August 08, 2022

Os lucros obscenos dos predadores não podem ter a cumplicidade dos políticos





Ishaan Tharoor

Durante meses, o aumento da inflação tem vindo a assolar tanto as nações pobres como as ricas. Os custos crescentes, que atingiram máximos de 40 anos, são em grande parte graças aos efeitos globais em cascata da pandemia combinados com as súbitas perturbações da cadeia de abastecimento e do mercado energético que se seguiram à invasão russa da Ucrânia. Os seus efeitos têm sido profundos e de grande alcance.

Alguns países já estão a braços com dolorosas contracções económicas; para outros, incluindo os Estados Unidos, a perspectiva de recessão parece estar ao virar da esquina. A Europa, ludibriada pela sua dependência do gás russo, está a preparar-se para o que está a ser facturado como um "Inverno de desespero". Agências de ajuda e funcionários da ONU alertam para a perseguição da fome no planeta, à medida que os aumentos de preços empurram os produtos para fora do alcance de dezenas de milhões de pessoas. O turbilhão macroeconómico global já entrou em colapso, com uma economia em desenvolvimento e endividada (Sri Lanka), enquanto outras nações (Zâmbia, Laos e Paquistão, para citar algumas) se encontram à beira do colapso.

Mas para as grandes empresas multinacionais de combustíveis fósseis, tem sido o melhor dos tempos.
Relatórios recentes sobre os lucros do segundo trimestre apresentaram números impressionantes: A BP, 8,5 mil milhões de dólares. A ExxonMobil foi mais longe - os seus 17,9 mil milhões de dólares de rendimento líquido foram o seu maior lucro trimestral de sempre. A empresa americana Chevron, a Shell com sede em Londres e a francesa TotalEnergies também registaram resultados de sucesso de bilheteira. Juntas, estas cinco grandes empresas fizeram 55 mil milhões de dólares neste último trimestre, com centenas de milhões de pessoas em todo o mundo a suportaram o aumento dos preços.

Mesmo antes da invasão russa da Ucrânia, as agências da ONU estimaram que cerca de 828 milhões de pessoas - um décimo da população mundial - ficaram subnutridas em 2021. Agora, cerca de 50 milhões de pessoas em 45 países estão à beira da fome, de acordo com o Programa Alimentar Mundial da ONU, prevendo-se que as condições se agravem até ao final do Verão do hemisfério norte.
"Os orçamentos domésticos em todo o lado estão a sentir a agressão dos preços elevados dos alimentos, dos transportes e da energia, alimentados pela ruptura climática e pela guerra", disse Guterres na semana passada. "Isto ameaça uma crise de fome para as famílias mais pobres e cortes severos para as pessoas com rendimentos médios".

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(As guerras e as grandes crises são, sabemo-lo pela história, grandes oportunidades para predadores enriquecerem. Não são só as companhias pretrolíferas: são as de produtos alimentares, são os bancos que aumentam arbitrariamente comissões que não correspondem a nenhum serviço real, são as empresas farmacêuticas e os grupos de saúde, são as de entretenimento na internet e outras, a apresentarem centenas de milhões ou dezenas de milhares de milhões de lucros. Tudo à custa da pobreza alheia. Uma obscenidade. 
Vivemos num mundo com uma lógica regressiva aos anos 20 do século passado que viu nascer milionários como cogumelos por conta da disseminação da fabricação industrial,  em contraste com o crescimento desmesurado de pobres, devido ao desemprego que essa indústria criou e aos salários ao nível da fome que pagava por ter excesso de mão-de-obra à procura de trabalho. 
As «regras de mercado», como lhes chamam, sem nenhuma vigilância e correção ou regulação, geram cancros - crescimento desordenado de algumas células predadoras que matam todas indiscriminadamente para se desenvolverem e engordarem. É um crescimento ao mesmo tempo territorial e de sucção de recursos. São tão agressivas e matam tão bem que chegam a matar o organismo. 
Agora vemos um crescimento absurdo de milionários e bilionários à conta de fugirem ao fisco, de abusarem arbitrariamente dos preços e de pagarem miseravelmente aos trabalhadores. Tudo isto sem o menor incómodo da classe política. 
Há muitos sinais de degradação da justiça social e do crescimento alarmante das desigualdades sociais. Por exemplo, o preço obsceno das casas impede o direito à habitação, o preço obsceno de certos medicamentos (e dos actos médicos) impede o direito à saúde e até à vida. O desaparecimento das classes médias. O crescimento das grandes marcas do segmento de super-luxo. A Chanel, por exemplo, agora tem lojas para os excessivamente ricos, para os bilionários, diferentes das outras que de qualquer modo já eram para pessoas ricas. Quando o segmento de luxo e super-luxo começa a crescer exponencialmente é sinal que há muita gente a enriquecer obscenamente; ora, isso acontece à custa do alargamento, também exponencial, de pobres. 

Precisamos de fazer na economia aquilo que estamos a tentar fazer no que respeita à guerra da Rússia na Ucrânia: não deixar que um país predador possa, como um cancro, invadir outros porque quer lucrar, de uma maneira ou de outra com a miséria e a morte alheias. 
Também na economia tem de haver uma maneira de não deixar que uma companhia, seja petrolífera, de alimentos, de medicamentos, de produtos, tipo Amazon, de serviços de internet ou outras, crescer desmesuradamente à custa de praticar preços obscenos ou de abusar de direitos ou de tratar os trabalhadores como escravos e de não pagar impostos.
É preciso pressionar os políticos para pressionarem essas companhias a pagar impostos correspondentes aos lucros que têm, porque se esperamos que os homens dessas companhias predadoras, tenham um mínimo de decência e considerem os outros como seres humanos com direito a uma vida, nem daqui a um milhão de anos. Os políticos têm de ser os primeiros a dar o exemplo de honestidade, interesse e cuidado com os concidadãos porque são eleitos.

É preciso encontrar uma maneira da predação não ser premiada. Era melhor que as pessoas e os países tivessem consciência que o planeta tem recursos limitados, que não é possível crescer continuamente, que não é possível manter uma competição desenfreada, que nalguns sectores é preciso uma colaboração urgente e bem intencionada para salvar o planeta, que uma sociedade onde todos têm o necessário para uma vida equilibrada e digna é melhor para todos, não só económica, mas também politicamente e em termos de paz social - tal como um corpo onde todos os orgãos estão saudáveis é melhor que um corpo que tem um coração ou um fígado extraordinariamente ricos, mas tem todos os outros orgãos na falência.

No entanto, como isso mostra ser muito difícil pois essas pessoas/grupos têm um padrão de pensamento predador, é preciso, entretanto, intervir para regular. Não vejo outro modo. 
Se alguém sabe outro modo que o diga.
No século passado, esse excesso de riqueza e de espírito predador de umas nações em relação a outras produziu duas terríveis guerras. Neste século pode produzir a falência de recursos de sustentação da vida de todos nós e dos nosso filhos.)

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