May 19, 2023

Leonor Beleza

 


foto da internet

Hoje tive uma consulta na Fundação Champalimaud ao fim da tarde que se atrasou muito, de maneira que agarrei num dos livros grandes de capa dura da mesinha de café em minha frente (têm sempre bons livros por ali espalhados) e pus-me a ler. Li metade do livro e depois até me apetecia que o médico se atrasasse mais uma hora, para ter tempo de ler o resto.

O livro era sobre a própria Fundação. A sua ideia e a sua concretização. Escrito pela Maria João Avillez. O livro começa com um telefonema de António Champalimaud para Leonor Beleza, nestes termos, 'Estou a fazer o meu testamento. Estou a pensar deixar uma quantia para uma Fundação dedicada à medicina e queria saber se aceita ser Presidente dessa Fundação'. Ela aceitou, como se sabe. Viu Champalimaud mais um par de vezes socialmente mas não voltaram a falar do assunto. Depois ele morreu e quando leram o testamento, lá estava o dinheiro para que se erguesse a tal Fundação, presidida por ela e por Proença de Carvalho, seu testamenteiro e amigo.

Como Champalimaud nem sequer deixou escrito que tipo de Fundação queria, quer dizer, se era apenas de tratemento de doentes, se de investigação, a que áreas da medicina se devia dedicar, qual o seu escopo, etc., foram, ela e Proença, mas sobretudo ela, porque Proença tratou mais do lado jurídico, quem idealizou e ergueu a Fundação. O livro conta essa história. Como ela andou por Portugal e pelo mundo, pelos melhores institutos e hospitais a fazer pesquisa (foi muito ajudada pelo embaixador americano com quem foi ter e pediu ajuda para abrir portas), como e porquê decidiram dedicar-se à área oncológica e neurológica (para além da oftalmologia que era muito cara a Champalimaud que sofreu muito dos olhos), como decidiram fazer um centro de importância mundial, à altura do fazedor que era Champalimaud, como foram buscar as melhores pessoas -há dois prémios Nobel no concelho científico da Fundação e outros investigadores de renome internacional- e como ergueram uma obra que ajuda milhares de pessoas, alia a investigação médica à prática clínica e se dedica a tratar as pessoas com a melhor qualidade de vida possível. Se podemos pôr os doentes a olhar um jardim tranquilizante enquanto fazem tratamentos porque os havemos de por a olhar paredes de cimento, é um dos lemas que mostra um pouco o espírito da Fundação.
O arquitecto que escolheram, Charles Correa, concebeu o edifício ali à beira-Tejo, perto da Torre de Belém, como uma caravela a navegar em direcção ao desconhecido, como aliás o afirmam no nome que se vê à entrada do edifício. (foto acima)

Fiquei a meio do livro - hei-de acabá-lo da próxima vez que lá for. Ao lê-lo ficamos com uma ideia clara da capacidade de trabalho, da capacidade empreendedora e realizadora de Leonor Beleza e também de Proença de Carvalho, guiados por uma visão arrojada, com o olhar no horizonte longínquo, mas com os pés na terra.

Não temos nenhum ministro deste calibre há muito tempo. Nenhum. Leonor Beleza foi ministra da saúde de Cavaco Silva e como na época em que era ministra o Instituto do Sangue aceitou uma doação de sangue e um dos lotes estava contaminado e tendo sido usado, infectou doentes e alguns morreram, ela foi acusada de homicídio, com dolo, na morte dos doentes. Visto à distância é inacreditável. Não que ela não tenha sido a responsável máxima por essas mortes dado que era a Ministra da Saúde e a ela lhe caber garantir o rigor dos processos, mas a acusação de homicídio, com dolo, com que foi perseguida durante muitos anos, é inacreditável vista a esta distância...
Quando pensamos nos ministros sob os quais se matou à pancada um homem, que andaram a vender golas inflamáveis durante incêndios onde morreram mais de 70 pessoas, que atropelaram mortalmente pessoas e mesmo assim têm a defesa do primeiro-ministro que desvaloriza tudo, a perseguição que fizeram a Leonor Beleza nos moldes em que a fizeram parece inacreditável. Ainda ontem vimos aquela lástima de ministro que é Galamba dizer que não sabe o que se passa no seu ministério e que não se responsabiliza por nada. Que diabo, ele nem sabe o que faz na vida o indivíduo que contratou para CEO da TAP. Fartou-se de perguntar se era engenheiro ou o que era... A perseguição a Leonor Beleza, que durou anos e anos, por um funcionário ter usado um lote de sangue não devidamente testado, parece agora uma espécie de cruzada. Era o ódio que tinham a Cavaco Silva e queriam atingi-lo por meio dela - e também o prejuízo que lhe causou ter um irmão corrupto.

