiro relato da natureza da consciência.
Dificilmente se poderia dizer o mesmo das expressões mais desviadas da individualidade. Egoísmo, sentimentalismo, devaneios utópicos, egoísmo romântico - todos esses eram apenas ideologias de dissociação que careciam tanto do valor cultural quanto do valor filosófico da racionalidade kantiana.
Embora Hegel tenha prestado considerável atenção às respostas irracionais que deram a Kant e por vezes até o tenha culpado delas, não confundiu Kant com os seus indignos descendentes. O hedonismo, a lei do coração, a virtude republicana, o egoísmo fichtiano e a ironia romântica eram irracionais de uma maneira que Kant claramente não o era. E Hegel tratou-os com excepcional severidade.
A primeira e mais primitiva figura do isolamento moral é o hedonista que busca apenas o "prazer privado e particular". Ele aparece tipicamente quando os laços sociais estão no seu ponto mais fraco.
Os cirenaicos na Antiga Grécia e os epicuristas romanos foram os primeiros porta-vozes filosóficos dessa atitude, enquanto a filosofia inglesa desde Bacon ensinou a mesma doutrina que é, de facto, a aplicação moral do empirismo. A bondade e a maldade são identificadas com as sensações de prazer e dor, assim como todo o conhecimento é uma questão de experiência sensorial.
No entanto, não são esses filósofos que Hegel recorda inicialmente. Ele começa com uma personagem muito mais impressionante, o Fausto de Goethe que, rejeitando a ciência e a razão, mergulha directamente na vida para encontrar ali a sua felicidade. Como todo o conhecimento puro dos sentidos é uma espécie de "agarrar" objetos, o hedonismo guloso de Fausto é semelhante.
Ele quer aproveitar a vida como se fosse uma maçã a ser desfrutada, mas os leitores de Hegel sabem e são levados a lembrar de imediato que a busca de Fausto termina em crime e desespero.
Certamente, o buscador de prazeres não deseja consumir outras pessoas, embora as veja apenas como fontes de prazer para si mesmo. Ele quer que elas também encontrem prazer nele. No entanto, ele não espera perder qualquer independência nessa troca de prazeres.
Fausto não sabe que, quando seduz uma rapariga inocente, ela ou ele experimenta outra coisa muito diferente da felicidade. Em vez disso, as circunstâncias levam-na a matar, primeiro a sua mãe e depois o seu filho indesejado. Quando ela vai parar à prisão, como uma assassina condenada, Fausto descobre que não é indiferente ao destino dela. Ele sofre com ela sem poder salvá-la e aprende que as consequências de sua conduta não derivam propriamente das suas ações.
Ele procurou apenas prazer pessoal, mas encontrou uma dependência mútua, um "nós" e não dois "uns" que se divertiam um com o outro. Ao encontrar o seu prazer, ele perdeu-se a si mesmo.
A liberdade dissociada, do buscador de prazeres é destruída pelo reconhecimento da verdadeira natureza da associação humana. Ele não está sozinho: outras pessoas, por mais amáveis e ignorantes que sejam, não são apenas objetos. Mesmo os relacionamentos de prazer criam uma unidade, uma sociedade, que é uma nova situação trans-individual para cada pessoa envolvida.
A mera existência de outras pessoas, portanto, coloca o buscador de prazeres diante da necessidade de uma condição compartilhada e geral, embora a liberdade isolada e o prazer individual fossem os seus únicos objetivos. Isso é apenas uma das maneiras em que o hedonismo falha. Ao conceber-se a si mesmo como um objeto, como parte da ordem natural, ele está sujeito às necessidades da vida natural. No final da vida natural de qualquer organismo que não outro tenha propósito além de sua parte na ordem natural, está a morte e a extinção. É por isso que aquele que tira a vida, na verdade, tira a sua própria vida, comete suicídio.
A mera vida é morrer (Baillíe, 1949: 388; Hoffmeíster, 1952: 265). Ao conceber-se como um átomo, sem relação com outros seres humanos e como uma parte da natureza e não da humanidade, com fins humanos, sociais e espirituais específicos, o buscador de prazer perdeu tudo o que poderia tê-lo separado do ciclo natural da vida como morte.
Ele interpreta mal a sua individualidade ao pensar em si próprio como um ser sem objectivo, que sente prazer e dor por si próprio e que, como tal, faz parte de um mundo natural que se tornou para ele bastante incompreensível. É agora um reino obscuro do destino e da necessidade bruta. A sua própria vida torna-se para si um enigma.
Tinha procurado avidamente a vida e encontrou a morte. Tinha procurado a liberdade sozinho e por si próprio e descobriu que estava tão sujeito à necessidade como uma planta. A natureza, enquanto dor e prazer, é um soberano implacável.
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