Não sei o que choca mais, se o que ela diz se o facto de o jornal o ter publicado, sem uma investigação do assunto. É um rol de queixas contra os seus professores e o curso.
1. Queixa-se de ter sempre os testes de todas disciplinas na mesma semana aos dois por dia. É difícil de acreditar, mas sendo verdade, porque não falam com os professores em questão? E se isso não resulta, porque não fazem uma exposição da situação com requerimento bem argumentado ao director do departamento ou outro responsável hierárquico?
2. Queixa-se dos professores só lançarem as notas ao fim de dois meses. Já devia ter idade para perceber que, se os alunos fazem 5 testes (se tiverem 5 cadeiras), os professores têm de avaliar, não 5 testes, mas dezenas. Se um professor tem duas turmas e cada uma tem 50 alunos (em alguns cursos as turmas têm 100 ou 200 alunos, nas cadeiras teóricas) ou mesmo só 30, são 60 testes para avaliar. Não sei como são os testes desta aluna, mas lembro-me de ter frequências a durar quatro horas e mais, com duas questões apenas para pensar e desenvolver e lembro de escrever 16 páginas. Imagino o que seria avaliar aquelas testes todos. Ler centenas e centenas de páginas e avaliar aquilo tudo. Dois meses nem me parece muito.
3. Depois queixa-se de ter de ser ela a ir pesquisar em vez de serem os professores a 'dar resumos' e que a sorte é alguns colegas emprestarem os resumos porque o que queriam era ter 20's sem ir às aulas. Isto parece-me chocante. Em primeiro lugar entender que os professores é que têm que fazer o seu trabalho de tirar notas das aulas e ir estudar e em segundo lugar nem sequer entender a diferença entre tirar notas das aulas e fazer resumos. Os meus alunos do 10º ano é que dizem estas coisas mas são miúdos com 15 anos acabadinhos de sair do básico.
Lembro-me da minha primeira aula do curso de filosofia. O professor dessa disciplina deu-nos uma bibliografia geral para o ano (as cadeiras eram anuais) e uma bibliografia específica para os dois primeiros meses. Se bem que da bibliografia específica nem sempre era necessário ler o livro todo, mas apenas capítulos, ao todos eram mais de 40 livros, quase nenhum em português. Fora os artigos que deixava na reprografia para irmos buscar a propósito de um tema ou outro que se falava nas aulas. Não havia internet onde tudo se encontra, a biblioteca da faculdade não tinha dezenas de exemplares, tínhamos que esperar que alguém entregasse o livro para poder lê-lo. Não havia sebentas. Ninguém se queixou, pusemos mãos à obra e fomos trabalhar.
4. Queixa-se que quando têm más notas e chumbam é por os professores não gostarem deles. Isto é uma acusação gratuita que não se faz sem fundamento. Parece, mais uma vez, uma atitude própria de miúdos do básico que não têm noção de nada a começar por si próprios.
5. Queixa-se que os professores não se interessam pelo bem-estar dos alunos (não se percebe o que é este bem-estar porque não sabe explicar) e que as aulas não servem para nada porque os professores só falam da sua vida pessoal. É difícil acreditar que os professores todos de um curso não queiram saber dos alunos e usem as aulas para falar das suas vidas particulares, mas a ser verdade, porque não fazem uma queixa ao director do departamento ou ao reitor da universidade em vez de fazerem queixinhas? No entanto, se há colegas que vão às aulas e depois lhe emprestam os resumos que fazem, é porque os professores deram matéria, não? Senão, os resumos seriam de quê? Dos acontecimentos da vida particular dos professores?
6. Queixa-se que não percebe nada da matéria e que choram dia sim dia não. Se não percebem a matéria, porque não o dizem? Porque não o dizem todos os que não percebem? Os professores recusam falar com eles? Custa a crer.
7. Queixa-se que quando dá uma opinião contrária à do professor tem má nota. Uma aluna que se queixa de não lhe darem resumos e ter que ser ela a estudar, que tipo de opiniões científicas e objectivas terá para contestar os conhecimento dos professores? Poderá acontecer ter má nota porque dá opiniões parecidas, no modo injustificado, às desta crónica?
8. Queixa-se que não lhe estão a ser dadas competências. As competências são 'dadas' por alguém? E de que competências está a falar? Saber tirar notas das aulas? Isso é uma competência prévia a qualquer curso - isso ensino eu aos alunos logo no 10º ano. Não saber estudar? Isso é uma competência prévia a qualquer curso. Não saber fazer uma pesquisa na internet? Isso é uma competência prévia a qualquer curso. Enfim, não se percebe do que está a falar porque não sabe explicar.
9. Finalmente queixa-se dos professores não serem todos uns queridos porque quando são queridos é que têm 'vontade' de ir às aulas. Desde quando a função de um professor é ser um querido? Ir às aulas é um dever independente do desejo ou da 'fofura' do professor. Nem todos os professores são interessantes a falar e na interacção com os alunos, mas daí não se segue que não sejam bons professores.
