January 19, 2023

A teoria mimética e os perigos da hipocrisia




É uma teoria de René Girard - inspirada em Hanna Arendt.

Para Girard, tendemos a escolher valores com base no que sentimos sobre as pessoas associadas a esses valores e não tanto por uma reflexão racional.

Se associo um certo valor, como a protecção ambiental, por exemplo, àqueles que admiro, eu próprio o adopto mais prontamente mas, se o associo àqueles que desprezo, sou como que empurrado para a sua antítese. 
Qualquer valor defendido por um hipócrita perde a sua respeitabilidade e credibilidade.

Para Girard, as pessoas sentem-se repelidas existencialmente pelos hipócritas. Assim, os progressistas hipócritas são muito mais perigosos para o progresso do que os reaccionários. Por exemplo, o clero católico libertino é mais responsável pela queda do cristianismo do que os ateus.

Não somos homo-economicus, agentes racionais que maximizam uma função de utilidade objectiva. Somos animais sociais, exaltados, propensos à comparação e ao ressentimento. A nossa repulsa natural à hipocrisia está no cerne dos nossos sistemas de valores.
  

O nosso desejo, diz René Girard, nasce sempre da imitação do desejo de outrem, visto como modelo e, se a própria sociedade não conseguir introduzir uma hierarquia entre o sujeito que deseja e os seus modelos, a imitação tende a tornar-se antagónica.

O sentimento de hipocrisia pode assim tornar-se uma matriz de conflitos que conduzem ao ressentimento e à violência colectiva. Esta é uma das ideias fundamentais de Hannah Arendt em "As Origens do Totalitarismo". 
(Emmanuel Ruimy)

Como pôde a Alemanha ter aberto os braços aqueles nazis de tipo mafioso? A ascensão da extrema-direita, explica Hannah Arendt, foi causada pela hipocrisia da esquerda. A Alemanha foi a ponta de lança do Iluminismo. Durante séculos, defendeu os valores progressistas da razão e da compaixão. A Alemanha não foi tanto levada para os valores dos nazis, foi sobretudo afastada dos valores progressistas da classe dominante.

Antes dos nazis, a Alemanha era dominada pela burguesia capitalista que desfilava os seus valores progressistas, não muito diferente dos wokes de hoje. Estes "burgueses liberais", como lhes chamou Arendt, eram hipócritas que não acreditavam de modo algum nestes valores. Anunciaram publicamente a sua compaixão, tolerância e preocupação pelas vítimas, mas em privado, só se preocupavam com o lucro, agiam como uma clique e até zombavam destes valores.
Esta óbvia hipocrisia enojou o povo. Esvaziou os valores humanistas e fez com que a consistência nazi parecesse refrescante.
Ao contrário dos burgueses liberais que se afirmavam como iluminados mas agiam como mafiosos, os nazis não escondiam os seus valores e isso apareceu como sincero, honesto. De modo que, foi menos a Alemanha a ser atraída pelos valores mafiosos dos nazis e mais a hipocrisia repugnante dos líderes progressistas a afastar as pessoas. Nas próprias palavras de Arendt:
"Uma vez que a burguesia afirmou ser a guardiã das tradições ocidentais e confundiu todas as questões morais, desfilando publicamente virtudes que não não possuía na vida privada e empresarial e na realidade desprezava, começou a parecer revolucionário e autêntico admitir a crueldade ..."
Johnathan Bi
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Não estando a comparar a realidade portuguesa com o que se passou naquela época, não há dúvida que vivemos tempos em que os governantes e líderes em geral põem uma máscara pública de virtude e falam até à exaustão de democracia, povo, valores, justiça, etc., mas em privado (que nestes tempos de tecnologia digital se torna logo público) comportam-se como uma clique que, na sua prática, despreza todos esses valores que apregoam e comportam-se como autoritários que promovem o abuso do poder, o esbulho do dinheiro público, a desigualdade socio-económica, a rapacidade e a desresponsabilização pessoal e política. Não se pode esperar que tudo isto aconteça sem consequências. 

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