Não admira que os alunos depois tenham opiniões sobre o que não sabem: os pais dão-lhes o exemplo. Por exemplo, este indivíduo deve ter comentado com o filho as baboseiras que aqui diz, de maneira que talvez o filho -os filhos ouvem os pais- depois vá para as aulas com a opinião de que está a aprender coisas que não interessam porque complicam o que é simples. A quantidade de alunos que à entrada no 10º ano nos dizem, 'porque é que a professora usa palavras complicadas que não conhecemos?' De quem terão ouvido estas 'opiniões'? Se os alunos vêm à escola aprender o que já conhecem e saírem de lá com o vocabulário com que entraram, qual é o propósito?
Adiante. Ao contrário do que este senhor diz, aprender a 'fazer contas' com zero sem perceber que é um elemento neutro nas operações e porquê, isso é que é decorar. Ao contrário do que este senhor diz, a aprendizagem da matemática não se faz independentemente da linguagem, pois a matemática são conceitos, ideias, apenas que expressas em símbolos próprios e quanto mais cedo os alunos compreendem que há uma relação entre as operações que fazem com certos símbolos, a linguagem e a realidade material, melhor a compreendem e praticam, em vez de apenas decorar fórmulas e resolver sem saber o que são as coisas com que trabalham. Portanto, ao "fazer contas" como este senhor diz, os alunos que compreendem a propriedade distributiva da multiplicação ganham maleabilidade no cálculo mental em vez de apenas decorarem, 'como se faz esta conta com este sinal operativo'.
Também a aprendizagem da linguagem se faz com referência à Lógica, dado que a linguagem tem uma estrutura lógica que se expressa na gramática. Compreender a composição morfossintática das palavras é perceber a origem das palavras e a lógica da sua associação. Portanto, ensina a pensar nas palavras. Logo, ensina a pensar, pois os conceitos são a ferramenta do pensamento. A maioria dos alunos que me vêm parar às mãos no 10º ano, não é autónoma na linguagem, não sabem pensar nas palavras e chegar sozinhos ao significado de um termo, justamente porque lhes falta essa compreensão. Reconhecer nas palavras um radical ou uma associação morfossintática é aprender que as palavras já trazem em si pistas para a sua compreensão (morfo + sintática). E se os alunos não são ensinados a compreender a lógica por detrás da gramática, então é que o seu ensino é mero decoranço. Portanto, o oposto do que diz.
Mas lá está: todos os dias vamos dar com artigos de 'opiniões' de pessoas que não percebem nada de educação mas falam como especialistas. Mais os que não escrevem artigos nos jornais mas vomitam estas opiniões para os filhos ouvirem e ficarem com a ideia que andam a aprender coisas que não interessam.
Os burocratas do ensino
José Cabrita Saraiva
Um destes dias, um dos meus filhos perguntou-me se podia imprimir umas quantas folhas, julgo que de uma apresentação de Powerpoint, que a professora de Matemática tinha mandado. Curioso, fui espreitar o que diziam, até para perceber o que ainda recordava do ensino preparatório. As folhas falavam de coisas extraordinárias.
Por exemplo, da “propriedade distributiva da multiplicação em relação à subtração”, da “propriedade da existência de elemento neutro da adição”, da “propriedade comutativa da adição”, etc. Resumindo: acabei por ficar com alguma pena dos jovens estudantes, que têm de empinar todo aquele palavreado.
As propriedades, em si, são relativamente simples – o tal “elemento neutro da adição” não é nada mais do que o zero.
Mas existe uma tendência em certos setores da educação para complicar o que é simples.
Não é só na Matemática. Olhando para o programa de Português do sexto ano, por exemplo, encontramos tópicos como: “distinguir composição morfológica e morfossintática” ou “distinguir complemento direto de predicativo do sujeito”.
Pode argumentar-se que não vem mal ao mundo por as crianças aprenderem de pequenas a mecânica da língua e os nomes das regras da matemática. Eu sentir-me-ia tentado a argumentar o contrário: ninguém precisa de conhecer a “propriedade distributiva da multiplicação” para saber fazer contas, nem de saber o que é a “composição morfossintática” para falar corretamente. Estas definições com palavras complicadas roubam tempo a matérias que podem ser interessantes e só contribuem para tornar a escola mais aborrecida.
O problema não é deste ou daquele professor, é dos burocratas do ensino, que sempre existiram, mas hoje parecem ter mais margem para impor as suas regras. Os burocratas que falam em “expressão numérica” e que preferem classificar palavras em função do número de sílabas a ensinar a apreciar a beleza de um texto. Se calhar também é por causa deles que são cada vez menos os miúdos que sabem coisas simples como fazer contas ou escrever corretamente.
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