July 05, 2023

Artigos de desinformação em jornais nacionais

 


Deve ser bom viver no mundo do simplex: há os bons e os maus, os negros e os brancos, os puros e os impuros, os fascistas e os anti-fascistas, os racistas e os anti-racistas. 

Leio isto e parece que estou a ouvir os alunos do 10º ano quando chegam às aulas de filosofia. Há um par de anos, no início do ano letivo, estávamos a contextualizar o nascimento da filosofia ocidental na Grécia Antiga (ajuda a perceber o que é e qual o seu propósito) quando uma aluna intervém: 'oh, professora, mas não é verdade que esses filósofos antigos eram todos machistas e homofóbicos? Porque interessam ainda?' Respondi-lhe, 'Bem, Platão era gay e foi amante de Sócrates (e de outros). Sócrates era bi-sexual. Foi amante de muitos dos seus discípulos mas era casado e tinha dois filhos. Segundo consta, era vítima de violência doméstica por parte de Xantipa, a sua mulher, que não gostava que ele passasse o tempo no Ágora a discutir filosofia em vez de sustentar os filhos. Já Aristoteles era muito machista, sim. Não sei se isto responde à sua questão. Já agora, quantos de vocês têm pais e tios machistas, homofóbicos, etc.? Vão deitá-los para o caixote do lixo dos que não interessam?'

Esta jornalista faz lembrar estes alunos. Quem a leia desprevenido ficará a pensar que o problema da violência são os polícias racistas e que, se se deitarem fora esses e forem buscar uns polícias não-racistas fica tudo resolvido. (o ME também. pensa que se substituirem os professores actuais por outros que vejam a sua Verdade absoluta, fica tudo resolvido).

Vejamos: em primeiro lugar, quando se diz, 'um consórcio de jornalistas', gostava de saber quem são porque às tantas podem ser do género desta jornalista. É que, enfiaram no mesmo saco racismo, xenofobia, apelos à violação de mulheres e simpatia pelo Chega, parece-me logo uma coisa pouco profissional e dogmática, porque não me parece credível que ser simpatizante do Chega transforme as pessoas em racistas e violadores - como se não houvesse, em todos os partidos políticos ou classes profissionais, pessoas racistas, misóginas e violadores. Portanto, a partir daqui, desconfio logo da seriedade desta investigação.

A única afirmação razoável de todo o texto desta jornalista é a que defende que Nada impede o Ministério Público de fazer uma investigação como fizeram os jornalistas do consórcio. Se o MP entende que a investigação é séria, apesar de ter obtido provas por meios ilegais (gravação de imagens...?) deve fazê-la e levar o assunto às últimas consequências. O que difere muito do que esta jornalista promove, pois logo a seguir a esta afirmação, a jornalista conclui, sem aduzir nenhuma razão ou fundamento:  

todos temos o conhecimento de que existe um enorme problema nas polícias. Nem era preciso que fizessem a investigação jornalística. Estamos cientes da infiltração do partido de extrema-direita junto destes operacionais e do crescente racismo e xenofobia. É claro que uma coisa leva à outra e que a adesão ao Chega costuma levar a comportamentos racistas.
Estas afirmações falaciosas e não fundadas são um incentivo ao ódio à polícia e aos simpatizantes do Chega, muito idênticas às que se vêem nas redes sociais. Não, nem todos pretendemos ter conhecimento de coisas que ignoramos e sim, é preciso investigação antes de se queimar uma classe inteira de profissionais na praça púbica.

Fui pesquisar à Pordata quantos polícias existem no país: cerca de 43 mil em 2021. Inclui polícias e outros organismos de apoio à investigação (PJ, PSP, GNR ou SEF).
Ora, segundo a tal investigação do consórcio, os polícias que têm comportamentos notoriamente racistas, misóginos, enfim, de violência, são cerca de 600. Sendo certo que só um já seria demais, não podemos, no entanto, olhar para o problema em termos absolutos. 600 polícias em 43,000 são 1.4%. Portanto, não se pode concluir que "existe um enorme problema nas polícias". Não me parece irrazoável supor que em todos os grupos profissionais haja 1.4%, ou mais, de pessoas racistas, misóginas, etc.

Mais: parece-me contra-producente darem-se estas notícias nestes termos que incentivam ao ódio e à desconfiança de toda a polícia. Certamente que os 42,400 polícias que não são racistas nem se revêm nestes comportamentos de racismo e violência dos colegas, ficam revoltados por estes jornalistas incendiários amanuenses de partidos políticos os queimarem, sem escrúpulos, na praça pública. 

A delinquência e violência estão a aumentar no país e quem lida com isso são estas pessoas (nós professores também), de maneira que esta notícias de polícias individuais que foram racistas ou violentos, devem ser públicas, claro, e investigadas, mas dispensam-se estes artigos demagogos e de incentivo ao ódio que não ajudam a revolver os problemas nem a fortalecer a democracia, pelo contrário. 

É tal qual o que faz o ME que foi a uma manifestação qualquer com um colega de governo e alguém empurrou o carro e agora diz que tem de andar com guarda-costas porque causa da violência de professores. Esta demagogia e incentivo ao ódio revolta muito e não ajuda a resolver os problemas nem a fortalecer a democracia, pelo contrário. 

Fui ver quantos polícias há em França para ter um termo de comparação: cerca de 146 mil, numa população de quase 68 milhões. Daqui concluo que, pelo menos comparativamente com a França, não temos falta de polícias e estes problemas de violência têm que ver com formação e gestão. Estes são os problemas que as autoridades competentes devem atacar e, desde logo, investigar todos os casos de violência policial, seja racismo, misógina ou o que for, porque não o fazendo e mandando estas pessoas simplex incendiar todos os polícias nos jornais só contribui para agravar as tensões entre todos. É uma manobra de quem não tem capacidade/competência para revolver problemas.

