July 30, 2023

Vinte hábitos de uma leitora

 


1. Viver com livros. Não só fisicamente, livros por todo o lado, mas internamente, com as personagens, as ideias, o estilo, as frases, as situações, as paisagens, os ambientes de muitos e muitos livros que vêm à cabeça nesta e naquela situação e noutra qualquer.

2. Escolher livros. Se são livros técnicos compro uma versão em papel -faço muitas anotações- e outra para o kindler para poder ir lendo se estou longe de casa. Em livros técnicos prefiro a última versão revista e anotada pelo autor. 

3. Clássicos, romances, auto-biografias e isso, prefiro a 1ª edição, se possível. Pelo menos uma edição cuidada com uma encadernação bonita, de preferência coerente com o conteúdo. Se tiver de desenhos e gravuras, melhor.

4. Não me importo de comprar uma edição em segunda mão que venha com anotações ou dedicatórias. Gosto de saber quem apreciou o livro e o que pensou. O próprio livro é uma personagem que tem uma história. Compro muitos livros de "abates" de bibliotecas públicas, sobretudo americanas. A maioria são livros históricos ou técnicos. Alguns são belíssimas edições e vêm com os carimbos a estragar imensas páginas. Cada vez que compro livros a uma biblioteca que tem livros em 'abate' sinto-me como se estivesse a salvar árvores da Amazónia. Compro-os por 2 ou 3 dólares, mais outros 2 de portes. Agora é mais difícil encontrar pechinchas por causa das tarifas alfandegárias, mas ainda se encontram. 

5. Se é para levar para a praia, quero a versão de bolso, maleável, senão prefiro um livro de capa dura. Se é uma obra muito grande prefiro a versão dividida em volumes transportáveis.

6. Às vezes compro um livro para ler um capítulo mas se é muito caro vou à livraria e leio-o ali mesmo. Já aconteceu querer ler um livro mas não querer dar dinheiro ao autor, enquanto vivo, e então, leio o livro todo em três ou quatro idas à livraria. Fiz isso com a tradução de Álvaro Cunhal do 'Rei Lear'. 

7. Detesto as edições que têm um texto em letra atómica num rectângulo compacto, sem parágrafos nem nada, para poupar meia dúzia de páginas, como fazia a Europa-América aos livros de bolso. Quem é que consegue ler aquilo? E para quê? Para estragar o prazer do livro? Agora já nem conseguia porque fico com a vista cansada.

8. Sempre dei livros como presente aos sobrinhos e a partir de certa idade, dou livros clássicos, sejam de aventura, romances históricos ou outros. Esses são os que ficam connosco, porque livros da actualidade, hão-de eles acabar por conhecer, de uma maneira ou de outra, mas os clássicos, se não os lêem em novos, não é depois em adultos que os vão ler. (foi por isso que andei aqui a ler, 'Guerra e Paz' para um amigo que gostava de ter lido muitos livros clássicos que não leu e agora não tem tempo para ler).

9. Ensina-se os filhos a gostar de ler, lendo. Tendo livros em casa e lendo. Lendo para eles em miúdos. Mais tarde, podem passar tempos sem ler, mas não perdem o gosto de ler, de aprender e de saber.

10. Como já li milhares de livros e tenho muita coisa para ler, reservo-me o direito de não ler um livro se não gosto do estilo ou do conteúdo. Hoje-em-dia é difícil encontrar um livro (falo de livros de ficção) em que mergulhe e esqueça tudo à volta. Aquela espécie de magia que os livros tinham quando era mais nova, tinha lido pouco e tudo era uma surpresa e uma novidade. Agora, ao fim de meia dúzia de páginas já antecipei o que aí vem, frases e tudo. Seguem todos os mesmos padrões com a mesma linguagem. (na maioria dos filme é igual)

11. Nunca comprei um livro que não tivesse intenção de ler, embora tenha imensos livros cá em casa que ainda não li, mas tenho intenção de ler. Não me incomoda ter muitos livros por ler. Lembram-me que há imensa coisa que não sei mas que está aqui perto e posso saber. Os japoneses têm um termo para este sentimento - agora não recordo. Se não são livros de filosofia, há um dia em que pego num e leio de uma ponta à outra. De maneira que há alturas em que leio um livro por dia e dou baixa às pilhas de livros por ler. Gosto de ter livros que quero ler mas ainda não li. 

12. Trato os dicionários como livros e não como listas telefónicas. Gosto de ler dicionários. A internet não tem bons dicionários de língua portuguesa. Faltam lá imensas palavras que leio e que uso e mesmo quando as tem, tem um único significado -o actual- e eliminaram todos os sentidos que a palavra tinha e ainda tem. Como se as palavras não tivesse uma história e fossem cristalizações absolutas. Sirvo-me muito de um dicionário da Porto Editora de uma edição dos anos 80 do outro século e se leio livros mais antigos vou aos dicionários antigos de Cândido de Figueiredo ou de Fonseca e Roquete que são do outro século anterior ao anterior. Não confio muito nos dicionários da internet.

13. Se passo por uma livraria com bom aspecto e, sobretudo, por uma alfarrabista, é difícil não entrar. Compro sempre qualquer coisa e às vezes, se não quero gastar mais dinheiro nesse dia, escondo um livro que quero atrás de outros para depois ir lá buscá-lo. Quando calha ir jantar ou ir a um espectáculo ali para os lados do Chiado com a minha irmã L., ela proíbe-me de entrar nos alfarrabistas porque depois esqueço-me de sair de lá.

14. Odeio as livrarias que vendem livros com capas de plástico coladas ou preços que não se conseguem tirar sem rasgar o livro. Acho que esses livreiros deviam ser encostados a uma parede e fuzilados.

15. Adoro encontrar um livro inesperado ou que procurava há muito tempo, numa livraria de livros usados.

16. Quando vou de férias o mais difícil é escolher os dois livros que vou levar porque me parece sempre que pode apetecer-me ler outro que fica em casa. Onde outras pessoas, às vezes, levam roupa a mais na mala porque não sabem o que lhes vai apetecer vestir, eu levo livros a mais.

17. Leio a fazer anotações. Sublinho frases e anoto o que vou pensando porque se o livro é bom é uma fonte imediata de inspiração e tiro dele imensas ideias.

18. Sou muito influenciada pela atmosfera dos livros. Quando reli o 'Guerra e Paz' fiquei curiosa com os trajes militares e de festa que Tolstói descreve em pormenor de maneira que depois comprei um livro sobre moda e vestuário civil e militar da Europa dessa época napoleónica e andei a investigar o tema. Depois (re)interessei-me pelo mobiliário estilo Império (já me tinha interessado quando estive em Bruxelas e fartei-me de andar lá nos antiquários a ver mobiliário), pelas danças, a música, etc.

19. Confio no gosto dos escritores e leitores que respeito e se me falam de um livro com entusiasmo, gosto e/ou admiração, vou lê-lo.

20. Nunca comprarei ou lerei um livro editado para não ofender sensibilidades.  Se os livros não ofendem, irritam ou incomodam ninguém, não valem a pena ser lidos. As pessoas que se ofendem com tudo e acham tudo uma falta de respeito e um atentado à sua autoridade são umas idiotas. Como dizia Northrop Frye, A principal função da educação é tornar a pessoa inadaptada à sociedade comum.


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