July 08, 2022

Sairam os rankings

 


Não sei para quê. O Estado perdeu o controlo sobre as notas dos colégios e não sabe nada do que lá se passa, só o que eles dizem e os exames deixaram de contar para a nota de maneira que não aferem coisa alguma.

Passei os olhos pelas notícias dos jornais acerca do assunto e o que vejo são textos a referir-se à educação como algo que funciona com fórmulas milagrosas: uma escola é boa porque ensina música, em outro é o diretor que a afina, em outra... quando sabemos que na educação nada funciona com receitas milagrosas. 

Vemos que, quanto mais disparidades económicas e sociais existem na sociedade mais se separam as escolas públicas das privadas (na saúde vemos o mesmo) em termos de resultados. Esses são os factos. Antes do 25 de Abril os Liceus públicos estavam sempre à frente dos colégios privados, pois os alunos dos Liceus eram uma minoria que vinha de certos contextos sociais. Por um tempo -nos anos 90- parecia que isso ia mudar-, mas depois veio a Lurdes Rodrigues e o novo endividamento do país com a injustiça social que desde então não tem parado de crescer.

Como este ministro aposta nas modas mais medíocres para o sistema porque têm mais ganhos políticos, não tenho esperança nenhuma.

Em França, o professor Jean-Paul Brighelli, autor do livro de grande sucesso, La Fabrique du crétin, publicou um segundo volume, intitulado "Em Direcção Ao Apocalipse Da Escola". Um título que reflecte a sua grande preocupação...

"A palavra de ordem é igualitarismo. A matemática moderna foi introduzida nos anos 70 para impedir que os pais ajudassem os seus filhos, para que os filhos fossem todos iguais. O francês foi transformado num assunto "técnico" para não favorecer as crianças da burguesia, que tinham uma melhor pena devido à sua educação... O pior é que tem o efeito oposto. Na realidade, a análise de Pierre Bourdieu, que mostrou em Les Héritiers que a escola reproduzia desigualdades, tornou-se agora uma realidade. Os métodos favoreceram aqueles que têm os meios para ajudar os seus filhos, para os enviar para escolas privadas - a começar pelo actual Ministro da Educação. Isto tem favorecido o entre-soi [a cunha]. De agora em diante, se já não pudermos recrutar com base em diplomas, levaremos os filhos dos amigos, aqueles que frequentaram as escolas secundárias certas, no bairro certo, aqueles que são considerados como sendo de boas famílias".

Em Junho saiu no Bac de francês um extracto do romance de Sylvie Germain Jours de colère (Gallimard). Segundo muitos estudantes o texto era "demasiado difícil" de analisar e levou a que lançassem a confusão nas redes sociais ao ponto de ameaçar de morte a romancista.

Le Figaro perguntou-lhe: Alguns estudantes do ensino secundário consideraram que o seu texto (para o baccalauréat geral de francês) e o de Leïla Slimani (para o baccalauréat profissional) eram "demasiado difíceis". Eram?
Sylvie Germais - Tenho muitas dúvidas porque estes textos não apresentam quaisquer dificuldades, não são herméticos. Devem agora ser apresentados extractos de livros infantis no baccalauréat? E seguidamente o que se faz? No baccalauréat de filosofia, o que farão quando forem confrontados com um texto de Platão, de Kant ou de Sartre? Devemos desistir à medida que o nível de alguns estudantes desce? Até onde devemos ir na direcção da facilidade e da mediocridade?
Seria melhor dar aos alunos um gosto precoce pela leitura, para despertar a sua curiosidade e o seu interesse pelo vocabulário. Não se pode trabalhar muito intelectualmente quando se tem um fraco domínio da língua, da sua estrutura e do vocabulário.

O excerto era este:

Sylvie Germain (née en 1954), Jours de colère, Chants, «Les frères», 1989 Situé dans un passé indéterminé, le roman de Sylvie Germain Jours de colère prend place dans les forêts du Morvan. Le texte suivant est extrait d’un chapitre intitulé «Les frères». Il présente les neuf fils d’Ephraïm Mauperthuis et de Reinette-la-Grasse.

