May 28, 2023

Comecei a ler um livro e logo de início não me reconheço nesta experiência

 


O autor refere que quando era miúdo era igual aos outros e que foi para a faculdade porque era a coisa a seguir ao Liceu e tirou um curso que identificava com aqueles vagos objectivos de dinheiro-sucesso, etc. e que, por isso, escolheu a universidade de mais prestígio.

Não me reconheço nesta experiência que, no entanto, sei ser a experiência da maioria, pelo menos da maioria das pessoas com quem falo, não só desse tempo, mas dos meus alunos ao longo destes anos. É verdade que ir para a faculdade era o que se fazia a seguir ao Liceu e isso também fiz. Mas tudo o resto é divergente. 

Descobri a Filosofia aos 17/18 anos e quando a descobri percebi logo que tinha de ir estudar Filosofia. Porém, nessa altura vivia completamente fora da realidade - lia com a mesma sofreguidão e intensidade com que fumava e vivia nos universais. A Filosofia parecia-me (e em parte ainda parece) o estudo mais importante do mundo e, por isso, pensei que ia ser muito difícil entrar no curso de Filosofia, [pausas para os risos], apesar de não ter uma média má. No boletim de candidatura pus duas opções: Filosofia na UNL e Filosofia na UCL e depois, por receio, pus um curso diferente, em 3ªa opção, pensando que, se não entrasse em Filosofia, entrava nessa 3ª opção e no fim do ano transferia-me para Filosofia, o que na época era possível. É claro que entrei no curso de Filosofia logo na 1ª opção e é claro que havia poucas pessoas a quererem estudar Filosofia e algumas tinham feito o oposto, ou seja, entrar em Filosofia (porque tinham uma média baixa e o curso de Filosofia ficava meio às moscas e tinha sempre vaga) e no fim do ano tentavam transferir-se para outro curso).

Não fui para a faculdade com objectivos de dinheiro ou sucesso, como é óbvio, porque já nessa altura o curso tinha um leque de oportunidades de emprego muito fechado. Também não escolhi uma universidade de prestígio. Escolhi a UNL que tinha 3 ou 4 anos de funcionamento quando fui para lá. Ainda tive aulas nas cavalariças, antes das obras que modificaram o campus. Mas ao escolher a universidade quis uma universidade nova, a começar, porque me pareceu que estariam mais empenhados, frescos e cheios de força. Ainda não caídos em rotinas cristalizadas. Isso na altura pareceu-me muito importante.

Adorei o curso e quando acabou fiquei com pena que não tivesse mais um ou dois anos. Parecia-me que tinha aprendido quase nada e queria estudar mais tempo, tendo orientação de professores. Não fui para a faculdade para fazer número ou para conhecer pessoas ou outro fim qualquer. Foi mesmo para estudar Filosofia. Não queria mesmo saber de empregos ou sucesso ou dinheiro. Vivia nos universais. O que ainda se mantém, em boa parte. Portanto, não me reconheço nesta experiência do autor, mas talvez essa experiência dele explique o título. Vamos ver.





4 comments:

  1. Se contasse a minha experiência, seria em simultâneo oposta - em tudo diferente - às duas citadas. Cada um tem sua história. Importa o que fez com ela.

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  2. Segundo o livro a história também importa, porque os miúdos são empurrados para sistemas de formação e de vida que os transforma em máquinas trituradoras dos outros, em termos económicos e de si mesmos, em termos psicológicos e filosóficos.

    Oposta às duas? Quer dizer que não era o que vinha a seguir mas foi o que aconteceu?

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  3. O que é viver nos universais?

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  4. Não vivia no singular, na minha vida singular ou nas minhas circunstâncias singulares. Era alheia a objectivos, desejos e as outras coisas que ocupavam e preocupavam as pessoas normais da minha idade. Vivia no tempo universal com problemas universais. Tinha passado os últimos 4 anos a ler Soljenítsin, Dostoevsky, os relatos dos campos e a história nazi, Proust e outros do género e vivia envolvida no problema do mal, da verdade, da justiça, do lugar do humano no mundo, da indiferença do saber na moral, do sentido da existência, da arbitrariedade de tudo - da realidade não ser real. Nada parecia fazer sentido ou ter um propósito. Tudo era um desmonoramento. Viva com esses problemas universais, completamente fora da realidade singular da vida concreta em geral. Lia muito à procura de respostas ou de pistas. Procurei respostas na História mas não encontrei. Estava algures a pairar sobre as coisas, sem fazer parte de nada. Depois descobri a filosofia.

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