October 13, 2022

A realidade não desaparece só porque se escolhe ignorá-la

 


Gosto de saber como pensam as outras pessoas. Sigo no twitter uma professora universitária inglesa de origem africana. É feminista, lésbica, defensora dos trans e, para variar, detesta os europeus. Quando a rainha de Inglaterra morreu escreveu que esperava que ela tivesse morrido no maior dos sofrimentos para pagar ter sido uma imperialista abjecta que levou o sofrimento aos outros povos. 

A Europa, como sabemos não foi a única a ter impérios e povos colonizados: a Rússia, a China e muitos povos antes dos gregos, em África, tiveram impérios com povos colonizados à força de guerras. Adiante. 

A questão é que a rainha de Inglaterra herdou um reino imperialista e colonizador e passou o reinado todo dela a descolonizar, a apoiar a independência dos povos, a lutar contra o apartheid e a favor do entendimento pacífico entre os povos. Fê-lo, no âmbito de uma sociedade que já há muito tinha abolido a escravatura e tinha, entre os seus intelectuais, uma grande maioria de defensores da descolonização que se fizeram ouvir. 

Todo os países que contam na sua sociedade com uma corrente de pessoas de influência, intelectuais e outras pessoas esclarecidos foram defensores da descolonização. Alguns foram-no mais cedo, como a Inglaterra e os EUA que defendiam a auto-determinação dos povos e outros foram-no mais tarde (como nós, que impusemos uma guerra em África para continuar a colonização) justamente porque não tinham uma sociedade emancipada e livre capaz de perceber o inevitável e defender o justo. 

A Rússia, não apenas Putin, está nessa situação de não ter uma sociedade emancipada, uma comunidade de intelectuais que façam uma revisão histórica dos seus erros e por isso não os reconhecem e muito menos os ultrapassam. Daí vermos que mesmo os que fogem à guerra e os que são contra ela não denunciam o colonialismo imperialista do comportamento da Rússia nos últimos 100 anos, nem sequer nos últimos 20 anos. A maioria da população continua a pensar que Estaline foi um grande líder porque foi um colonizador eficaz e conseguiu-lhes um império. A maioria dos alemães não considera que Hitler e os nazis tenham sido grandes líderes que conseguiram grandes coisas e dos quais têm muitas saudades. Passaram as últimas décadas a lidar com os erros do passado.

Portanto, há um trabalho intelectual e catártico por fazer na sociedade russa e enquanto Putin for poder ele nunca será feito: porque Putin é a continuidade da sociedade colonizadora soviética e porque impôs um Estado ditador militarizado. 

Os russos precisam de uma nova Glasnot e de um grande movimento de discussão e reconhecimento do erros do passado como fizeram e ainda fazem os países europeus. A Rússia ignora a realidade daquilo que é na esperança de que ela não se veja. Portanto, o problema da Rússia -que não se reduz a Putin- só se resolve quando a Rússia for honesta consigo mesma e com o seu passado.


1 comment:

  1. Ai, se fosse eu (ou a Beatriz) a dizer que detesto os africanos, ou os indígenas americanos...

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