June 07, 2023

A escola dos ricos e a escola dos pobres

 


A escola dos ricos e a escola dos pobres

Urge parar a distopia pedagógica em que vivemos, que nos vai afastando dos resultados médios da OCDE, a que chegámos com o esforço de tantos e apesar das diferenças políticas de sempre.

Santana Castilho

Dois anos de pandemia e um ano de conflitos permanentes já comprometeram demasiadamente o futuro de milhares de estudantes, privando-os do direito crucial a uma educação pública de qualidade. Não podemos continuar assim.

O sistema público de ensino está profundamente doente, vítima do culto de banalidades destruidoras do conhecimento e do rigor e de práticas gestionárias alimentadas pela sobranceria da ignorância. Tudo o que pode ser feito para melhorar o nosso sistema de ensino é conhecido. Mas as decisões dos últimos anos têm ignorado o conhecimento que a investigação em Epistemologia da Educação tem proporcionado, designadamente a produção científica de investigadores de orientação cognitivista. Urge, assim, parar a distopia pedagógica em que vivemos, que nos vai afastando dos resultados médios da OCDE, a que chegámos com o esforço de tantos e apesar das diferenças políticas de sempre.

“Os professores não param”, gritam os próprios a um ministro enfastiado. Mas sem resultados para a luta que travam há meio ano, de que sobram evidências lapidares: continuam mergulhados em tarefas aberrantemente burocráticas e improdutivas, têm como nunca a dignidade profissional e a independência intelectual calcadas por políticas de terror social e clamam pela contagem do tempo de serviço, correndo sobre uma espécie de passadeira rolante, que os esgota, sem saírem do mesmo sítio.

Poderá o país aceitar este desperdício de gente formada à custa de muitos milhões?

Poderá a Educação continuar sob a tutela de um ministro que desconhece o que se conhece? Que não faz? Que desfaz? Que sonega? Que manipula? Que mente? Que dificulta?


Se aceitarmos que uma civilização é um conjunto de valores fundamentais, que resultaram da partilha de um passado comum e determinam uma forma particular de ver o mundo e regular uma sociedade, deve-nos preocupar seriamente o tanto que a escola pública perdeu nos últimos anos.

Os proclamados bons resultados económicos não têm contribuído para obstar à degradação da Educação e à sangria dos seus profissionais qualificados. Outrossim, o sistema de ensino tem sido uma das principais vítimas do desinvestimento nos profissionais do Estado e os alicerces da democracia estão a ser corroídos pelo divórcio existente entre as necessidades urgentes do sistema de ensino e as medidas erradas tomadas pelo Governo.

Consequentemente, vão-se construindo em Portugal duas vias de ensino: uma privada, para elites, alicerçada na tessitura dos saberes clássicos com as novas tecnologias e no estudo estruturado das Humanidades, das Ciências, das Línguas e das Artes; outra, pública, dita inclusiva, para o povo pobre, edificada sobre os escombros da desconstrução do currículo nacional e limitada às “aprendizagens essenciais”.

E, perante tudo isto, vivemos numa bolha mediática que confere tempo generoso à divulgação de protestos animados por bombos e gaitas e aos jogos cínicos da disputa entre o Presidente da República e o primeiro-ministro, mas raramente consigna espaço ao substantivo e dá voz a quem tem conhecimento fundamentado sobre a causa dos problemas e a forma de os resolver, confrontando e debatendo alternativas, num exercício de verdadeiro debate político sobre a vida dos alunos, das famílias e dos professores.

Vai encerrar-se um ano lectivo quase perdido e já pairam nuvens negras sobre o próximo. A escola pública carece de uma intervenção de emergência, sendo certo que nenhuma terapêutica gerará resultados se não incluir as reclamações justas dos professores e não anular os absurdos nefandos que os calcam. Receita mínima para os remover: assumir a educação como prioridade política; aceitar a decantada recuperação do tempo de serviço dos professores, ainda que repartida ao longo dos próximos anos; alterar profundamente o estatuto da carreira docente; institucionalizar e dimensionar realisticamente quadros docentes, de pessoal auxiliar e de equipas multidisciplinares; eliminar a burocracia estéril; garantir a disciplina na sala de aula e a autoridade do professor; extinguir os agrupamentos escolares; alterar o modelo de gestão dos estabelecimentos de ensino, recuperando a sua democraticidade; proceder à reformulação integral do plano de estudos do ensino obrigatório e dos respectivos conteúdos disciplinares.


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