Palavra de ministro
Santana Castilho
À eventual atenção dos senhores deputados, que hoje debatem o estado da nação.
João Costa não é ministro que disserte publicamente com um mínimo de rigor sobre os problemas do seu ministério. Quando fala, por ignorância ou com dolo, o que ele diz sai em modo taralhouco e cheio de inverdades. Quando actua, remenda, manipula, ou adia.
– Disse que a actual directora da Pordata (sua, até há pouco, subordinada na Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência), produziu estimativas grosseiras com base em critérios pouco rigorosos, relativamente à falta de professores. Não disse que a metodologia em causa foi bem mais rigorosa do que as manipulações e extrapolações estatísticas de que ele se serve para nos anunciar sucessos a pataco.
– Disse que o sistema educativo português, ao contrário do que se passa noutros países, ainda não enfrenta uma carência generalizada de profissionais. E justificou alegando que foram preenchidos, no ano que terminou, cerca de 27 mil horários em substituições, o que mostrou haver 27 mil profissionais disponíveis em diferentes momentos. Falso! 27 mil foi o número de contratações feitas durante todo o ano lectivo. Mas, destas, 18 mil referiram-se a horários anuais e não de substituição.
– Disse que o Governo aprovou um decreto-lei com medidas excepcionais e temporárias para o recrutamento de professores. Não disse que essas medidas não estão previstas no ordenamento jurídico que regulamenta os concursos de professores, o que poderá criar mais problemas do que os que pretende resolver. Nem disse que não são novas medidas, porque são as mesmas que já pôs, ilegalmente, em prática no fim do ano lectivo que agora terminou.
– Disse que no próximo ano lectivo regressarão às escolas cerca de 500 professores cedidos pelo ME a outras instituições. Não disse que consequências daí podem resultar para essas instituições.
– Disse que não é racional dizer aos professores que têm de trabalhar em sítios diferentes a cada três ou quatro anos. Mas não disse que é a isso que ele próprio os vem obrigando, por acção ou por omissão, há mais de seis anos.
– Disse que vai mudar o ordenamento jurídico dos concursos para que os professores não tenham de concorrer de quatro em quatro anos. Falso! Os professores dos quadros (excepto os dos quadro de zona sem carga lectiva) só concorrem se quiserem. E estes e todos os contratados têm de concorrer anualmente, que não de quatro em quatro anos.
– Disse que os professores em mobilidade por doença passaram de 128 para 8.818 em dez anos. Foi imediatamente desmentido pela Fenprof, que lhe recordou que não eram 128 mas sim, pelo menos, 1.678. E não disse que, na altura, havia outros mecanismos de mobilidade, que permitiam a aproximação à residência ou aos locais de tratamento.
– Disse que a concentração de situações de mobilidade por doença se verifica em três zonas pedagógicas do Norte do país, onde estão mais de 83% dos professores deste regime. Mas não disse que, segundo a insuspeita Alexandra Leitão, já em 2018 havia três vezes mais professores em mobilidade por doença a norte do que em Lisboa, porque os professores do norte estavam a ser forçados a dar aulas no sul, circunstância que só se agravou daí para cá.
– Disse que cerca de 10% dos professores em mobilidade por doença acabou por fazer deslocações entre escolas do mesmo concelho, por vezes na mesma rua. Mas não disse que são as suas próprias regras que a isso obrigam. Com efeito, os professores cuja doença passe a impedir a actividade lectiva, de acordo com a lei, só mudando de escola, ainda que seja para outra da mesma rua, poderão ser dispensados dessa atividade.
– Disse, ou pelo menos insinuou, que se teriam registado 23.600 baixas médicas de docentes. A Fenprof corrigiu-o, contrapondo um número quase três vezes menor: 8.000.
– Não disse, mas insinuou que há abusos. Mas não disse que sempre teve à disposição a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (Lei n.º 35/2014), que os poderia corrigir, se existem, sem lançar lama sobre todos.
– E disse, sim, não me cansarei de o recordar, que a formação dos professores tem de ser reconfigurada porque foram formados para serem só professores de bons alunos, coisa tão insólita como se formássemos médicos para verem só pessoas saudáveis.
In “Público” de 20.7.22
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