JP: A certa altura, no livro, diz: "Por detrás de cada regra fina há uma regra forte, que limpa tudo".
LD: Sim. Quando escrevi essa frase tive uma imagem mental muito vívida dos pobres moderadores do Facebook a terem de desfazer os danos causados pelos algoritmos do site. Mas é um problema muito mais geral: as regras finas têm má consciência; nunca são tão finas como fingem ser. Estamos sempre a aplicá-las mauvaise foi [de má fé], porque temos muitas vezes de as ajustar, dobrar e até quebrar. Por exemplo, quem ensina é constantemente confrontado com alunos que têm circunstâncias especiais, necessidades especiais, que perguntam se as regras podem ser, se não dobradas ou quebradas, pelo menos ajustadas. Ou seja, no fundo, somos todos casuístas e, no fundo, somos casuístas que fingem administrar regras finas, inequívocas e inflexíveis.
(...)JP: Tem um argumento sobre o aparecimento do algoritmo, especificamente as leis da aritmética, que diz serem anteriores à tecnologia actual. Mas, relativamente à galinha e o ovo: pensa que as pessoas passam a valorizar mais os algoritmos e, por isso, temos certas tecnologias? Ou as tecnologias surgem e tornam os algoritmos mais atractivos?
LD: No período do pós-guerra e talvez mesmo depois da disseminação dos computadores pessoais no final dos anos 80 e início dos anos 90, não só há uma enorme amplificação das aplicações dos algoritmos, como também estes se tornam quase uma prótese para nós.
Muitas das nossas formas de pensar estão a ser moldadas pelas horas e horas e horas que passamos a interagir com algoritmos. A forma mais intuitiva que me ocorre para tornar isto evidente é aprender a procurar algo no Google, em vez de preparar um índice convencional.
Quase sem nos apercebermos, formulamos a sintaxe das pesquisas em termos de consultas e não como substantivos modificados por frases qualificativas: "Quando foi a Guerra das Rosas?" versus "Guerra das Rosas, datas".
Esta não é a primeira vez que estas tecnologias se infiltram nas nossas formas de pensar. A escrita é o exemplo mais óbvio, tanto a leitura como a escrita. Saber utilizar intuitivamente os algoritmos de pesquisa tornou-se naquilo a que por vezes se chama uma 'técnica cultural', que é mais do que uma simples técnica. É mais do que uma ferramenta, é uma forma de pensar.
(...)
JP: No livro, não fala muito sobre a infância; são sobretudo exemplos de adultos. Mas, a certa altura, diz que as crianças compreendem intuitivamente como seguir mas não imitar o exemplo dos pais. Talvez pudesse falar mais sobre essa noção de seguir sem imitar. Temos todas estas palavras como imitar e macaquear que diminuem a emulação, mas há outra forma de emulação positiva.
LD: Perdemos um vocabulário, mais discriminatório, sobre estas formas de seguir que contrastam com um exacto fac-símile. Veja, a Eneida não é uma imitação da Ilíada e o Paraíso Perdido não é uma imitação de nenhuma delas, mas podemos ver que pertencem a uma linhagem comum. Milton tinha interiorizado profundamente tanto a Ilíada como a Eneida.
LD: Tenho dois. As Regras de S. Bento, que é o conjunto de preceitos do século VI sobre como gerir uma ordem monástica, e que continua a ser seguido em comunidades monásticas por todo o mundo, do Arizona a Monte Cassino, em Itália. É bastante típico - na verdade, prototípico - de regras fortes em acção. E o outro é o Joy of Cooking, o arquétipo do livro de receitas à prova de idiotas com que muitos de nós crescemos.
EF: Adoro a escolha de Joy of Cooking, porque é a partir do cumprimento das regras que surge a alegria. Capta na perfeição a interacção entre a criatividade, o caos delicioso e as regras.
JP: Tenho de ir buscar o meu exemplar de Joy of Cooking agora mesmo. Isto foi um verdadeiro prazer.
LD: Foi um prazer falar com ambos.
Só pelo excerto da entrevista já eu comprava o livro - estando em tradução portuguesa. Se não, paciência, há-de haver outra forma de salvar uma pessoa:)
ReplyDeleteBom dia
Bom dia
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