Bem, numa frase, para controlar o que os professores fazem.
As coisas começaram com mérito, mas depois descambaram. Havia grande discrepância nas notas de exame consoante os professores que classificavam as provas de exame e isso introduzia injustiça relativa entre os alunos e nas suas possibilidades de acesso a certos cursos onde a entrada passou a conseguir-se por décimas.
Para resolver esse problema começou a fazer-se reuniões de correctores de exame, por concelho, para acertar critérios comuns de correcção. Já havia dados sobre a média de discrepância nas classificações em cada disciplina. Sabia-se que na Matemática a discrepância era relativamente pequena, mas no Português ou na Filosofia, por exemplo, era gigantesca. Isso deve-se a estas últimas disciplinas terem, naquela época, uma maioria de questões de resposta aberta, de desenvolvimento, cuja avaliação é muito mais subjectiva.
Combinávamos entre todos, nessas reuniões, critérios comuns de avaliação das questões de interpretação mais aberta e, por isso, sujeita a subjectividade. É claro que, mesmo assim, haveria sempre algumas diferenças na avaliação consoante o professor-corrector valorizava mais ou menos, por exemplo, o aluno usar conceitos filosóficos, discorrer o discurso com clareza, etc., mas isso será sempre assim, dado que somos pessoas diferentes e a única maneira de acabar com isso é, ou fazer exames só de cruzinhas ou acabar com os exames - onde estamos agora.
Num primeiro momento quiseram formar professores para serem especialistas em classificar exames e terem todos exactamente os mesmo critérios - como se isso fosse possível. Em cada disciplina escolhiam um ou dois professores das escolas que costumavam dar os anos de exame para fazer uma formação de dois anos sobre, 'como corrigir exames' (todos corrigíamos exames há 30 anos ou assim...). Isso foi um grande erro pedagógico que prejudicou os alunos dos professores que não classificavam exames e que, por isso, estavam por fora dos novos critérios apertados das classificações de exame.
Fui uma das pessoas que tive de fazer essa formação, contra a minha vontade e depois, como castigo, era sempre a primeira a ser chamada para essa tarefa, nas duas fases de exames. Um enorme massacre. Só me safei no ano em que me diagnosticaram um cancro porque em Junho e Julho estava de baixa a fazer tratamentos de quimioterapia e de rádio, mas logo no ano a seguir, em que trabalhei todo o ano enquanto fazia tratamentos de imunoterapia de 15 em 15 dias, lá estava eu em 1º lugar na folha dos requisitados. Enfim... isto foi um desabafo... voltando à vaca fria, foi nesse momento que divorciaram os exames dos currículos.
Falo da disciplina de Filosofia porque conheço ao pormenor o que foi feito e como, mas sei que o mesmo foi feito em outras disciplinas. Para controlarem ao máximo a avaliação do professor, retiraram quase todas as perguntas de resposta aberta que substituíram por escolhas múltiplas, preencher espacinhos em branco, etc.
Os exames deste tipo não acompanham o currículo, que pede capacidade de análise, de crítica, de raciocínio complexo, argumentativo, relacional, etc. É muito diferente avaliar uma resposta de desenvolvimento onde acompanhamos o discorrer do raciocínio do aluno, a sua arquitectura, a discussão dos conceitos, etc., que avaliar perguntas de resposta meio fechada onde só vemos se o aluno percebeu a questão e se sabe a resposta mas não se percebe o processo do seu pensamento. Ora, na filosofia, isso é o principal e não o saber que há 3 argumentos a favor disto e 2 contra. Empobreceram os exames para controlarem os professores.
