Hoje uma colega falou-me no projecto MAIA. Foi num intervalo de maneira que ela falou assim por alto e a correr, mas disse-me que para o ano já estará em vigor no ensino básico um modelo de educação onde vai deixar de haver avaliações, só há classificações de evidências descritas ao pormenor em grelhas; os alunos escolhem o que fazer e como fazer e o professor só faz de contabilista e preenche grelhas de dezenas de características observáveis de cada aluno; nas aulas deve fazer-se 'coisas' giras que deixem os alunos felizes e nunca cansá-los com assuntos sérios ou aprendizagens que requeiram trabalho que eles não queiram fazer ou não os deixem felizes, etc.
Ainda hoje numa turma, a acabar o tema da «Teoria da Justiça» de Rawls e a propósito da construção dos princípios de justiça numa sociedade, através do mecanismo do «véu de ignorância» que o legislador deve adoptar, e porque um aluno referiu o perigo de leis contraditórias ou que comprometem outras existentes [há legisladores que estão atrás deste aluno na compreensão da arquitectura legislativa] e também a propósito de se falar em sistemas constitucionais diferentes do nosso, lancei para o ar uma pergunta, 'qual é a vantagem, se é que existe, de uma Constituição ter poucos princípios fundamentais escritos, por comparação com outra que escreve tudo até ao mais ínfimo pormenor?' A resposta de um aluno foi imediata, 'com poucos princípios a Constituição é mais adaptável à evolução dos tempos e se tem muitos tem de estar sempre a ser alterada'; outro aluno, 'se tem tudo escrito até ao mais pequeno pormenor, de tanto querer abarcar todos os casos e todas as características particulares, os princípios deixam de ser gerais e depois não serve a ninguém';
Pois é: isto que os alunos no 10º ano já perceberam, o ministro da educação, infelizmente, ainda não percebeu e quer aplicar um modelo de educação que tem tanto ruído, tanta descrição atomizada, tanta particularidade e excepção, tanta dispersão pela felicidade que a aprendizagem vai ser um acaso, cada vez mais dependente de famílias que tenham meios de compensar o que a escola fica agora probidade de ensinar. Os professores, cada vez mais transformados em contabilistas.
É com profunda consternação que vemos este ministro cada vez mais igual à Lurdes Rodrigues. Não compreende que a profissão de professor é académica, criativa e relacional. Os professores gostam de aprender, são bons a encontrar soluções para problemas de crianças e adolescentes muito variados (muito recentemente, um relatório da OCDE escreveu, "os professores portugueses são os melhores a adaptar as aulas às necessidades dos alunos") e são pessoas que percebem a relação pedagógica.
Pois o ministro, na senda da outra ministra catastrófica, não compreende a profissão e quer transformar-nos em contabilistas dos alunos. Esses coitados estão destinados, cada vez mais, a uma educação miserabilista. "Pobrezinhos mas felizes" como dizia o outro senhor, parece ser o lema deste ministro da educação.
Este ministro, tal como a Lurdes Rodrigues, não é intelectualmente adequado para a função que exerce. Pode ser para outras funções mas não para esta da educação. É uma pessoa dogmática, cheia de preconceitos negativos quanto aos alunos e aos professores e com excesso de auto-confiança apesar de tudo o que faz dar mau resultado e depois ter que forçar a passagem dos alunos de qualquer maneira para que as estatísticas confessem o que lhe interessa. É intolerante, como se viu com o caso das aulas de cidadania e eticamente abaixo do que devia ser como se viu com as suas palavras e actos, aquando da greve às avaliações. Tudo características desadequadas para uma função destas. É tal qual a Lurdes Rodrigues, mas em versão masculina.
É preciso estar nas escolas todos os dias a lidar com as ordens que chegam do ME para se perceber o absurdo e esquizofrenia kafkiana em que se tornou a educação.
Só um exemplo: chegou um documento à escola sobre a utilização das máquinas de calcular nos exames de matemática e F-Q. Nos exames, dependendo do ano de escolaridade, há certas funções da máquina que podem ser usadas e outras não. O ME, como não está para fornecer, em leasing, por exemplo, calculadoras aos alunos, cada um compra a que quer. Hé um ror de marcas e em cada marca há modelos diferentes, cada qual requerendo uma configuração própria para restringir as funções utilizáveis pelos alunos no exame. Então, o ME manda que os professores, cheios de trabalho até aos olhos, vão estudar todas as máquinas do mercado e seus modelos para ver como se configura cada uma, para depois no dia do exame, irem às salas e configurarem cada máquina que lhes aparecer na frente. É o absurdo total e coisas destas são o pão nosso de cada dia.
Faltam-me 6 meses para a reforma!😊
ReplyDeletePois...
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