July 28, 2022

Filmes/Séries - Under the Banner of Heaven

 


Estive a ver esta mini-série em sete episódios. É baseada num livro de 2003, se não me engano, sobre crimes que ocorreram no Utah, o Estado dos Mormons - o seu contexto é essa religião, dos Santos dos Últimos Dias, como eles se denominam.

À medida que vamos acompanhando o caso vamos tendo flasbacks da história da religião, nomeadamente das perseguições aos mórmones (sempre que assentavam em algum sítio e começavam a ter muitos seguidores e, com isso, poder político, escorraçavam-nos) do assassinato de Joseph Smith e do envolvimento de Brigham Young nesse crime, que o filme defende explicitamente, atribuindo ambos à poligamia, pois Joseph Smith queria reverter essa "revelação" e B. Young, que viria a ter 55 mulheres, algumas com 12 anos, não queria. 

A poligamia, que na prática incluía incesto, violações e pedofilia, foi proibida pelo 4º presidente da Igreja, mesmo no final do século XIX. No entanto, continua a ser praticada pelos ramos fundamentalistas que vivem em sociedades de patriarcardo retrógrado, lá para trás do sol posto, sempre de espingarda na mão. São muito violentos e não são aceites pela igreja oficial dos  mórmones.

O detective encarregue do caso é mórmon e é casado com uma mórmon totalmente beliver. Têm duas filhas que ela educa naqueles credos e práticas fundamentalistas, como na religião muçulmana e judia ortodoxa. Rezam por tudo e por nada e em todas as frases que dizem entra a expressão, o «pai celeste». Allahu Akbar em versão mórmone...
Porém, à medida que o filme progride, percebemos que as práticas destes mórmones não são nada ao pé de outros fundamentalistas: a família do marido da vítima principal, a que desencadeia a investigação. E esses, não são ainda os mais fanáticos: há os tais outros que ainda mantêm a poligamia.

O filme é perturbador. A maioria, como a religião incentiva a ideia que todos são intérpretes de Deus, passa a vida a ter 'visões'. Parece que estamos noutra dimensão da realidade onde as pessoas são alucinadas.

O detective, conforme se vão desenrolando os acontecimentos, vai entrando numa crise de fé, porque vê em primeira mão, as mentiras dos Elders, o encobrimento da história violenta e criminosa da religião, a hipocrisia das cúpulas, que entram pela esquadra adentro e simplesmente pedem que os prisioneiros, por serem mórmones, sejam libertados à sua guarda (como faz a igreja católica com os padres pedófilos) e dizem ao detective que há questões da igreja que não se investigam. São para ficar na prateleira. 

À medida que ele entra numa crise de fé, a mulher dele diz-lhe claramente que se ele deixa de ter fé, vai-se embora à procura de um pai fiel para as filhas. Assim mesmo: é brutal. A relação deles é estranha. Um dia ela vai dar com ele a chorar dentro do carro, na garagem. Ele diz-lhe que está numa luta interna e ela em vez de falar com ele e tentar ajudar, diz-lhe para rezarem e depois vai-se embora e deixa-o lá sozinho a chorar. Como ele é o homem da família, o priesthood, que é a voz de Deus na família, o que comanda, ela não entende que ele possa pedir-lhe orientação espiritual. Então, em vez de o ajudar vai relatar a situação ao presidente da igreja que manda uns Elders falar com ele. Não sei, não estão unidos um ao outro, têm sempre Deus e os padres e as suas regras e castrações no meio. Parece um casamento um bocado infantil.

O detective ajudante dele é um índio que tem uma visão da espiritualidade muito mais natural e ligada à apreciação da natureza e à ligação com todos os seres vivos. Um indivíduo experimente e pragmático que o ajuda a não se perder naquela loucura.

A série mostra muito bem o que é uma educação e uma vivência mórmones, aquela tacanhez toda e a culpa, sempre a falar de pecados às crianças e de se entregarem ao pai celeste... as religiões estão na origem de muitas neuroses...

Pelo que depois li, a série tem sido muito polémica ou criticada, porque a religião dos Santos não gosta que se desenterre a sua história suja e as suas psicoses no que respeita à sexualidade.

Muito boa. Perturbadora, mas muito boa. Bons actores. A desconstrução interna, gradual, do indivíduo que é o líder dos assassinatos devido às características da organização familiar mórmone e todas as suas alucinações, é extraordinária. Um grande trabalho desse actor. Uma espécie de entrar no labirinto do Minotauro, mas sem Ariadne de maneira que em vez de se encontrar, perde-se.
E a actriz que acaba por ser a vítima do crime (ela e a filha bebé), também excelente no papel da pessoa positiva que assume uma missão como uma cruzada e tenta mudar o mundo mas é traída pelos homens da religião que não gostam de mulheres protagonistas.

O indivíduo que escreveu o romance, um ex-mórmon, investigou bastante o caso, pelo que li. Soube apresentá-lo na complexidade das suas circunvulações, digamos assim, embora a figura do detective e da sua família e isso sejam ficcionais.

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