O problema em França é diferente do nosso porque não temos grande comunidades de imigrantes com padrões culturais tão diferentes dos nossos - não se resume tudo a racismo. A não ser que esta jornalista acredite mesmo que do lado dos revoltados ou delinquentes só há pureza e nenhuma violência latente ou que a violência de uns é legítima porque estão revoltados - a destruição que se tem visto na França desmente esse maniqueísmo.  

Lá como cá, não se resolvem os problemas a descarnar os serviços públicos sem os quais nenhuma comunidade consegue integrar-se. Mas o problema não é assim tão simples porque muitas comunidades de migrantes não querem a integração social e cultural. Quando vão para a França ou para a Alemanha, querem participar da riqueza do país mas não das suas regras sócio-culturais. Mais, por vezes, querem modificar os padrões socio-culturais dos municípios para onde migram. Passam-se situações de exigência de discriminação das raparigas nas escolas de Marselha, por exemplo, onde a presença islâmica é muito forte, completamente surreais. Há um ano ou dois um aluno decapitou um professor por ter falado de Maomé. É claro que um aluno ou é uma pessoa, não são todas, mas o problema do multiculturalismo é extremamente complexo e difícil e acredito que a maioria da polícia francesa, não se revendo nesssas acusações de racismo e violência gratuita, também esteja revoltada pelo modo como os jornais e os jornalistas, para venderem ou terem muitos likes, contribuem muito para o populismo, mas nada o desenvolvimento da democracia e a resolução de problemas.

Esta jornalista podia praticar a kenosis ideológica antes de escrever estes artigos de desinformação.


Arquivar o racismo nas polícias debaixo do tapete


É impossível confiar que polícias racistas e dispostos a cometer crimes estejam aptos a defender a segurança pública. Estão aptos, sim, a colocá-la em risco e acabarão por fazê-lo.

Carmo Afonso

Através de uma investigação do Consórcio de Jornalistas, divulgada em vários órgãos de comunicação social, tivemos conhecimento de vários crimes cometidos nas redes sociais por agentes e guardas das forças de segurança. Ao todo, 591 operacionais ainda no ativo terão assumido “comportamentos contrários ao Estado de direito, apelos à violência e à violação de mulheres, comentários racistas, xenófobos, misóginos e homofóbicos, simpatia pelo Chega e por outros movimentos de extrema-direita e saudosismo salazarista.”

A gravidade destes factos levou à abertura de dois inquéritos: um na Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) e um processo-crime aberto pela Procuradoria-Geral da República. Foi anunciado, pelo próprio ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, o carácter prioritário das investigações.

Passados alguns meses, eis que agora foi noticiado o possível arquivamento do processo-crime. As razões invocadas apontam para poder considerar-se como “ação encoberta não-autorizada” a recolha e entrega da prova recolhida pelo Consórcio de Jornalistas e, por isso, essa prova não ser aceite pelo tribunal.

Nada impede o Ministério Público de fazer uma investigação como fizeram os jornalistas do consórcio. Existindo uma notícia que aponta para o cometimento de crimes, por parte de polícias, nas redes sociais, pode o Ministério Público investigar, ou seja, requerer às empresas que guardam esses dados que os disponibilizem.


Por esta altura, já todos temos o conhecimento de que existe um enorme problema nas polícias. Nem era preciso que fizessem a investigação jornalística. Estamos cientes da infiltração do partido de extrema-direita junto destes operacionais e do crescente racismo e xenofobia. É claro que uma coisa leva à outra e que a adesão ao Chega costuma levar a comportamentos racistas. Quem frequenta redes sociais também está familiarizado com o uso de linguagem violenta e agressiva por parte dos utilizadores que são simpatizantes do Chega. Verificamos que muitos deles são polícias. Nada disto é novidade. O que não sabemos é se alguém vai fazer alguma coisa em relação a isto.

É impossível confiar que polícias racistas e dispostos a cometer crimes estejam aptos a defender a segurança pública. Estão aptos, sim, a colocá-la em risco e acabarão por fazê-lo. Esta situação é uma bomba-relógio. Enquanto ela não explode, o sistema judicial parece determinado a varrer tudo para debaixo do tapete enquanto espera de nós que finjamos que a sala está bem varrida. Claro que, para quem faz parte de minorias, este jogo de fingir é mais difícil de jogar.


O problema não é exclusivamente português, mas esta forma mansa de não o encarar e de esperar que vá correr tudo bem é muito portuguesa. Vimos correr mal no Brasil e estamos a ver em França. Por cá, não correu bem, por exemplo, aos imigrantes de Odemira que foram agredidos e torturados por sete guardas da GNR. Não correu bem na esquadra da PSP de Alfragide e também não correu bem a Cláudia Simões, a mulher racializada que foi violentamente agredida por agentes da PSP, em frente à sua filha de oito anos, na Amadora . Estão, aliás, reunidas as condições para isto correr muito mal.

6 comments:

  1. Jornalista? Pensava que era uma advogada de esquerda.

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    1. É advogada (de esquerda e de causas), cronista e argumentista. Uma das suas façanhas é tentar ilegalizar o Chega, o que diz bem da sua ideia de democracia.

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    2. Mas já advogou alguma causa de (e com) mérito? Argumentista não é porque ela argumenta mal. Não oferece razões para as teses que defende, só slogans. Nem se dá ao trabalho de se documentar um bocadinho sobre os temas que apresenta.

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    3. A única causa que conheço ter defendido foi a dos talibãs. Sim, ela defendeu os pobres dos talibãs.

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