«Ils étaient hommes des forêts. Et les forêts les avaient faits à leur image. À leur puissance, leur solitude, leur dureté. Dureté puisée dans celle de leur sol commun, ce socle de granit d’un rose tendre vieux de millions de siècles, bruissant de sources, troué d’étangs, partout saillant d’entre les herbes, les fougères et les ronces. Un même chant les habitait, hommes et arbres. Un chant depuis toujours confronté au silence, à la roche. Un chant sans mélodie. Un chant brutal, heurté comme les saisons, - des étés écrasants de chaleur, de longs hivers pétrifiés sous la neige. Un chant fait de cris, de clameurs, de résonances et de stridences. Un chant qui scandait autant leurs joies que leurs colères.

Car tout en eux prenait des accents de colère, même l’amour. Ils avaient été élevés davantage parmi les arbres que parmi les hommes, ils s’étaient nourris depuis l’enfance des fruits, des végétaux et des baies sauvages qui poussent dans les sous-bois et de la chair des bêtes qui gîtent dans les forêts ; ils connaissaient tous les chemins que dessinent au ciel les étoiles et tous les sentiers qui sinuent entre les arbres, les ronciers et les taillis et dans l’ombre desquels se glissent les renards, les chats sauvages et les chevreuils, et les venelles que frayent les sangliers. Des venelles tracées à ras de terre entre les herbes et les épines en parallèle à la Voie lactée, comme en miroir. Comme en écho aussi à la route qui conduisait les pèlerins de Vézelay vers Saint-Jacques-de-Compostelle. Ils connaissaient tous les passages séculaires creusés par les bêtes, les hommes et les étoiles.

La maison où ils étaient nés s’était montrée très vite bien trop étroite pour pouvoir les abriter tous, et trop pauvre surtout pour pouvoir les nourrir. Ils étaient les fils d’Ephraïm Mauperthuis et de Reinette-la-Grasse».


Tradução:

"Eles eram homens das florestas. E as florestas tinham-nos feito à sua imagem. No seu poder, na sua solidão, na sua dureza. Uma dureza extraída do seu solo comum, esta suave rocha granítica rosada com milhões de séculos de idade, rugindo com molas, perfurada com lagos, salientes por toda a parte entre as gramíneas, fetos e silvas. Uma única canção os habitava, homens e árvores. Uma canção que tinha sido sempre confrontada com o silêncio, com a rocha. Uma canção sem melodia. Uma canção que era brutal, dura, como as estações do ano - verões que eram esmagadoramente quentes, longos invernos que eram petrificados sob a neve. Uma canção feita de gritos, clamores, ressonâncias e estridências. Uma canção que cantava tanto as suas alegrias como as suas raivas.

Pois tudo neles tinha uma nota de raiva, até mesmo o amor. Tinham sido criados mais entre as árvores do que entre os homens, alimentaram-se desde a infância dos frutos, plantas e bagas selvagens que crescem no mato e na carne dos animais que se encontram nas florestas; conheciam todos os caminhos que as estrelas desenham no céu e todos os caminhos que serpenteiam entre as árvores, as silvas e os bosques e em cuja sombra escorregam as raposas, os gatos selvagens e os veados, e os caminhos que os javalis escavam. Caminhos traçados ao nível do solo entre as gramíneas e os espinhos em paralelo com a Via Láctea, como se estivessem em imagem de espelho. Como que em eco ao caminho que conduziu os peregrinos de Vézelay a Santiago de Compostela. Conheciam todas as passagens antigas esculpidas por animais, homens e estrelas.

A casa em que nasceram rapidamente se tornou demasiado pequena para os alojar a todos e demasiado pobre para os alimentar. Eram os filhos de Ephraïm Mauperthuis e Reinette-la-Grasse."

Um texto muito bonito e com um vocabulário muito acessível a alunos em final do secundário, mas impenetrável a todos que vêm passando ano após ano sempre com maus resultados na língua materna. Exactamente como cá onde os alunos chegam ao 10º ano sem saber ler e escrever e sem nunca terem lido um livro em toda a sua vida. Como se pensa se não existem conceitos no espaço mental para trabalhar ideias? Como se formam as ideias e as frases e como se encadeiam em arquitecturas mentais sem domínio da língua e do seu vocabulário?

Trabalha-se para a mediocridade e depois pede-se que a escola seja um elevador social. E os artigos de jornais focam-se em pormenores como um aluno que tem 20s e uma escola onde há música.

Os rankings podiam dizer-nos muito sobre o que está feito e o que se podia fazer. Os exames também, mas uns e outros têm sido esvaziados de conteúdo por este ministro para não estragar as suas grelhas, tabelas e estatísticas cinzeladas pela demagogia.

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