Em que sentido é um céptico?
Sou um céptico da mesma forma que Descartes era um céptico, tal como Pascal e Montaigne eram. Sou um céptico no sentido de pensar que não podemos objectivar toda a experiência. Esta é a força do cepticismo e o seu grande poder libertador. Nunca esqueçamos o quanto Nietzsche teve de praticar o cepticismo para identificar a morte de Deus e sobretudo o fim da metafísica, a fim de criticar o que ele chama de ídolos. Isto é, causa, substância, necessidade, vontade... O momento céptico de Nietzsche é muitas vezes negligenciado. O perigo da racionalidade que entrou em pânico no século XX é querer absolutamente acabar com o cepticismo. Mesmo entre os filósofos: Husserl e os neo-Kantianos querem acabar com o cepticismo a fim de ter uma 'filo-sofia' como ciência rigorosa. A Filosofia só sobreviverá resistindo a este modelo. A ciência rigorosa só pode lidar com objectos. Sabemos como produzi-los e reproduzi-los, mas também sabemos, uma vez que os produzimos, que os objectos não representam a totalidade do mundo. Este é o ponto da crise ecológica. Vemos que o mundo não pode, mesmo tangencialmente, ser reduzido ao que produzimos e reproduzimos dele.
(...)
No amor, nunca poderei ter um conhecimento que me isente de ter confiança na pessoa que amo. Caso contrário, deixaríamos de amar. A fides, a fé, não é apenas verdadeira no sentido de pistis, nem é um substituto do conhecimento de certeza. É o único modo de aceder a certos tipos de verdades. É uma forma de conhecimento sem certeza positiva.(...)
Por que é tão difícil definir o homem?
Jean-Luc Marion: Este é o ponto de partida do meu último livro, Certitudes négatives: qualquer tentativa de definir o homem traduz-se politicamente no direito de decidir quem é um homem e quem não é. Esta é a grande experiência do totalitarismo no século XX. Assim que alguém diz: Eu sei quem é o homem, não só estabelece a eugenia e todas as políticas racistas ou de classe, mas acaba com aquilo a que Camus chama o crime lógico. Ou seja, a possibilidade lógica, se não legítima, de escolher quem é um homem e quem não o é. Ao fazê-lo, destrói-se a noção de homem. A humanidade sempre teve esta tentação sem ter os meios, que agora pode ter, para a implementar. E mesmo para o justificar, pelo menos aparentemente, com base em fundamentos teóricos.
O homem é um animal não estabelecido na vida, um animal instável, para usar a fórmula de Nietzsche.
Jean-Luc Marion em entrevista de Raphaël Enthove e Cédric Enjalbert, 2010
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