May 28, 2023

Enviesamento

 


Neste artigo fala-se sempre do populismo como uma característica dos opositores dos governos e das 'elites políticas', como se os próprios governos e políticos em geral não pudessem ser (e muitos são) grandes populistas). 

Quando António Costa diz que decide contra todos os portugueses, se for preciso (e já o fez várias vezes) porque ele é que sabe o que os portugueses querem e o que é melhor para os portugueses, está a ser populista - está a falar em nome do “povo”;

Quando António Costa diz que os portugueses querem estabilidade e não querem eleições ou querem outra coisa qualquer, está a ser populista - está a falar em nome do “povo”;

Quando o ME decide por todos os professores, sem os ouvir e diz que os professores certamente não leram a sua proposta, pois ela é que melhor responde ao que os professores querem,  está a ser populista - está a falar em nome do “povo”;

Quando António Costa diz que os que o criticam são uma bolha de extremistas de direita e viciados na política porque ele sabe que os portugueses estão com ele, está a ser populista - está a falar em nome do “povo”;

Etc.

Portanto, acontece por vezes, serem os próprios governos que na sua linguagem e nas suas acções, os grandes campeões do populismo.

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O risco maior do populismo é a banalização da sua linguagem e das suas ideias, tornando-as aceitáveis por uma maioria. O segundo grande risco é quando os partidos democráticos caem na tentação de falar em nome do “povo”, com o objectivo de retirar legitimidade às elites políticas, incluindo aos governos democraticamente eleitos. Todos os populismos falam em nome do “povo”, mobilizando a sua raiva, os seus ressentimentos, as suas queixas contra as elites, que “descolaram” dos seus interesses e sentimentos. Os democratas falam de portugueses, franceses ou espanhóis, na sua imensa diversidade. Nas democracias, não há “povo”. Há eleitores e há indivíduos com os seus interesses colectivos e individuais. Parece um pormenor? É o essencial. O populismo e os extremismos, como diz Giuliano da Empoli na mesma entrevista, começam com a linguagem.

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