Professor, o empregado que financia o patrão – António Fernando Nabais
Os políticos portugueses, de uma maneira geral, não têm visão estratégica. Quando se fala de Educação e de professores, dois assuntos que não é possível separar, a falta de visão é total, não conseguem sequer distinguir cores, embora a linguagem pareça desmenti-lo, porque está cheia de boas intenções, as mesmas que ocupam grande parte do Inferno, como se sabe. Que respeitam os professores, que querem dar autonomia às escolas e um longo etc. plasmado em decretos, normas e discursos. Palavras, palavras, palavras.
Quando os professores exigem a reposição do tempo de serviço e o fim das quotas no acesso a dois escalões, a resposta vem carregada de termos economicistas que se reduzem à velha questão de não haver dinheiro, o que não deixa de ser obsceno, tendo em conta os dinheiros públicos deitados ao lixo em tantas situações, num longo rol de parcerias público-privadas, com essa ou com outra designação. Os professores são, dizem-nos implicitamente, muito caros.
Ora, a verdade é que os professores são responsáveis por poupanças milionárias, dispensando o Estado, ou seja, o patrão, de gastar dinheiro que deveria ser da sua responsabilidade. Passemos a alguns exemplos.
Os professores pagam do seu bolso as deslocações e/ou o alojamento necessários ao desempenho das suas funções. O carro de um professor, quando o leva até à escola onde trabalha, está ao serviço do Estado sem que este desembolse um único tostão, algo que não acontece no privado ou, a acontecer, está errado. O quarto ou o apartamento que o professor arrenda, para suprir necessidades do Estado, é pago pelo empregado, sem o mínimo apoio do patrão.
No que se refere, ainda, a estas questões de alojamento e de deslocação, realce-se que são os professores contratados ou em início de carreira que estão mais sujeitos a estes gastos, por não conseguirem colocação perto de casa, o que não os torna, contudo, desnecessários ao sistema. Entre os professores, são os que menos ganham que ainda financiam mais o patrão.
Os professores pagam do seu bolso muitas despesas relacionadas com a formação contínua. Note-se que um professor nunca está completamente formado ou informado. Uma licenciatura e um estágio pedagógico são pontos de partida decerto fundamentais, mas não esgotam a formação que deve ser, exactamente, contínua. O professor, ao longo da sua vida profissional, será sempre um estudante, terá de comprar livros, frequentar eventos que, de modo mais ou menos directo, servirão para o tornar mais culto e, portanto, mais capaz.
O sistema de formação contínua formal, assente nos centros de formação espalhados pelo país, tem sido sujeito a uma pressão que sobrevaloriza o comoensinar, relegando para uma quase extinção a formação científica e as didácticas específicas. Os professores, preocupados em compensar esta enorme falha do sistema, ficam obrigados a recorrer a formação paga, quando essa formação deveria ser fornecida pelos centros de formação. Mais uma vez, são os professores a tirar do seu salário o que deveria ser investimento do patrão.
Entretanto, os professores que são artificialmente impedidos de progredir na carreira, mesmo quando reúnem as condições suficientes ou necessárias para tal, ficam a marcar passo, continuando a receber menos do que deveriam, o que permite ao patrão meter mais dinheiro ao bolso ou meter mais dinheiro nos bolsos errados. Ao mesmo tempo, todos os professores do continente continuam a aguardar a reposição de tempo de serviço sonegado, o que corresponde, na prática, a um empréstimo que o Estado não quer pagar.
Os professores que são chamados para classificar exames de secundário estão quase sempre a trabalhar para o ensino superior, desempenhando funções que não lhes pertencem. Esse facto foi reconhecido durante muito tempo, quando eram pagos para classificar os referidos exames. A dada altura, de um ano para o outro, o Estado decidiu deixar de pagar, recorrendo a um outsourcing sem necessidade de despesas, explorando os mesmos funcionários a quem dantes pagava. Relembre-se que este é um serviço de aceitação obrigatória.
Tal como os automóveis privados dos docentes, muito do material dos professores está ao serviço do Estado, sem que este contribua com um cêntimo. Foi, por exemplo, graças aos computadores dos professores que, durante a pandemia, foi possível, apesar de tudo, manter as escolas em funcionamento. Os gastos com diverso tipo de material mantêm-se, poupando ao patrão a simples obrigação de fornecer uma simples esferográfica ao funcionário.
Até há cerca de vinte anos, os cargos de coordenação ou de orientação de estágio implicavam a redução do horário lectivo, o que correspondia, claro, ao pagamento desses cargos. Neste momento, esses cargos obrigam os professores a dispor do seu tempo, mesmo que se recorra ao subterfúgio de usar horas não lectivas. Na prática, e mais uma vez, há professores que têm trabalho e responsabilidades acrescidas e que não são pagos para isso, poupando mais dinheiro ao patrão.
Os exemplos poderiam continuar, mas seria interessante fazer as contas relativamente àquilo que professores são coagidos a poupar a um Estado que é um péssimo patrão. Fica, no entanto, uma certeza: os professores são credores de muito dinheiro.
As escolas têm, ainda, muitos problemas para além destes e é frequente acusar-se os professores de corporativismo, mas, na verdade, o corporativismo está para as classes profissionais como o instinto de sobrevivência está para o indivíduo. A luta dos professores é justíssima e, de tão espoliados, talvez até seja branda. O Portugal democrático conseguiu criar um país em que os alunos e os encarregados de educação são respeitados. Falta fazer o mesmo com os professores e isso implica dinheiro, sem dúvida.
Professor de Português e de Latim
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