Paul Broks é - eu também.
E é uma daquelas pessoas que pensa e acredita que as coincidências são probabilidades de simultaneidade de eventos sem nenhum significado mas ao mesmo tempo sente que há ali qualquer coisa? Paul Broks é - eu também.
Este artigo é sobre essas coincidências.
No Verão de 2021, vivi um conjunto de coincidências, algumas com um toque claramente sobrenatural. Eis como tudo começou. Tenho um diário e registo os sonhos que são especialmente vívidos ou estranhos. Registei um em que a amiga mais antiga da minha mãe, Rose, apareceu para me dizer que tinha acabado de morrer. Tinha tido outro AVC. De manhã, ocorreu-me que não sabia se Rose ainda estava viva. Calculei que não porque tinha tido um grande AVC há uns 10 anos e tinha sofrido uma série de pequenos AVC, descendo para um estado lastimável de incapacidade física e de demência.
Ao pequeno-almoço falei do sonho à minha companheira que não se mostrou muito interessada. Nessa altura, estávamos nas Midlands, na casa onde eu tinha passado os meus últimos anos de infância. A casa estava desocupada há meses. O meu pai, Mal, já tinha partido há muito tempo e a minha mãe, Doreen, estava num lar de idosos, caminhando inexoravelmente para a fase avançada da doença de Alzheimer. Tínhamos acabado de vender a propriedade onde vivíamos e haveria um atraso de algumas semanas no acesso à nossa futura casa, pelo que a velha casa era um local conveniente para ficar nesse permeio.
Não pensei mais no meu estranho sonho até que, quinze dias depois, quando voltámos do supermercado, descobrimos um bilhete na caixa do correio. Estava endereçado à minha mãe e era da filha de Rose, Maggie. A mãe dela tinha morrido "há duas semanas". O funeral seria na semana seguinte. Entreguei o bilhete à minha companheira e recordei-lhe o meu sonho. "Estranho", disse ela e continuou a descarregar as compras. Sim, estranho. Não me lembro da última vez que a Rose tinha entrado nos meus pensamentos, e ali estava ela, a aparecer num sonho com a notícia da sua própria morte.
Então, o que devo fazer com isto? Aqui está uma interpretação: Rose morreu e o seu espírito sentiu a necessidade de mo dizer e entrou no meu sonho. Talvez ela tenha tentado primeiro contactar a Doreen, mas por uma razão ou outra - os destroços impenetráveis de um cérebro danificado? - não conseguiu entrar em contacto. Outra interpretação: toda a cadeia de acontecimentos ocorreu por mera coincidência, numa concatenação fortuita sem qualquer significado mais profundo. Não há nada de sobrenatural nisso.
Se me perguntassem qual das duas interpretações prefiro, seria, inequivocamente, a segunda. Mas o problema é o seguinte: há uma parte de mim que fica a considerar a possibilidade do mundo ter de facto dimensões sobrenaturais. É a mesma parte de mim que se assusta com histórias de fantasmas e que se sentiria desconfortável em passar uma noite sozinha numa morgue.
Não acredito que o universo contenha forças sobrenaturais, mas sinto que pode ter. Isto deve-se ao facto da mente humana ter elementos irracionais. Diria mesmo que o pensamento mágico constitui a base da individualidade.
A nossa experiência de nós próprios e das outras pessoas é essencialmente um acto de imaginação que não pode ser sustentado por modos de pensamento totalmente racionais. Vemos a luz da consciência nos olhos de outra pessoa e, irresistivelmente, imaginamos um eu etéreo por detrás desses olhos, a zumbir com sentimentos e pensamentos, quando na realidade não há nada para além da substância escura e silenciosa do cérebro. Imaginamos algo semelhante por detrás dos nossos próprios olhos. É uma ilusão necessária, enraizada profundamente na nossa história evolutiva. A coincidência, ou melhor, a experiência da coincidência, desencadeia pensamentos mágicos que estão igualmente enraizados.