Enfim, a partir daqui passou a ter de haver um treino à parte para os alunos fazerem o exame, dado que o tipo de questões do exame são muito diferentes dos objectivos do currículo e das avaliações que se fazem nas aulas - ao contrário do que acontecia antes em que trabalhar o currículo e treinar os alunos para exame eram um e o mesmo processo. Isto tudo para anular o professor enquanto pessoa individual. De facto, muito professores passaram a fazer apenas questões de exame nas aulas e deixaram de ter espaço para outro tipo de avaliação para não confundir e prejudicar os alunos. (aquilo que o ME diz que é, 'se os alunos souberem respondem a todo o tipo de questão' é une sottise, como todos que têm de fazer ou treinar para exames sabem)
Os critérios de classificação tornaram-se cada vez mais complexos e apertados para as poucas questões não fechadas, para não termos classificações diferentes, com orientadores online a dizer, 'aqui tem que interpretar exactamente desta maneira e ali tem de considerar errado isto e aquilo e só pode aceitar este conceito...'. Acontece que muitas vezes não estou de acordo com as interpretações. E porquê? Porque outra maneira de controlarem os professores e não nos deixarem ter critérios próprios de pensamento foi modificar os manuais escolares.
Os manuais escolares, durante dezenas de anos, eram constituídos, sobretudo, por textos dos autores/filósofos, acompanhados de explicações para que um aluno pudesse seguir autonomamente, mas suficiente abrangentes para acolher professores de sensibilidades diferentes. Portanto, cada professor, consoante a sua sensibilidade e juízo crítico, seleccionava os textos dos filósofos segundo o modo como queria abordar os temas a trabalhar. Meu Deus!! Isso era deixar os professores pensarem pela sua cabeça... não podia ser... de maneira que de há uns anos para cá, impuseram manuais praticamente sem textos dos filósofos e cheios de textos e explicações dos próprios autores dos manuais (isto aconteceu em outras disciplinas) que são escolhidos pelo ME para as suas orientações essenciais.
Chega ao ponto de ter nas margens do manual do professor o que o professor deve dizer, que exemplos deve dar neste tema, etc., não vá o professor ter o descaramento de se desviar do texto bíblico que querem fazer passar aos fiéis... e incentivam os alunos a ir à internet, ao site dos autores do manual e pedirem-lhes explicações, não vá o professor pensar por si mesmo, o que eles interpretam como ser atrasado e não perceber as suas inovações...
Raramente uso os manuais porque são dogmáticos e porque valorizo o pensamento dos filósofos e não o pensamento redutor de autores de manuais e fazedores de aprendizagens mínimas, mas nos casos em que uso (este ano já usei uns esquemas no tema da Religião), mostro essas margens aos alunos para eles perceberem o que é a manipulação do pensamento.
Portanto, se um professor usa o manual para trabalhar, o que a maioria faz porque aquilo custa dinheiro aos pais, acaba por papaguear a ideologia destes pseudo-inovadores da moda e depois é essa ideologia com os seus conceitos próprios e propostas que aparece nas questões do exame. Ora, como não estou de acordo com esta metodologia, nem com estas interpretações, acontece não concordar com as interpretações obrigatórias dos orientadores de classificação de exames.
Como tudo isto, mesmo assim, não conseguiu, obviamente, acabar com as diferenças entre professores e transformar todos os professores em ovelhas a balir para o mesmo lado, acabaram com os exames quase todos que é uma maneira de não terem estes problemas de ter professores que pensam sem pedir autorização ao ministro. Ainda por cima poupam dinheiro, podem escapar à avaliação das suas políticas e ainda podem dizer que foi para nos poupar burocracia. 😁
Fazer com que todos os professores trabalhem os temas da mesma maneira e avaliem os alunos da mesma maneira não só não é possível, como não é desejável: qual seria a diferença ou benefício de ter este professor em vez daquele? Pois, nenhum.
Percebem agora o objectivo do ministro e dos seus seguidores? Controlar. Já quase acabaram com a disciplina de História porque tem muito pano para interpretação. A Filosofia, tentam reduzi-la à Lógica. O que se quer é acabar com o professor enquanto educador, pessoa que acompanha um aluno no seu desenvolvimento global e transformá-lo num burocrata de aplicar metodologias e critérios de avaliação decididos por uma equipa (a dele) e impostos a todos - qual caderninho vermelho. Isto não é a total falta de respeito pelas pessoas enquanto profissionais e indivíduos? Quem é que ele pensa que é? Deus?
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