No entanto, quando Champalimaud pensou em quem confiar uma parte muito grande da sua fortuna para uma obra que lhe era cara, foi a ela que telefonou e nunca hesitou. Não eram amigos, nem sequer tinham relações. Conheciam-se ao longe. Isso diz muito da sua capacidade e das suas qualidades.

Não temos, há muitos, muito anos, uma pessoa com a categoria dela, em nenhum governo. Uma pessoa com visão, com coragem, com humanidade e com capacidade de realização. Haverá outras pessoas de visão e capacidade empreendedora neste país, capazes de grandes obras mas, primeiro são os partidos políticos que não os deixam entrar para não estragar as panelinhas e depois são os próprios que fogem deles a sete pés.

Da próxima vez que for a uma consulta vou um bocadinho mais cedo para ler o resto do livro.


foto da internet


2 comments:

  1. Tenho uma amiga que precisou vender a casa para pagar os tratamentos na Fundação. A saúde e a bela paisagem pagam-se.
    Não discuto os dotes de Leonor Beleza porque os desconheço, mas, se os tem, estão bem entregues e foram bem canalizados. Champalimaud, tinha olho para o negócio, era grande conhecedor de homens. Acertou mais uma vez.
    Bom dia

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  2. Se a sua amiga vendeu a casa não foi por causa da Fundação. Os tratamentos oncológicos são caríssimos por conta dos governos não actuarem junto das farmacêuticas. De resto, não são mais caros na Fundação que em outro hospital privado. E quem diz os tratamentos oncológicos, diz outros porque o governo é esta miséria que se vê que trabalha para enriquecer os ricos e dar umas esmolinhas aos pobres.

    O único sítio onde os tratamentos não custam nada é o hospital público. Mas como sabemos o hospital público tem falta de tudo, a começar pelos médicos a ponto de já porem os enfermeiros a fazer de médicos.
    Quem vai a um hospital privado tem de ter um bom seguro de saúde, independentemente de ser a Fundação ou outro qualquer. Eu agora ando muito em hospitais, privados, e vejo as diferenças: uns são, em primeiro lugar, hospitais para os doentes e outros são meros negócios que por acaso tratam doentes.
    Na Fundação tentam poupar-nos o mais possível a exames e procedimentos desnecessários.
    A Fundação não é só um hospital de tratamentos, é um centro de investigação e como tal, tem um investimento na pesquisa que outros não têm.

    A ideia de tratar os doentes oncológicos (e outros) de uma maneira o mais humana possível, advém de uma filosofia e não de dinheiro. Também em outros hospitais podiam ter essa filosofia. Todos os dias se constroem hospitais e clínicas que são paredes de cimento por todo o lado.
    Portanto, a sua amiga, se teve que vender a casa para ir à Fundação, teria de o fazer também para ir a outro hospital privado. Se calhar ainda mais.

    Se Champalimaud tinha olho para o negócio? Sim, tinha, mas a Fundação não é só um negócio, aliás, não é, acima de tudo, um negócio. É um centro de investigação e de tratamento de doenças. Antes da Fundação, o país estava muito atrasado nos tratamentos das doenças oncológicas, relativamente aos EUA, por exemplo (toda a Europa estava).

    Eu fiz imunoterapia e fui iniciar um medicamento e um tratamento novo e inovador, que me permitiu manter-me a trabalhar e ter qualidade de vida e sem o qual talvez já cá não estivesse. A inovação significa pesquisa e custa dinheiro, mas a inovação na medicina é um dinheiro bem aplicado.

    Não percebo isso de dizer mal das coisas boas que temos, que não são assim tantas.

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