O termo "coincidência" abrange uma vasta gama de fenómenos, desde os cósmicos (num eclipse solar total, o disco da lua e o do sol, por mero acaso, parecem ter precisamente o mesmo diâmetro) aos pessoais e paroquiais (a minha neta faz anos no mesmo dia que a minha falecida mulher).
Na escala humana, experiencial, pode ser feita uma distinção ampla entre serendipidade - descobertas oportunas, mas não planeadas, ou desenvolvimento de acontecimentos - e aquilo a que o biólogo lamarckiano e coleccionador de coincidências do século XX, Paul Kammerer, chamou serialidade, que definiu como "uma recorrência das mesmas coisas ou acontecimentos, ou de coisas ou acontecimentos semelhantes... no tempo e no espaço".
A biografia do actor Anthony Hopkins contém um exemplo notável de uma coincidência serendipitosa. Quando soube que tinha sido escolhido para participar no filme A Rapariga de Petrovka (1974), Hopkins foi à procura de um exemplar do livro em que o filme se baseava, um romance de George Feifer. Em vão, percorreu as livrarias de Londres e, um pouco desanimado, desistiu e foi para casa. Então, para seu espanto, viu um exemplar de A Rapariga de Petrovka num banco da estação de Leicester Square. Contou a história a Feifer quando se encontraram e descobriu que o livro em que tinha tropeçado era o mesmo que o autor tinha perdido noutra parte de Londres - uma cópia cheia de emendas a tinta vermelha e notas marginais que tinha feito em preparação para uma edição americana.
Hollywood fornece outro exemplo de serialidade. L Frank Baum foi um prolífico autor de livros infantis, mais conhecido por O Maravilhoso Feiticeiro de Oz (1900). Não viveu para ver o seu romance transformado no icónico filme musical, mas tem a reputação de ter tido uma ligação coincidente notável com o filme.
O actor Frank Morgan desempenhou cinco papéis em O Feiticeiro de Oz (1939), incluindo o do Feiticeiro com o mesmo nome. Faz a sua primeira aparição como Professor Marvel, um adivinho viajante. Quando fez o teste de ecrã, o casaco que usava foi considerado demasiado imaculado para um mágico itinerante. Por isso, o departamento de guarda-roupa foi procurar, nas lojas de artigos usados, algo mais adequado. Regressou com muitas peças. Uma delas, uma sobrecasaca do estilo, 'Príncipe Alberto', com um colarinho de veludo gasto, era perfeito para o actor. Só mais tarde é que se descobriu que, cosida no casaco, estava uma etiqueta com a inscrição "Feito por Hermann Bros, expressamente para L Frank Baum". Baum morreu 20 anos antes da estreia do filme, mas entrou no filme desta maneira. A proveniência do casaco foi autenticada pela sua viúva, Maud, que o aceitou como presente quando o filme foi concluído.
Algumas coincidências parecem conter um elemento de humor, como se tivessem sido concebidas por um espírito caprichoso apenas para seu próprio divertimento. Pouco depois de me mudar para Bath, em 2016, atravessei a movimentada London Road, avaliei mal a altura de um lancil, tropecei, caí de forma desajeitada e fracturei o braço direito. Durante os cinco anos seguintes, vivi em Bath, na zona rural de Worcestershire e em Londres. Pouco depois de regressar a Bath de forma mais permanente, reparei numa elegante cadeira de mogno na montra de uma loja de caridade na London Road, entrei e comprei-a. Pensei que não teria problemas em carregar a cadeira para o meu apartamento a 800 metros de distância, mas acabou por ser mais pesada do que esperava e difícil de transportar. Quando estava a atravessar a estrada onde tinha caído, a cadeira escorregou, caiu no chão e partiu o braço direito. Também ouve os risinhos do diabinho da coincidência?
