Governo foge às suas responsabilidades sociais
Como pretende o Governo salvaguardar a independência científica das universidades e dos politécnicos, já que, legitimamente, os investidores quererão ter retorno do seu aporte financeiro?
Santana Castilho
Depois do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior ter instituído a passagem das universidades a fundações públicas de direito privado, o Governo vem agora reforçar o processo de mercantilização do Ensino Superior público, querendo alterar o respectivo modelo de financiamento. Criou para tal a figura dos contratos-programa de desenvolvimento e pretende que fundos regionais, sob gestão das regiões autónomas e das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), bem assim como instituições privadas, passem a pagar parte substancial dos custos de funcionamento das universidades e dos politécnicos.
Sob o proclamatório propósito de o novo modelo vir a “fortalecer o papel das instituições de ensino superior no desenvolvimento dos territórios onde se encontram inseridas”, esconde-se, afinal, a intenção de desresponsabilizar o Estado, uma vez mais, da obrigação de financiar o ensino superior. Com efeito, o que a proposta prevê é que, do valor dos “inovadores” contratos-programa, o Governo só pague um terço, cabendo os outros dois terços a instituições privadas ou não governamentais.
É neste quadro que se impõe a pergunta crítica: como pretende o Governo salvaguardar a independência científica das universidades e dos politécnicos, já que, legitimamente, os investidores quererão ter retorno do seu aporte financeiro? A resposta é óbvia: não pretende, nem se preocupa com essa questão. Mas as consequências também são óbvias: são os interesses privados que, crescentemente, irão influenciar o que se investiga nas instituições e irão pressionar para que o esforço de ensino se concentre nas áreas e nos cursos que mais interessam às suas actividades. Assim, o financiamento das infraestruturas científicas ficará cada vez mais subjugado por exigências de aplicação e de utilidade, como se fosse possível aplicar um conhecimento antes de o produzir. Esta política acabará por matar a ciência.
O Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) e o Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP) não parecem apoiar a medida em análise. Mas os argumentos que aduzem tão-pouco denotam particular preocupação com a perda da independência científica das suas instituições. Talvez porque, de há tempo, já começaram a trilhar esse caminho. Tudo visto, o meu prognóstico para o resultado das negociações que se seguem é fortemente reservado.
Cada vez mais a educação escolar foge do conhecimento universal, do conhecimento civilizacionalmente elaborado ao longo dos tempos, que vale por si mesmo. Paulatinamente, a universidade, instituição por natureza produtora de conhecimento, abstracto ou aplicado, vem-se afastando da erudição, fonte de cultura, para se entregar ao utilitário, gerador de ganhos económicos imediatos. Progressivamente, a universidade vai ficando submersa por aquilo a que Zygmunt Bauman chamou de modernidade líquida: uma época em que as relações económicas suplantaram as humanas e os dinamismos sociais e económicos “escorrem” como os líquidos, por oposição à época anterior, a da modernidade sólida, onde os fenómenos se estabeleciam de modo mais duradouro e a moral nos protegia do consumismo desenfreado e da obsessiva preocupação com o lucro material dos interesses particulares.
A mesma tendência é facilmente identificável nas reformas curriculares em curso no ensino básico e secundário, onde o valor intrínseco do estudo das humanidades, designadamente da Filosofia, da História e da Literatura, foi substituído pelo valor instrumental e imediato de questões menores.
Se à ideia demagógica, segundo a qual o aluno é capaz de construir o seu próprio conhecimento mediante o desenvolvimento de “projectos” assentes em metodologias lúdicas e muita mediação digital, somarmos as “aprendizagens essenciais” (pouca Matemática, resquícios elementares de Português abastardado, pinceladas de ciências várias e línguas estrangeiras, tudo longe da exigência e do rigor da avaliação externa, para não “traumatizar” as crianças e os jovens), temos o actual quadro com que o Estado (não) responde ao direito à Educação, fixado no artigo 26º da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Depois do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior ter instituído a passagem das universidades a fundações públicas de direito privado, o Governo vem agora reforçar o processo de mercantilização do Ensino Superior público, querendo alterar o respectivo modelo de financiamento. Criou para tal a figura dos contratos-programa de desenvolvimento e pretende que fundos regionais, sob gestão das regiões autónomas e das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), bem assim como instituições privadas, passem a pagar parte substancial dos custos de funcionamento das universidades e dos politécnicos.
Sob o proclamatório propósito de o novo modelo vir a “fortalecer o papel das instituições de ensino superior no desenvolvimento dos territórios onde se encontram inseridas”, esconde-se, afinal, a intenção de desresponsabilizar o Estado, uma vez mais, da obrigação de financiar o ensino superior. Com efeito, o que a proposta prevê é que, do valor dos “inovadores” contratos-programa, o Governo só pague um terço, cabendo os outros dois terços a instituições privadas ou não governamentais.
É neste quadro que se impõe a pergunta crítica: como pretende o Governo salvaguardar a independência científica das universidades e dos politécnicos, já que, legitimamente, os investidores quererão ter retorno do seu aporte financeiro? A resposta é óbvia: não pretende, nem se preocupa com essa questão. Mas as consequências também são óbvias: são os interesses privados que, crescentemente, irão influenciar o que se investiga nas instituições e irão pressionar para que o esforço de ensino se concentre nas áreas e nos cursos que mais interessam às suas actividades. Assim, o financiamento das infraestruturas científicas ficará cada vez mais subjugado por exigências de aplicação e de utilidade, como se fosse possível aplicar um conhecimento antes de o produzir. Esta política acabará por matar a ciência.
O Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) e o Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP) não parecem apoiar a medida em análise. Mas os argumentos que aduzem tão-pouco denotam particular preocupação com a perda da independência científica das suas instituições. Talvez porque, de há tempo, já começaram a trilhar esse caminho. Tudo visto, o meu prognóstico para o resultado das negociações que se seguem é fortemente reservado.
Cada vez mais a educação escolar foge do conhecimento universal, do conhecimento civilizacionalmente elaborado ao longo dos tempos, que vale por si mesmo. Paulatinamente, a universidade, instituição por natureza produtora de conhecimento, abstracto ou aplicado, vem-se afastando da erudição, fonte de cultura, para se entregar ao utilitário, gerador de ganhos económicos imediatos. Progressivamente, a universidade vai ficando submersa por aquilo a que Zygmunt Bauman chamou de modernidade líquida: uma época em que as relações económicas suplantaram as humanas e os dinamismos sociais e económicos “escorrem” como os líquidos, por oposição à época anterior, a da modernidade sólida, onde os fenómenos se estabeleciam de modo mais duradouro e a moral nos protegia do consumismo desenfreado e da obsessiva preocupação com o lucro material dos interesses particulares.
A mesma tendência é facilmente identificável nas reformas curriculares em curso no ensino básico e secundário, onde o valor intrínseco do estudo das humanidades, designadamente da Filosofia, da História e da Literatura, foi substituído pelo valor instrumental e imediato de questões menores.
Se à ideia demagógica, segundo a qual o aluno é capaz de construir o seu próprio conhecimento mediante o desenvolvimento de “projectos” assentes em metodologias lúdicas e muita mediação digital, somarmos as “aprendizagens essenciais” (pouca Matemática, resquícios elementares de Português abastardado, pinceladas de ciências várias e línguas estrangeiras, tudo longe da exigência e do rigor da avaliação externa, para não “traumatizar” as crianças e os jovens), temos o actual quadro com que o Estado (não) responde ao direito à Educação, fixado no artigo 26º da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
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