January 14, 2023

"Aos professores, o meu desabafo"

 


Aos professores, o meu desabafo
Todos nós, se fizermos algum esforço de memória, nos lembramos quem foi o professor que mudou a nossa vida, e há sempre um. De igual forma, a grande motivação para se ser professor no século XXI é saber que há-de haver pelo menos um aluno, a quem «nós, professores», vamos mudar a vida.
Tenho para mim que os professores são heróis nacionais. E há muitos outros para além dos professores, sim eu sei. Ando, no entanto, a repetir este justo elogio desde 1990, pois tenho uma profunda admiração por aqueles que conseguem o que eu não fui capaz. Não falo aqui das correntes revindicações salariais dos 9 anos, 4 meses e 2 dias de que os professores são devedores, isso são contas de outro rosário; falo do dia a dia nas escolas, matéria que conheço bem, não só como professora no ensino público e particular, como mãe, como integrando a equipa de educação da C.M. de Lisboa e, nos últimos quinze anos, com autora de literatura infantojuvenil o que me leva a visitar as escolas numa perspetiva diferente e bem mais romântica.
Muito se tem teorizado sobre o assunto, mas só quem «viveu» os corredores de uma escola consegue avaliar a dimensão do desafio. Dar aulas hoje, é de tal forma complexo que à primeira vista não seduz ninguém. Como em todas as carreiras, há bons e maus profissionais, mas nem todas as outras carreiras exigem vocação e entrega total, resiliência e espirito de sacrifício para além das necessárias qualidades técnicas, cientificas e pedagógicas. Enfrentar, a uma segunda-feira de manhã, uma turma de adolescentes macambúzios do 8º ano, mal-dormidos, pouco atentos, desmotivados, agarrados ao telemóvel (dirão que não são todos assim, está claro!) não é igual a chegar a um escritório onde escudados pelo ecrã de um computador, podemos muitas vezes resolvermo-nos a nós próprios sem que ninguém nos importune. Na escola, todo e qualquer assunto intimamente «nosso», fica naturalmente à porta da sala de aula. Depois do toque, a única matéria que importa são os 30 adolescentes alguns deles ainda adormecidos, esparralhados nas cadeiras, que o professor tem de acordar, ensinar, motivar, compreender. É preciso esforço, empenho e total dedicação à causa. O atual estatuto do aluno e do professor tem pouco de justiça e subtrai ao professor a autoridade necessária para resolver casos difíceis que acontecem diariamente nas escolas: se um aluno insultar um professor, coisa que infelizmente é comum, o professor queixoso terá de enfrentar uma bateria de procedimentos burocráticos de tal forma morosos que o empurram para o caminho mais fácil: ignorar.
Numa sociedade como a nossa, em que tanto se fala de violência, aqueles miúdos vitimas muitas vezes de maus tratos familiares, trazem essa carga pesadíssima para a escola, território de absoluta impunidade onde o «rei» manda desaprender, descomportar, ameaçar, violentar e pior: fazer com que tudo isso toque na corda mais sensível dos profissionais: a psicológica.
Revi há pouco tempo o filme francês «A Turma» de Laurent Cantet galardoado com a Palma de Ouro no Festival de Cannes, em que seguimos um ano letivo de um professor e da sua turma. A ação passa-se numa escola de um bairro problemático de Paris, espelho dos contrastes multiculturais dos grandes centros urbanos e é precisamente este o desafio: acompanhar o quotidiano de uma turma em que o poder do professor vai muito para além de ensinar: o professor tem de salvar ou quem morre é ele próprio.
Nenhum país progride sem educação. Eu dou-me por satisfeita de pagar impostos e que estes impostos sirvam para financiar uma escola publica que eu quero cada vez melhor, mas atenção: a batalha diária desigual, difícil e extenuante dos professores nunca é falada e, se o fosse, era recebida pela maior parte da população com um vago encolher de ombros. Numa sociedade tão competitiva como a dos nossos dias que precisa de rankings para estimular, elogiar e selecionar as escolas, muitas vezes comparando realidades que não são comparáveis, os professores tudo fazem, substituindo com frequência os pais e sempre pelas melhores razões: criar o interesse e a curiosidade nos alunos, já que são estes os motores de arranque. As razões de um e outro lado nunca acabam, dariam muitas páginas de texto, todavia sempre que posso gosto de sublinhar este facto: aos 23 anos eu ainda tinha esperança na minha vocação, mas ao fim de apenas quatro, percebi que perdera a batalha. Enquanto lemos este texto, nas escolas à nossa beira, os professores lá estão, de mangas arregaçadas, nas piores ou nas melhores condições. Julgo que toda a sociedade lhes devia estar grata.
Os professores portugueses merecem a minha total admiração e respeito.

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