Enquanto algumas coincidências parecem divertidas, outras parecem inerentemente macabras. Em 2007, o jornalista John Harris, do Guardian, lançou-se numa "odisseia intermitente de túmulos de rock", visitando os últimos locais de descanso de músicos de rock britânicos. A meio da viagem, dirigiu-se à pequena aldeia de Rushock, em Worcestershire, para recolher pensamentos na lápide do baterista dos Led Zeppelin, John Bonham, que morreu aos 32 anos, a 25 de Setembro de 1980, depois de ter consumido uma quantidade prodigiosa de álcool. Um fotógrafo do Guardian tinha visitado a campa alguns dias antes para tirar uma fotografia para acompanhar o artigo. Era, escreve Harris, "uma manhã gelada que dava ao adro da igreja o aspecto de uma cena de The Omen", e, como um dos motivos-chave desse filme, o fotógrafo ficou "assustado com o aparecimento de um cão preto desacompanhado, que urina na lápide e depois desaparece". Black Dog (1971) é o título de uma das canções mais icónicas do catálogo dos Led Zeppelin.
Se imaginarmos um continuum de coincidências, do trivial ao extraordinário, tanto o exemplo de Hopkins como o de Baum situar-se-iam no extremo estranho e invulgar. A minha coincidência dos "braços partidos" tende para o trivial.
Outros exemplos ainda mais mundanos são comuns. Conversamos com um desconhecido no comboio e descobrimos que temos um conhecido em comum. Está a pensar numa pessoa e, no instante seguinte, ela telefona-lhe. Lê-se uma palavra invulgar numa revista e, simultaneamente, alguém na rádio pronuncia a mesma palavra. Tais ocorrências podem provocar um sorriso irónico, mas as mais estranhas podem induzir uma forte sensação de estranheza. O mundo parece momentaneamente cheio de forças estranhas.
Trata-se de um estado de espírito que se assemelha à apofenia - uma tendência para percepcionar ligações significativas e geralmente sinistras, entre acontecimentos não relacionados - um prelúdio comum ao aparecimento de delírios psicóticos. As diferenças individuais podem desempenhar um papel na experiência de tais coincidências. A esquizotípia é uma dimensão da personalidade caracterizada por experiências que, de certa forma, ecoam, de forma atenuada, os sintomas da psicose, incluindo a ideação mágica e a crença paranormal. Há indícios que sugerem que as pessoas que obtêm resultados elevados nas medidas de esquizotipia podem também ser mais propensas a experimentar coincidências significativas e pensamento mágico. Talvez os indivíduos esquizotípicos sejam também mais fortemente afectados pela coincidência. Uma pessoa com uma pontuação elevada nas medidas de esquizotípia talvez se assuste mais com um sonho de morte do que eu (uma pessoa com uma pontuação baixa).
Coloquei o naturalismo e o sobrenatural em oposição binária, mas talvez haja uma terceira via. Chamemos-lhe a posição supranatural. Esta foi a posição adoptada, de formas diferentes, por Kammerer e pelo psicólogo suíço Carl Jung. A obra de Arthur Koestler, The Roots of Coincidence (1972), apresentou o trabalho de Kammerer ao mundo anglófono e foi influente no reavivar do interesse pelas ideias de Jung. Kammerer começou a registar coincidências em 1900, a maior parte das quais eram triviais e entorpecedoras. Por exemplo, ele observa que, em 4 de Novembro de 1910, o seu cunhado assistiu a um concerto e que o número 9 era simultaneamente o número do seu lugar e o número do bilhete do bengaleiro. No dia seguinte, foi a outro concerto e o número do seu lugar e do bilhete do bengaleiro era o 21.
O livro de Kammerer Das Gesetz der Serie (1919), ou «A Lei da Serialidade», contém 100 exemplos de coincidências que ele classifica em termos de tipologia, morfologia, poder, etc., com, como diz Koestler, "a meticulosidade de um zoólogo dedicado à taxonomia".
A grande ideia de Kammerer é que, a par da causalidade, existe um princípio acausal no universo, que, como diz Koestler, "actua selectivamente para juntar configurações semelhantes no espaço e no tempo". Kammerer resume as coisas da seguinte forma:
Chegamos, assim, à imagem de um mundo-mosaico ou caleidoscópio cósmico que, apesar das constantes baralhadas e rearranjos, também se encarrega de juntar o que é semelhante". Albert Einstein levou Kammerer a sério, descrevendo o seu livro como "original e nada absurdo".
