March 02, 2022

A todos aqueles que dizem que é compreensível a Rússia achar a Ucrânia uma ameaça

 


Só peço que pensem o mesmíssimo argumento com a mesmíssima lógica, mas do lado das democracias. Imagine-se que a UE dizia que não se sente segura com a Bielorrúsia nas suas fronteiras e que exigia, ou que a Bielorrúsia se declarasse neutra ou que jurasse nunca se aliar à Rússia para que não acontecesse tornasse-se uma ameaça e um perigo. (O que, aliás, aconteceu). E, a Bielorrúsia recusando, a UE entrava por ali com armas e invadia-a para substituir o seu governo por palhaços. 
O que diriam? Deixa ver... 'desde quando se neutralizam ou invadem países porque só queremos vizinhos que nos adorem?' Pois. Porém, na verdade, ninguém na UE pensou em exigir uma tal coisa absurda de obrigar um país soberano e independente a submeter-se aos seus interesses ou a sujeitar-se a ser invadido e destruído. 

Em que mundo é que isto faz sentido? No mundo soviético. Pois, mas pensávamos ter já saído desse mundo.

Aqui a única ameaça para a Europa e o mundo não é a Ucrânia ou a Suécia ou a UE, é a Rússia de Putin, um ditador que quer exportar a sua ditadura para o mundo. E mais. Depois de ter lido aquele artigo de vitória prematuramente publicado num jornal russo, fui ler o discurso dele de Munique que é lá citado - que ironia ter feito o discurso nesse sítio exacto. 

Enfim, nesse discurso ele diz claramente que os EUA desde o fim da guerra fria desequilibraram o mundo como se fossem donos de tudo (o que é verdade), mas que ele vai mudar a ordem mundial. 
Talvez nessa altura só quisesse fazer crescer a influência da Rússia como contrapeso aos EUA, mas houve uma altura em que claramente mudou a intenção, provavelmente quando viu que não conseguia manter-se no poder na Rússia com uma democracia e começou a repescar os métodos em que foi educado, os do KGB soviético.
Neste artigo ficamos a saber que em 2014, quando invadiu a Crimeia, já tinha esta invasão da Ucrânia pensada. Tem piada porque eu na altura da invasão da Crimeia, no outro blog, escrevi uma série de artigos sobre essa invasão e o meu vaticínio era que ele ia invadir o Donbass e o Donetsk com a mesma estratégia. O que na verdade aconteceu. 
Parece-me que ele tentou, desde 2014, dividir os americanos e os europeus para poder concretizar os seus planos sem interferências, à medida que ia firmando outros acordos com outros países, construir a EAEU e fazendo a Bielorrúsia tornar-se dependente dele - há uma dezena de anos Lukashenko dizia em voz alta que eram bielorrúsos e não russos numa afirmação de independência. Mas isso foi antes de também querer eternizar-se no poder e estar cheio de dividas, do país e pessoais, que Putin paga evitando que tenha que ir aos mercados pagar juros. 
Nesse sentido, talvez tenha decidido que este era o ano bom: a seguir ao Brexit, a Trump ter minado e dividido a democracia americana, ter posto a NATO em coma e a ONU em dificuldades de sub-financiamento. A Alemanha estar numa fase de transição e indefinição também ajudava. Tudo isto deve ter pesado na sua decisão de acreditar que os europeus nada fariam a não ser umas sançõeszinhas e uns discursos. Como ouvi diplomatas e generais europeus dizer, a Ucrânia não é um interesse vital e não vale a pena afrontar Putin, que até admiram... portanto, Putin está a seguir o seu guião que passou de, 'ser uma voz de peso no mundo' para, 'ser um terrorista de Estado ao nível dos seus antepassados soviéticos'. 

Alguém de dentro da Rússia tem que o tirar do poder e enquanto isso não acontece é preciso fazer-lhe frente. Como hoje dizia a ministra da Defesa francesa, Florence Parly, «soit l'Europe fait face, soit elle s'efface».

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