Pelos vistos, os portugueses em vez de verem os debates vêem um reality show com famosos das novelas e da bola e, aqui neste artigo, concluem que os políticos de hoje-em-dia são desinteressantes e incultos (por comparação aos políticos dos debates antigos que eram bons) e ainda que os portugueses preferem entretenimento a esclarecimento. Não concordo nada com esta opinião.
Em primeiro lugar, quando se diz que dantes é que os debates eram bons, das duas uma: ou já se esqueceram ou são novos demais para se lembrarem. As pessoas podiam ser muito mais cultas mas os debates da era desta fotografia, de um debate que ficou famoso, eram uma demagogia pegada de chavões ideológicos.
Cunhal era um homem culto mas nos debates só despejava a ladainha ideológica, como uma beata a rezar o terço- tinha meia-dúzia de chavões leninistas (tudo eram coisas da reacção, ofensivas dos revisionistas; ataques às forças revolucionárias) mais a recitação dos inimigos figadais: os Mellos, os Champalimauds e os lacaios do capitalismo - era de tal maneira insuportável a repetição ad nauseam dos chavões que toda a gente lhe chamava, «o cassete Cunhal». Mário Soares, tal como Cunhal, era muito mais culto que a média dos políticos de hoje, mas nos debates só fazia demagogia e ataques de carácter.
Acontece que na altura a política e a vida política eram como o ar que se respira, não era possível estar fora disso, talvez como consequência de tantas décadas de silenciamento político. Toda a comunicação social era densamente política e isso penetrava até no entretenimento. Os filmes, os programas, os desenhos animados: Vasco Granja tinha um programa de animação bastante bom, mas mais adequado, na maioria das vezes, a adultos que a crianças - de tal maneira que precisava explicar longamente os desenhos animados antes de os passarem.
A mim parece-me que os portugueses não são estúpidos e vêem claramente que os debates políticos não esclarecem coisa alguma - são entretenimento disfarçado de discussão. Ora, entretenimento por entretenimento, preferem os reality shows que sempre dão para rir.
Nestes debates, cada candidato tem, mais ou menos, 12 minutos para falar: quem é que em 12 minutos consegue esclarecer seja o que for, ainda para mais tendo à frente um adversário a atacá-lo, por vezes com agressividade ou incivilidade?
Nos EUA, por exemplo, organizam vários debates com 2 jornalistas políticos (isto não é para criticar os nosso jornalistas porque até agora as jornalistas dos dois debates que vi fizeram bem o trabalho, mas o formato do debate não dá para explorar temas) que fazem perguntas sobre temas e obrigam os candidatos a exporem o que vão ser as suas políticas em concreto e não em promessas vagas ou chavões de generalidades. Dão-lhes algum espaço para debaterem entre si, mas pouco. As pessoas vêem os debates, que não são de 25 minutos. Ora, não acredito que os americanos sejam mais cultos que os portugueses. O que acontece é que o formato dos debates é de molde a que um político tenha que estudar os dossiers, mostrar que está dentro dos assuntos e que já tem estratégias pensadas para os resolver. É assim que as pessoas podem escolher entre candidatos.
Ontem, no debate, metade do tempo foi passado a falar da prisão perpétua e da punição dos pedófilos: mas alguém acredita que a nossa prioridade enquanto povo, na situação em que estamos, seja a de sabermos se vão prender os pedófilos por 15 anos ou 25? Quer dizer... se é para passar tempo, as pessoas preferem ver coisas que ao menos façam rir.
Concordo em absoluto consigo, embora me pareça que, na generalidade, a classe política de hoje não é grande coisa. De facto, como diz, em 1975 o país estava largamente politizado, os comícios e sessões de esclarecimento estavam cheios. Havia uma noção de quem estava do nosso lado (qualquer que ele fosse) e do outro lado. Eu tinha 17 anos em 1975, e sei o que era a militância política na altura.
ReplyDeleteHá um dado que também pode ser relevante: quantos canais de televisão havia em 1975? Se não víssemos o Cunhal a dizer "olhe que não, olhe que não", víamos o quê?
Lembro-me muito bem do Vasco Granja a tentar explicar desenhos animados romenos a uma geração que tinha crescido com o Beep-Beep. E a tentar convencê-los...
Pois, isso nem me lembrei, quer dizer, havia dois canais de TV, ou melhor, um e meio, porque a RTP2 só emitia durante meio-dia. As opções eram a RTP ou a RTP. Lembro-me de uns desenhos animados polacos ou assim em que o boneco se suicidava...
ReplyDeleteEram checos e não tinham graça nenhuma. Eu também tinha 17 anos no 25 de Abril e ia a todos os comícios e cantos livres. Bons tempos esses.
ReplyDeleteAlguns eram checos, outros polacos, outros romenos... os da Disney foram considerados fascistas.
ReplyDeleteForam bons tempos nalgumas coisas e maus noutras.