A «teoria da sincronicidade», ou «coincidência significativa», proposta por Jung, segue uma linha semelhante. Tomou forma ao longo de várias décadas através de uma confluência de ideias provenientes da filosofia, da física, do ocultismo e, não menos importante, das fontes de pensamento mágico que borbulhavam nas profundezas da mente prodigiosamente criativa e, por vezes, quase psicótica de Jung. Certas coincidências, sugere ele, não são meramente uma junção aleatória de eventos não relacionados. Estão ligadas acausalmente em virtude do seu significado. A sincronicidade era o "princípio de relação acausal".
Segundo o físico e historiador da ciência Arthur I Miller, no seu livro Deciphering the Cosmic Number: The Strange Friendship of Wolfgang Pauli and Carl Jung (2009), Jung considerou esta uma das melhores ideias que alguma vez teve, e cita Einstein como uma influência. Nos primeiros anos do século XX, Einstein foi várias vezes convidado para jantar na casa da família Jung em Zurique, causando uma forte impressão. Jung estabelece uma ligação directa entre esses jantares com Einstein e o seu diálogo, 30 anos mais tarde, com o físico Wolfgang Pauli, galardoado com o Prémio Nobel, diálogo esse que levou à concretização do conceito de sincronicidade.
A colaboração de Jung com Pauli foi uma coligação improvável: Jung, o psicólogo quase místico, um psiconauta cujas profundas excursões à sua própria mente inconsciente ele considerava as experiências mais significativas da sua vida; e Pauli, o físico teórico de grande talento que influenciou a reformulação da nossa compreensão do mundo físico nas suas bases subatómicas. Após o suicídio da mãe e um casamento breve e infeliz, Pauli sofreu uma crise psicológica. Ao mesmo tempo que produzia os seus trabalhos mais importantes no domínio da física, sucumbia a ataques de alcoolismo e envolvia-se em brigas.
Pauli pediu ajuda a Jung, que vivia nas proximidades. A sua terapia envolvia o registo de sonhos, uma tarefa em que Pauli se revelou extraordinariamente hábil, sendo capaz de recordar sonhos complexos com um pormenor extraordinário. Jung também viu uma oportunidade: Pauli era um guia disponível para o reino arcano da física subatómica; e, além disso, Pauli viu na teoria da sincronicidade de Jung uma forma de abordar algumas questões fundamentais da mecânica quântica - sobretudo o mistério do emaranhamento quântico, através do qual as partículas subatómicas podem correlacionar-se instantaneamente e acausalmente, a qualquer distância. Das suas discussões emergiu a conjectura Pauli-Jung, uma forma de teoria de duplo aspecto da mente e da matéria, que encarava o mental e o físico como diferentes aspectos de uma realidade subjacente mais profunda.
Jung foi o primeiro a trazer as coincidências para o quadro da investigação psicológica e utilizou-as na sua prática analítica. Ele conta um episódio sobre um escaravelho dourado como ilustração da sincronicidade em acção na clínica.
Uma jovem mulher está a contar um sonho em que lhe foi dado um escaravelho dourado, quando Jung ouve uma batida suave na janela atrás de si e ao virar-se vê um insecto voador a bater na vidraça. Jung abre a janela e apanha a criatura enquanto esta voa para dentro do quarto. Trata-se de um escaravelho rosa, "a analogia mais próxima de um escaravelho dourado que se encontra nas nossas latitudes".
O incidente revelou-se um momento transformador na terapia da mulher. Segundo Jung, ela tinha sido "um caso extraordinariamente difícil" devido à sua hiper-racionalidade e, evidentemente, "era necessário algo bastante irracional" para quebrar as suas defesas. A coincidência entre o sonho e a intrusão do insecto foi a chave do progresso terapêutico. Jung acrescenta que o escaravelho é "um exemplo clássico de um símbolo de renascimento" com raízes na mitologia egípcia.
