Pacheco Pereira escreve um artigo a propósito desta imagem do seu arquivo: no tempo-em-que-as-paredes-falavam-outra-lingua
Conclui assim:
Este mural foi feito por várias mãos e muito provavelmente não era “oficial” e é muito anterior ao recurso de agências de comunicação e outros “especialistas”. É, no verdadeiro sentido da palavra, espontâneo e ingénuo. Tem uma imagem principal, a de uma pomba (ou uma gaivota) transportando um ramo de oliveira, um misto da letra da canção de Paulo de Carvalho Somos livres, com a sua gaivota que “voava, voava” e do símbolo da paz, com origem num desenho de Picasso, e que fazia parte dos movimentos da paz pró-soviéticos. Há um segundo desenho mais pequeno com uma flor e dois corações unidos por uma seta, em que “eu” e o PPD estavam ligados por uma declaração de amor entre namorados. O símbolo do partido, as três setas, também lá estão e a palavra PPD é repetida nove vezes.
As inscrições são de vanglória, “o PPD vai ganhar”, há apelos ao voto, mas todas as outras são significativas. O voto no PPD era “contra a ditadura” e era um voto pela “liberdade”, e há quatro “vivas”: ao PPD, um muito apagado à JSD, ao “povo” e… à “social-democracia”. Há depois duas palavras, uma cortada e outra “infantil”, que não se percebem porque a fotografia não mostra o muro todo. Não é impossível, pelo tipo de algumas letras, que crianças tivessem participado na pichagem, mas também pode ser que o mural ocupe uma parede em que já havia outra inscrição. Não é muito importante.
Querem perceber o sentido completo da frase de L. P. Hartley sobre o “passado como país estrangeiro”? Aqui está.
Esta imagem de uma parede que uma ou várias pessoas se deram ao trabalho de escrever, de apoio ao PPD fala connosco e diz-nos algo muito importante daquela época, que será a época entre 1974-76, quando o PSD tinha o nome de PPD. Os anos entre 1974 e 1976 são os anos imediatamente a seguir ao 25 de Abril que incluem o PREC.
Ao contrário do que a narrativa dominante faz crer, ou seja, que o 25 de Abril foi a completa liberdade, que todos andavam felizes, que todos mastigavam cravos, enfim, que a realidade era radiosa, esta parede é um facto indesmentível, contrário à narrativa. Nela o PPD, à época uma força política do centro, é equiparado à liberdade, à paz, ao interesse do povo e à luta contra a ditadura.
O que esta parede nos diz é que muitos viam e sentiam a tentativa de ditadura e de opressão a dominar o país e muitos viam o PPD como uma esperança de sair dessa ditadura que impunham as forças do PCP e suas irmãs extremistas. A imagem desta parede é uma brecha na ditadura da narrativa de contos de fada que se ensina às crianças de que o 25 de Abril foi a revolução radiosa da total liberdade e que o PCP foi o arauto das liberdades e da defesa do povo. E esta parede escrita, agora parece pouca coisa, mas na época, era preciso ter coragem para escrever isto na parede porque os piquetes do apparatchik controlavam quem desafiava a narrativa da foice e do martelo que oprimiam todas as paredes.
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