Adaptado de um conto de Haruki Murakam é um filme sobre ser-se humano, sobre as relações entre as pessoas, sobre as cicatrizes que nos marcam, os fantasmas dos mortos que carregamos, os estilhaços do passado que nos ferem, as traições que fazemos, não só a outros mas a nós próprios para alimentar as mentiras que dizemos a nós mesmos para aguentar "a inevitável angústia de viver uma vida breve num mundo absurdo". Sobre a redenção que vem de não mentirmos a nós mesmos e vivermos uma vida genuína, e das relações genuínas que estabelecemos -se temos coragem- com outros também capazes de não mentir a si próprios. Sobre sermos como Karataev, a personagem do «Guerra e Paz» de Tolstói.
São três horas de filme. Ao fim de mais de meia-hora aparecem os créditos iniciais do filme e percebemos que estávamos a ver apenas o prólogo. O prólogo acaba com a morte da mulher do actor e encenador de meia-idade à volta do qual o filme se passa. O filme [re]começa passados dois anos desse acontecimento trágico que encerrou uma situação difícil de um casamento de vinte anos, de uma relação genuína que descarrilou depois da morte da filha pequena, da traição da mulher com outros homens (por razões que no filme se percebem), e da traição dele a si mesmo quando finge não saber e não se importar com a traição da mulher para evitar o aprofundamento da dor.
A maior parte do filme passa-se dentro de um carro vermelho vivo que ele estima muito e conduz, às vezes com acidentes (simboliza a própria vida em marcha) e que passa a ser conduzido por uma rapariga motorista que lhe atribuem quando vai a Hiroshima encenar a peça de Tchekhov, «O Meu Tio Vânia», uma peça difícil de representar sem que se olhe para dentro de si, como ele mesmo diz. A relação do actor-encenador com os outros actores, com o texto da peça e, sobretudo, com a motorista que lhe guia o carro durante esse tempo e com quem estabelece uma relação genuína, dois seres humanos que se reconhecem e mostram como são, transformam-no. A ela também.
É um filme para se ver com atenção e vagar, para não perder os pormenores simbólicos, a cinematografia, o trabalho dos actores, os diálogos e os monólogos, excelentes a mostrar o humano em nós.
publicado também no blog delito de opinião
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