Enquanto Kammerer formulou a hipótese de factores impessoais e acausais que se cruzam com o nexo causal do universo, o princípio de ligação acausal de Jung estava ligado à psique, especificamente aos arquétipos do inconsciente colectivo.
Os arquétipos de Jung são estruturas primordiais da mente, comuns a todos os seres humanos. Ressuscitando um termo antigo, ele imaginou um unus mundus, um mundo unitário ou uno, no qual o mental e o físico estão integrados e onde os arquétipos são instrumentais na formação da mente e da matéria.
É uma visão arrojada, mas onde, perguntaremos, está a evidência de tudo isto? Há mais do que um grão de plausibilidade na sugestão de que as estruturas arquetípicas têm uma influência na formação do pensamento e do comportamento. Mas o universo inteiro? Para além de Pauli, a ideia de sincronicidade recebeu pouco apoio da comunidade científica em geral.
A ciência cognitiva contemporânea oferece um quadro conceptual mais seguro, embora menos colorido, para dar sentido à experiência da coincidência. Estamos predispostos a encontrar coincidências porque a sua detecção, pode dizer-se, reflecte o modus operandi básico dos nossos sistemas cognitivos e perceptivos.
O cérebro procura padrões no fluxo de dados sensoriais que recebe do mundo. Atribui aos padrões que detecta um significado e, por vezes, uma agência (frequentemente deslocada) e, como parte deste processo, forma crenças e expectativas que servem para moldar percepções e comportamentos futuros.
A coincidência, no sentido simples de co-ocorrência, informa a detecção de padrões, especialmente em termos de identificação de relações causais, aumentando assim a previsibilidade.
O "mundo" não se apresenta simplesmente através das janelas dos olhos e dos canais dos outros sentidos. Os sistemas perceptivos do cérebro são proactivos. Constroem um modelo do mundo tentando continuamente fazer corresponder os dados sensoriais recebidos, "de baixo para cima", com as antecipações e previsões "de cima para baixo".
Os dados sensoriais brutos servem para aperfeiçoar as melhores suposições do cérebro sobre o que está a acontecer, em vez de construir o mundo de novo a cada momento que passa. O cérebro, em termos simples, está constantemente à procura de coincidências.
A partir de um vasto estudo de investigação psicológica e neurocognitiva, Michiel van Elk, Karl Friston e Harold Bekkering concluem que o excesso de generalização desses modelos preditivos desempenha um papel crucial na experiência da coincidência.
Preparados por preconceitos cognitivos profundamente enraizados e mal equipados para fazer estimativas precisas do acaso e da probabilidade, estamos inatamente inclinados a ver (e sentir) padrões e ligações onde eles simplesmente não existem.
"Inatamente inclinados" porque, em termos evolutivos, a tendência para detectar coincidências em excesso é adaptativa. A incapacidade de detectar contingências entre acontecimentos relacionados - por exemplo, o ruído na vegetação rasteira/proximidade de um predador - é geralmente mais dispendiosa do que uma inferência errada de uma relação entre acontecimentos não relacionados. Outro factor de coincidência é o que o linguista Arnold Zwicky designa por "ilusão de frequência", um termo que teve origem num post de blog, mas que desde então entrou para o Oxford English Dictionary:
A ilusão de frequência é uma peculiaridade da percepção em que um fenómeno para o qual se está recentemente alerta parece subitamente omnipresente.
Van Elk e os seus colegas não foram os primeiros a assinalar a falta de fiabilidade dos juízos intuitivos de probabilidade como um factor na percepção da coincidência. Vários autores antes deles - como Stuart Sutherland no seu livro Irrationality (1992) - sugeriram que as crenças paranormais, incluindo a crença de que algumas coincidências são sobrenaturais, surgem devido a falhas na probabilidade intuitiva.
