Ouvi há dias o ministro da Economia e do Mar, António Costa Silva, descrever Portugal e Espanha como dois países "siameses". A frase caiu bem junto da audiência - os convidados da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Espanhola (...)
Um extraordinário livro lançado no ano passado pelo historiador João Paulo Oliveira e Costa, com o título Portugal na História - Uma Identidade, tem-me feito pensar muito na relação com Espanha. Como todos os portugueses, aprendi na escola a luta simultânea de D. Afonso Henriques para afirmar a sua independência de Leão e conquistar territórios aos mouros, a vitória em Aljubarrota contra os castelhanos, a Guerra da Restauração que nos livrou dos Filipes, ou a Guerra das Laranjas.
Mas João Paulo Oliveira e Costa afirma que, apesar de vários conflitos ao longo dos séculos, não há notícia de ter havido massacres de civis nas guerras entre Portugal e Leão, Castela e depois Espanha. E quando numa entrevista, na altura do lançamento, lhe perguntei se tal tem que ver com proximidade cultural, línguas próximas e religião idêntica, a resposta foi. "Talvez, mas é uma explicação insuficiente. Quando visitei a Escócia fiquei muito impressionado com o modo cruel como escoceses e ingleses se bateram séculos a fio, com carnificinas de parte a parte, que ainda são recordadas, e algumas celebradas. Nas demais partes da Europa, vizinhos carregados de semelhanças mataram-se violentamente até ao século XX, mesmo em guerras internas, como as que devastaram a Itália, nos séculos XV e XVI. Talvez a fronteira luso-espanhola tenha suscitado um relacionamento diferenciado pelo facto, referido atrás, de não haver reivindicações territoriais. A linha divisória cristalizou cedo e Castela e a Espanha, apesar das suas ambições hegemónicas, respeitaram-na e, aliás, mantiveram-na em paz na maior parte do tempo."
Tendo em conta que não há guerras entre portugueses e espanhóis há dois séculos - informação que deixa surpreendido qualquer francês e alemão ou qualquer polaco e russo ou qualquer sérvio e croata - talvez seja injusto o dito que afirma que "De Espanha nem bom vento, nem bom casamento".
Ldonídio Paulo Ferreira, dn.pt
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Percebo que o ministro diga estas coisas de circunstância em almoços de amizade com os 'hermanos' para promover vendas, mas 'Siameses' é mais que 'hermanos'. Siameses são gémeos com o mesmo ADN. Portugal e Espanha não têm o mesmo ADN.
Os espanhóis são um povo mediterrânico, nós somos um povo atlântico - nem sequer falamos a mesma língua. Desde muito cedo falámos logo outra língua; os espanhóis são um povo bélico, nós somos um povo comerciante; os espanhóis são um povo dramático, nós somos um povo nostálgico; os espanhóis são um povo que se auto-enaltece, nós somos um povo que passa o tempo a dizer mal de si mesmo; os espanhóis são um povo virado para dentro e fechados aos outros e nós somos um povo aberto e virado para fora; Espanha é um país com dois séculos de existência, nós com quase 900; os espanhóis são um povo dividido (aliás o termo 'espanhóis' é polémico, o que há são catalães, aragoneses, etc.), nós somos todos portugueses; os espanhóis são egocêntricos, nós somos ego-descêntricos. Temos características muito diferentes. Somos muito diferentes. Como é que alguém pode dizer que somos siameses só porque ocupamos a mesma península?
E não há reivindicações territoriais? Só se fala dos últimos tempos (apesar de Olivença ser nossa e os espanhóis não a devolverem), porque temos uma história de nos defendermos das reivindicações e invasões espanholas. Os espanhóis nunca pararam de reivindicar o nosso país.
Nós portugueses é que nunca tivemos reivindicações territoriais em relação a Espanha. Mesmo na Guerra Peninsular, quando o Conde de Amarante entra em Madrid, com as tropas regulares, ao lado de Wellington e fica depois no comando de Madrid, quando os aliados saem, nunca lhe passou pela cabeça reivindicar Madrid ou alguma parte de Espanha. Aliás, pouco tempo depois chateou-se, deixou Madrid entregue aos espanhóis e foi lutar contra os franceses na Batalha dos Pirinéus. Portanto, nós aqui é que sempre fomos mais: epá, desapareçam daqui e deixem-nos em paz. Fiquem na vossa terra. Mas eles não.
Um alemão ou um francês ou um russo ficam espantados de não termos guerras há dois séculos porque alguns desses, há dois séculos ainda nem existiam como país... mas nós estamos aqui há 900 anos, de maneira que 200 anos, não é assim tanto tempo. São mais os outros 700 em que andámos em guerra a defender-nos das pretensões espanholas.
Todos sabemos que há um movimento em Espanha que defende a apropriação de Portugal para glória das Espanhas se estender pelo Atlântico afora. Imagine-se o poder... Há um par de anos o segundo livro mais vendido em Espanha era sobre essa questão.
E não percebo o que se quer dizer com não ter havido nunca massacres ou carnificinas entre portugueses e espanhóis, mas no fica no ar a ideia que somos... não sei... povos especiais... ? Ideias muito perigosas.
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