February 14, 2022

#LovesickDay - Uma carta de amor... às árvores







 joão nunes da silva



Para mim, as árvores sempre foram os pregadores mais penetrantes. Venero-os quando vivem em tribos e famílias, em florestas e bosques. E ainda mais as reverencio quando estão sozinhas. São como pessoas solitárias. Não como eremitas que fugiram de alguma fraqueza, mas como homens grandes e solitários, como Beethoven e Nietzsche. Nos seus ramos mais altos, o mundo agita-se, as suas raízes descansam no infinito; mas não se perdem ali, lutam com toda a sua força vital apenas por uma coisa: para se cumprirem a si próprias de acordo com as suas próprias leis, para construírem a sua própria forma, para se representarem a si próprias. Nada é mais sagrado, nada é mais exemplar do que uma árvore bela e forte.

Quando uma árvore é cortada e revela a sua morte nua - ferida ao sol, pode-se ler toda a sua história no disco luminoso e inscrito do seu tronco: nos anéis dos seus anos, as suas cicatrizes, toda a luta, todo o sofrimento, toda a doença, toda a felicidade e prosperidade estão verdadeiramente escritas, os anos parcos e os anos de luxo, os ataques a que resistiram, as tempestades sofridas. E todo o jovem rapaz do campo sabe que a madeira mais dura e nobre tem os anéis mais estreitos, que no alto das montanhas e em perigo contínuo crescem as árvores mais indestrutíveis, as mais fortes, as ideais.

As árvores são santuários. Quem souber falar com elas, quem souber ouvi-las, pode aprender a verdade. Não pregam ensinamentos e preceitos, pregam, sem se deixarem enredar em pormenores, a antiga lei da vida.

Diz uma árvore: Um grão está escondido em mim, uma centelha, um pensamento, eu sou a vida da vida eterna. A tentativa e o risco que a mãe eterna correu comigo são únicos; únicas, a forma e as veias da minha pele, único o mais pequeno rebento de folhas nos meus ramos e a mais pequena cicatriz na minha casca. Fui feito para formar e revelar o eterno no meu mais pequeno detalhe especial.

Diz uma árvore: A minha força é a confiança. Não sei nada sobre os meus pais, não sei nada sobre os milhares de filhos que todos os anos brotam de mim. Vivo o segredo da minha semente até ao fim, e não me preocupo com mais nada. Confio que Deus está em mim. Confio que o meu trabalho é sagrado. Desta confiança, eu vivo.

Quando somos atormentados e não suportamos mais as nossas vidas, uma árvore tem algo a dizer-nos: Fica quieto! Fica quieto! Olha para mim! A vida não é fácil nem é difícil. Isso são pensamentos infantis... O lar não é
 aqui nem ali. O lar está dentro de ti ou não está em lado nenhum.

Um desejo de vaguear rasga-me o coração quando ouço árvores a rugir ao vento à noite. Se as ouvirmos silenciosamente durante muito tempo, este anseio revela o seu núcleo, o seu significado. Não se trata tanto de fugir ao sofrimento, embora possa parecer que assim seja. É um desejo de casa, de uma memória da mãe, de novas metáforas de vida. Conduz a casa. Cada caminho conduz a casa, cada passo é nascimento, cada passo é morte, cada túmulo é mãe.

Por isso, a árvore sussurra à noite, quando nos sentimos inquietos perante os nossos próprios pensamentos infantis: As árvores têm pensamentos longos, de respiração longa e repousante, tal como têm vidas mais longas do que as nossas. Elas são mais sábias do que nós, desde que não as ouçamos. Mas quando aprendemos a ouvir as árvores, então a brevidade, a rapidez e a precipitação infantil dos nossos pensamentos alcançam uma alegria incomparável. Quem aprendeu a ouvir as árvores, já não quer ser uma árvore. Não quer ser mais nada, excepto aquilo que é. É o seu próprio lar. Isso é a felicidade.

Hermann Hesse in  Wandering: Notes and Sketches (public library)
(tradução minha, do inglês)

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