O chamado problema dos aniversários, um elemento básico das aulas de introdução à teoria das probabilidades, expõe de forma fiável as falhas das nossas intuições. Pergunta qual é a probabilidade de duas pessoas partilharem o mesmo aniversário em grupos seleccionados aleatoriamente. A maioria das pessoas fica surpreendida ao saber que é necessário um grupo de apenas 23 pessoas para que a probabilidade de duas delas partilharem um aniversário seja superior a 50%. Há já algum tempo que queria experimentar um exercício empírico simples envolvendo "dias de morte" para reflectir o problema dos aniversários. Quando voltei a ficar brevemente na antiga casa dos meus pais, a uma curta distância de Rushock, decidi usar a campa de Bonham como ponto de partida para a minha pesquisa, sem qualquer outra razão que não fosse a vaga atracção da história do cão preto.
A sua lápide é fácil de localizar, enfeitada como está com baquetas e pratos deixados como oferendas pelos muitos peregrinos que se dirigem ao santuário vindos de todo o mundo. A sepultura encontra-se à sombra de uma conífera de ramagem azul e, à direita, há uma fila de três outras sepulturas - portanto, apenas quatro sepulturas no total (há também um pequeno monumento em forma de castelo de areia na base do tronco da árvore, que eu ignorei por falta de nome e datas). O plano era fazer uma busca autodestrutiva. Começando pela lápide de Bonham, e com o meu caderno de apontamentos na mão, inspeccionaria as outras sepulturas da fila e depois as filas atrás e à frente, percorrendo metodicamente o cemitério, até encontrar duas datas de morte que coincidissem, mas a minha missão terminou quase tão depressa como tinha começado. Não precisava de ir mais longe do que as quatro campas (com cinco ocupantes) na fila de Bonham. Os ocupantes das duas à direita partilham o dia 29 de Setembro como data de morte (21 anos de diferença). Gostava de poder dizer que o misterioso cão preto apareceu, mas não.
Relativamente à probabilidade de coincidências de sonhos, suponhamos, para efeitos de argumentação, que a probabilidade de um sonho coincidir com acontecimentos do mundo real é de 1 em 10.000 e que só é recordado um sonho por noite. A probabilidade de um sonho "coincidente" numa determinada noite é de 0,0001 (ou seja, 1 em 10 000), o que significa que a probabilidade de um sonho "não coincidente" é de 0,9999. A probabilidade de duas noites consecutivas com sonhos não correspondentes é de 0,9999 x 0,9999. A probabilidade de ter sonhos não correspondentes todas as noites durante um ano inteiro é de 0,9999 multiplicado por si próprio 365 vezes, ou seja, 0,9642. Arredondando, isto significa que existe uma probabilidade de 3,6% de uma determinada pessoa ter um sonho que corresponda ou "preveja" acontecimentos do mundo real ao longo de um ano. Durante um período de 20 anos, a probabilidade de ter um sonho correspondente/precognitivo seria maior do que par.
Rose, a mulher do sonho de morte que tive, tinha 90 anos e as hipóteses de uma mulher de 90 anos no Reino Unido morrer antes de completar 91 anos são de cerca de uma em seis, ou seja, não é improvável. Dado o seu historial médico, a probabilidade de Rose morrer antes de completar 91 anos era provavelmente muito maior do que isso. Mas porque é que eu havia de sonhar com ela, em primeiro lugar? É verdade que não tinha estado a pensar conscientemente na Rose, mas, estando na casa da minha infância, teria havido muitas recordações implícitas. Ela vivia perto de nós e vinha muitas vezes a nossa casa. Além disso, o facto de visitar a minha mãe doente com mais frequência do que o habitual no seu lar fez-me pensar na morte, tanto a nível consciente como inconsciente, e talvez (inconscientemente) na sua amizade com a Rose.
Assim, as tentativas de compreender a coincidência vão desde conjecturas extravagantes que concebem forças acausais que influenciam o funcionamento fundamental do universo, até estudos cognitivos sóbrios que desconstroem os mecanismos básicos da mente.
