Há bocado estive a assistir, em diferido, a uma conferência, Inteligência Artificial: Que Humanidade? que se realizou ontem, dia 30, na Gulbenkian. Muito interessante. Realço dois aspectos.
O primeiro foi uma espécie de TEDtalk de um professor do IST, Arlindo Oliveira que traça a história da IA e explica o que são estes bot, como o ChatGPT, um programa que varre toda a informação da internet e responde a perguntas, constrói textos ou desenha, por exemplo, calculando, através de probabilidades, quais as palavras ou imagens que devem seguir-se a outras.
Portanto, o programa é um espelho da média humana: as sequências de palavras mais comuns são aqueles que o bot assume como mais prováveis. É um programa lógico, mecânico. Sem intuição, sem simbologia estética ou imaginação.
Ficamos a saber, por uma jurista especialista nestes assuntos que trabalha na Holanda, que o programa foi construído a pensar na economia e é muito fraco na sensibilidade às questões sociais e políticas.
O segundo aspecto tem que ver com uma questão que foi levantada, a propósito dos perigos da IA (também se falou no potencial positivo): a questão da manipulação de imagens para fins criminosos ou eticamente reprováveis, como a manipulação política -os Deepfake- e nos modos de combater. Aí todos concordaram que a educação tem de ser mais exigente, no sentido de formar pessoas mais maleáveis intelectualmente, mais críticas e mais alerta.
Ora, é evidente que se está a formar pessoas cada vez menos capazes intelectualmente, menos maleáveis e sem espírito crítico. Este ME quer alunos obedientes, não os quer a pensar.
Estou a ler este livro (vou quase a meio) sobre os alunos das universidade de elite nos EUA. O autor traça a história de como aqui se chegou (o que ele diz é válido para os outros países que também têm as suas Ivy League) a esta situação dos alunos privilegiados (quem tem dinheiro para essas universidades) serem treinados como ovelhas, desde que entram na escola, para terem aquele sucesso que corresponde a prestígio social e muito dinheiro e depois serem pessoas com vidas vazias e sem sentido.
Como a competitividade alucinante para entrar nessas universidades os transformou em especialistas em conseguir boas notas (mesmo não tendo aprendido nada, são excelentes em agradar a professores e reproduzir o que lhes pedem), conseguir muitas cartas de recomendação e, desde que isso passou a ser um factor importante, ter no currículo, pelo menos 10 actividades extra-curriculares, sendo que têm de ser excelentes, pelo menos numa.
Isto porque a certificação de uma universidade de prestígio tornou-se muito mais importante do que ir cursar uma área para aprender (aliás, nem têm tempo para isso) e têm de competir com milhares de estudantes para lá entrar.
À medida que crescem as candidaturas para Harvard, Yale e outras do género, baixam drasticamente as candidaturas para outras universidades que dantes eram escolhidas, e que são boas universidades, mas que agora não têm aquele prestígio que equivale a sucesso em maiúsculas, que os pais querem para os filhos.
Harvard tem todos os anos mais de 30.000 candidatos para perto de 4000 vagas. A maioria é preenchida por filhos de beneméritos, milionários e bilionários, da casa ou imigrantes. Sobram poucas para os outros, de maneira que os alunos passam um inferno na escola para entrarem nessas universidades. Porém, quando entram, estão cansados, vazios e desorientados. Não sabem o que fazer da vida, vão para cursos de economia porque é o que os pais esperam, mas detestam o curso e segundo os inquéritos, a maioria acha que vai detestar o trabalho toda a vida. As humanidades desapareceram e até os cursos de investigação científica porque não geram dinheiro e carreira em tempos recordes.
Evidentemente estes alunos são pessoas com altos níveis de stress, de ansiedade, depressão, dissociação e outros problemas mentais que vivem vidas vazias, sem amigos, porque os sacrificaram na corrida a esses cursos. São como ovelhas bem treinadas, primeiro pelos pais (chama-lhes pais-helicóptero, sempre a pairar e a fazer pressão, hoovering), depois pelos professores (da escola, sobretudo do secundário e mais tarde da universidade) e fazem bem tudo o que lhes pedem mas não sabem pensar, não têm recursos internos, nunca foram ensinados a saber reconhecer um interesse ou uma paixão. Acabam os cursos e vão fazer mestrados ou doutoramentos para atrasar a data de terem de escolher um caminho porque não sabem o que fazer e têm horror à ausência de controlo.
No outro extremos estão os alunos que nunca se preocuparam com os estudos porque os pais, a quem o autor também chama pais-helicóptero, os desincentivaram do trabalho. São aqueles miúdos a quem os pais dizem que só importa serem felizes e só devem fazer o que lhes dá prazer e que podem fazer tudo na vida, sendo que, ao dizerem-lhes que só o caminho do prazer conta, fecham-lhes todos os caminhos para se realizarem e darem sentido às suas vidas.
Segundo o autor, uns e outros agem por controlo dos filhos e não os deixam ser autónomos nas suas escolha: os primeiros querem rever-se no sucesso dos filhos, os segundos querem ver-se como pessoas bondosas e querem que os filhos nunca saiam de casa, que fiquem ali dependentes e submissos.
O nosso ME da educação é um ministro-helicóptero do segundo caso. Quer os alunos sem autonomia, para que possam ser controlados e submissos à ideologia que o país lhes impuser. Daí que despreze o pensamento crítico e o desenvolvimento intelectual dos alunos. Só têm que saber usar o telemóvel, pôr as cruzinhas nas caixinhas e ser felizes.
Um dia, já a seguir, estes alunos todos serão escritores sem saber escrever, pintores, sem saber pintar, médicos sem saber de medicina e, acima de tudo, povos sem saber reagir e lutar pelos seus direitos. Basta um program de IA.
Se a educação não dá uma volta e muda de paradigma, o futuro é sombrio porque a IA mata a imaginação, a criatividade e o pensamento crítico. Já agora se nota como as redes sociais, nas quais a maioria dos adolescentes (parece que anda pelos 90%) são completamente viciados, tem atrofiado a maleabilidade intelectual, a capacidade de conceptualizar, logo de pensar criticamente, a dificuldade em imaginar devido a terem o pensamento saturado de imagens já feitas e empacotadas a propósito de milhares de temas.
Aquela capacidade de ligar simbolicamente coisas aparentemente díspares, umas às outras, que alimenta a imaginação e a intuição e leva ao desenvolvimento da criatividade desaparece se nos apoiamos nestas IA para fazer o trabalho e até para viver as nossas vidas.
Já agora acontece os programas tipo Tinder emparelharem pessoas idênticas e assim reforçarem a incapacidade que tantos já têm de se relacionar com pessoas diferentes, críticas, desafiantes, que escapam ao controlo. E a tendência é para piorar. Como sabemos, as pessoas têm cada vez mais dificuldade em relacionar-se fora do mundo virtual, com pessoas reais.
Platão tinha muita razão. Dizia que as imagens são mais fáceis e imediatas que o pensar e que, se a educação fosse feita por imagens (que em seu entender eram cópias enfraquecidas e imperfeitas das ideias) o pensamento desabituava-se das ideias, de pensar e acabava por cair no mundo da aparência, da superficialidade, um escravo da imagem, enfim, como os prisioneiros da caverna. Os nossos tempos estão a dar-lhe razão.
Se a educação não dá uma volta e continua nesta senda de glorificação da IA, do prazer e da imagem e da redução de tudo à utilidade, o futuro é sombrio.
Pardon, todos os tempos deram razão a Platão - educar não é fácil.
ReplyDeleteSim, educar não é fácil, mas as políticas actuais são um desastre.
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