May 12, 2023

"A tua opinião conta"

 


Este é um lema que se vê cada vez mais associado ao ensino. Como sabemos, este ministro da educação aplaudiu uma escola onde os alunos passam por um termómetro da felicidade ao entrar na escola, para que, estando infelizes, os professores escolham matérias que os façam felizes.

Estou no último tema do programa, A Filosofia da Ciência e entrei no último sub-tema que compara a perspectiva de Popper com a de Kuhn sobre a objectividade e a evolução da ciência. Estou a usar o Manual por uma questão de economia de tempo. A abrir a questão, os autores do Manual dizem o seguinte:


Se se reparar na frase final, os autores afirmam que depois de examinarem duas perspectivas concorrentes os alunos estarão em posição de 'dar a sua opinião' sobre qual das perspectivas é a que corresponde à maneira da ciência trabalhar. Inacreditável... Parei logo aqui e perguntei aos alunos o que pensavam desta frase. Uma aluna disse imediatamente: 'ah, nós é que vamos ser o árbitro? Como se nós conhecêssemos a verdade da ciência para dizer qual deles os dois tem razão.' No entanto, estas perguntas agora são quase obrigatórias nos exames: 'diz a tua opinião sobre se a filosofia de Descartes é mais certa que a de Hume', por exemplo, como se o propósito da Filosofia fosse ver quem tem razão e os alunos tivessem posições filosóficas originais, fossem filósofos, enfim.

As políticas do ME que defende que o que importa é que todos sintam que a sua opinião conta de maneira a sentirem incluídos e felizes, deram nisto de dizer aos alunos que a opinião deles, pessoas que pouco ou quase nada sabem do assunto, conta mesmo para que os cientista avaliem o seu trabalho. E os autores do Manual assumem que são uma espécie de iluminados que dizem a verdade da realidade aos alunos de tal maneira que eles depois ficam com 'opiniões' legítimas sobre o funcionamento da ciência.

Não admira a quantidade de pessoas que são contra as vacinas ou que são negacionistas das questões ambientais por darem muita importância às suas opiniões ignorantes sobre a ciência e o seu funcionamento. Os políticos, com as suas imposições de pedagogias reducionaistas de desconsideração da objectividade dos conhecimentos e substituição por auto-prazer e sensações de felicidade, são responsáveis directos deste estado de coisas que a comunicação social amplifica às ordens.

Esta semana li uma entrevista a uma tal Giulia Sissa, uma professora de Ciências Políticas formada em Civilizações Clássicas, mas que é apresentada na revista como filósofa porque escreveu um livro onde fala no nome de Aristóteles. E que diz ela? Que hoje-em-dia podemos ler os autores clássicos e decidir se nos sentimos confortáveis com as suas opiniões e, não sentindo, podemos deitá-los fora como devíamos fazer a Aristóteles porque era machista (pergunto-me se o pai dela não era machista e se o deitou fora...). Entretanto o sub-título da entrevista diz que, Podemos pensar que a democracia é sentarmo-nos e fazermos deliberações coletivas, colaborarmos uns com os outros e sermos razoáveis todos juntos. Mas não: democracia é liderança”, o que contradiz a ideia de que podemos escolher quem e o que aceitamos ou deitamos fora - mas é claro que, para as pessoas que baseiam o pensamento e opiniões nas suas sensações subjectivas de conforto e felicidade, a contradição lógica não existe e tudo é possível, pois nos sentimentos e emoções a contradição é possível e tudo se pode dizer, bem como o seu contrário.

É por estas e por outras que pouco uso os manuais escolares e vou diretamente aos textos dos próprios filósofos e pensadores filosóficos: para não perder tempo a desconstruir estas endoutrinações que obedecem às pedagogias infantis e perniciosas do ME. 

É por causa destas pedagogias infantis que os alunos entram no 10º ano a pensar que a filosofia é uma disciplina para dizerem as suas opiniões e antes de saberem alguma coisa da proposta de solução de um filósofo para um problema, só pelo tema, dizem logo que não estão de acordo, ou que estão. E quando lhes pergunto como podem saber se estão ou não de acordo se ainda não sabem como o filósofo em questão justificou a sua posição, dizem que todos têm direito à sua opinião. E quando respondo que o direito jurídico de dizer parvoíces não entra nas aulas de filosofia onde convém investigar e pensar antes de falar, alguns ofendem-se porque sentiram-se desconfortáveis e infelizes por não poderem dizer baboseiras.

Calculo que o ME, um dia que precise de um médico, escolha um que nunca se tenha sentido desconfortável ou infeliz e só tenha estudado o que o fazia feliz e tenha sempre insistido em que as suas opiniões é que contam, mesmo que as observações empíricas mostrem outra coisa ou o refutem. Devia ser obrigado a ir a um desses.

Não há pachorra para tanta parvoíce.


2 comments:

  1. Brilhante!

    Mesmo com esta idade, gostaria de ter aulas consigo de Filosofia. A cada dia que passa, mais concluo que nada sei e que, na maior parte das vezes, quando damos opinião, estamos apenas a debitar umas baboseiras pretensiosas, dado que estamos convencidos de que estamos a pensar.

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  2. Como reduzir o diálogo a bocas na internet?

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