Mas há algo mais a considerar. Coincidências notáveis acontecem porque, bem, acontecem, e acontecem sem significado inerente e independentemente do funcionamento do cérebro ávido de padrões. Como diz o estatístico David Hand, "acontecimentos extremamente improváveis são comuns". Ele refere-se a este facto como o princípio da improbabilidade, um princípio com diferentes vertentes estatísticas, incluindo a lei dos números verdadeiramente grandes, que afirma que: "Com um número suficientemente grande de oportunidades, é provável que aconteça qualquer coisa bizarra".
Todas as semanas, há muitos vencedores do jackpot da lotaria em todo o mundo, cada um com ínfimas probabilidades de ganhar. E, desafiando todas as probabilidades, várias pessoas ganharam mais do que uma vez os jackpots da lotaria nacional e estadual.
Eu sou um naturalista, mas as coincidências dão-me um vislumbre do que o sobrenaturalista vê e a minha visão do mundo, nesses momentos, é desafiada. Em breve, porém, para o bem ou para o mal, estou de volta ao meu caminho habitual.
Uma última história de coincidência: era uma tarde quente de meados de Junho e sentia pena de mim próprio. A minha parceira tinha-me abandonado na semana anterior e pensei que uma boa maneira de lidar com a auto-comiseração seria lançar-me num novo projecto. Iria fazer uma investigação sobre a psicologia da coincidência. Instalei-me num cadeirão rodeado de livros e artigos sobre o assunto, incluindo The Roots of Coincidence de Koestler. Entre outras coisas, tinha estado a ler o seu relato da história do escaravelho de ouro de Jung.
Precisando de café, pus Koestler de lado e fui à cozinha. Ao voltar, encontrei agachado nas costas da minha poltrona, um escaravelho dourado, um besouro rosa como o que tinha entrado pela janela do consultório de Jung. Deve ter entrado pela porta aberta da varanda. Rapidamente tirei uma fotografia para o caso de o insecto voltar a voar e depois empurrei-o para a palma da minha mão para o devolver à natureza, mas ele simplesmente rolou sobre si e ficou imóvel. Morto.
Enviei a fotografia à minha ex e perguntei-lhe como estava. Ela não respondeu, mas mais tarde, nessa mesma noite, telefonou-me com notícias inquietantes. Zoe, uma conhecida nossa, tinha-se suicidado nessa tarde. O meu cérebro estava agora em modo de pensamento mágico e dizia-me que não podia deixar de ligar a morte de Zoe ao aparecimento e morte do escaravelho dourado. Não acreditava que houvesse uma ligação, claro, mas sentia que talvez houvesse. Havia algo mais no fundo da minha mente. Na mitologia grega, tudo o que o rei Midas tocava transformava-se em ouro e a sua filha, que se chamava Zoe, também se transformou em ouro.
Ah, mas os rose chafers [escaravelhos escaribas] são muito comuns no sul de Inglaterra; são activos no tempo quente; a varanda dá para um prado com água, um habitat típico desses escaravelhos; etc. E disseram-me, já depois, que o escaravelho podia estar a "fingir-se de morto" em vez de estar verdadeiramente morto. Talvez, depois de o ter atirado de novo para o prado, tenha havido um "renascimento" do tipo que se diz que estas criaturas simbolizam.
Mas que foi estranho, foi.
Li todo o artigo. E talvez seja verdade o que se afirma mais ou menos cientificamente, acerca de coincidências, nas quais sou uma campeã. Pode a ciência ter razão, mas nunca conseguirá explicar tudo. Suponho que haverá em quem as experimenta com frequência algo de diverso ou mais profundo e que conduz a essas visões prematuras, certezas inexplicáveis do que virá a acontecer; que podem mesmo não se saber interpretar na altura, embora, desde logo, seja seguro que saem da normalidade.
ReplyDeleteBom Dia
Talvez algumas pessoas estejam mais sintonizadas para observar o que sai da normalidade, funcionem num registo um bocadinho diferente e reparem em certos padrões ou por terem conhecimentos - por exemplo, a associação do suicídio de Zoe à filha de Midas, por conta do ouro e do escaravelho é algo que só pode ser feito por quem tem conhecimento da mitologia grega. Mas que este tipo de coincidências são estranhas, ah isso são.
ReplyDeleteBom dia.