Eu tive o Sottomayor Cardia como professor de uma cadeira de opção, de filosofia política. O homem era muito baixinho, era tímido, falava sem olhar para nós, com uma vozinha sumida num tom monocórdico. Se não estivéssemos em silêncio, na 3ª fila já ninguém o ouvia e logo às oito da manhã dava sono.
No entanto, via-se pelo discurso que era uma pessoa que sabia muito dos temas que abordava. Um dia um aluno fez-lhe uma pergunta e ele transformou-se. De cada vez que alguém lhe fazia uma pergunta ele animava-se, entusiasmava-se, mudava a maneira de falar, interagia com dinamismo. Resultado: daí para a frente em todas as aulas havia sempre perguntas. O que quero dizer é: um professor pode saber muito e não ser muito interessante a dar as aulas. O interesse dos alunos é extrair do professor tudo o que ele sabe e pode ensinar e não, estar divertido. Nesse caso, estando a falar de alunos universitários e não do básico (estes dependem muito ainda da postura do professor) se um professor não torna a aula interessante, os alunos que a tornem. Alguém desperdiçaria a oportunidade de aprender com Newton por o homem ser desinteressante? Se é verdade que os bons professores fazem os bons alunos, também é verdade que os bons alunos fazem os bons professores.
Eu, dando aulas ao nível secundário desenvolvo nos alunos a autonomia, a consciência de que são parte activa das aulas e não podem esperar que os professores façam sozinhos toda a actividade, que quanto mais investirem na sala de aula, quanto mais interesse revelam, quanto mais exigentes são mostrando os seus progressos, mais os professores dão tudo o que têm e podem dar de si, dos seus conhecimentos e da sua experiência. Espero que nunca nenhum dos meus alunos vá para a universidade queixar-se dos professores não serem, uns 'queridos'. A competência de um professor não depende da sua 'queridice'.
Uma aluna do 3º ano de uma licenciatura vem para o jornal queixar-se do curso e dar a entender que os professores que tem e teve (excepto quatro) são todos uns incompetentes que não dão aulas, não querem saber dos alunos e vingam-se deles nas notas. Chama a isto uma crónica. Todo o artigo é uma opinião sem nenhum facto que sirva de fundamento, mas o jornal publica isto. É que, se isto que ela diz do curso e dos professores não fazerem nada nas aulas a não ser falar das suas vidas e depois chumbarem todos, é verdade, é caso para processos disciplinares.
Crónica universitáriaPago 697 euros de propinas anualmente para, na maioria das vezes, ter de aprender a matéria toda por mim própria. Tenho tido a sorte de conseguir bons resultados, mas para aprender coisas sozinha não tinha ido para a universidade.
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Beatriz Romão
Estudante no 3.º ano de Relações Internacionais na Universidade de Évora. Arronches, Portalegre. Tem o sonho de ser diplomata e viver em Nova Iorque. Adora escrever e ler sobre política.----------------------------
Chegou aquela altura do semestre em que todos queremos congelar a matrícula, ou até desistir de tudo. Todos os nossos queridos professores se lembraram de marcar tudo para a mesma altura porque, sim, não há mais semanas no resto de semestre. Os alunos que arranjem maneira de fazer dois testes no mesmo dia. Depois, o professor que demore quase dois meses a lançar as notas.
Somos os reis da procrastinação, mas também gostávamos de ter mais atenção da parte dos nossos superiores. Andamos todos com os neurónios nas últimas, a pesquisar no Google como passar com 20 valores sem estudar e sem ir às aulas, mas às vezes temos a sorte de ver aparecer uma luz ao fundo do túnel e lá um querido colega nos dá resumos. Levamos dias a estudar, dias que no final de contas não nos servem de nada, basta termos um professor que não gosta assim tanto de nós e que nos chumba só porque sim, porque a realidade é que este tipo de situação ainda acontece.
Sejamos honestos, o nosso sistema de ensino superior está cheio de falhas e cheio de pessoas que não se interessam pelo bem-estar dos alunos, nem se nós aprendemos a matéria ou não. Sim, porque a maior parte das aulas não vale as propinas que pagamos, vamos às aulas para estarmos a ouvir histórias pessoais dos professores ou, como já me aconteceu, vamos às aulas para ouvir a música preferida dos meus colegas.
Pago 697 euros de propinas anualmente para, na maioria das vezes, ter de aprender a matéria toda por mim própria. Tenho tido a sorte de conseguir bons resultados, mas para aprender coisas sozinha não tinha ido para a universidade.
A realidade de quem está na universidade é chegar a esta altura de semestre e chorar dia sim, dia sim, fingir que não há nada para estudar nem trabalhos por entregar porque é simplesmente mais fácil e menos doloroso do que estar a olhar para slides de matéria (quando os há) e nem entendermos o que está lá. E atenção que a culpa de isto acontecer não é só nossa porque, ao contrário do que se acha, as taxas de reprovação nas unidades curriculares têm culpa de ambos os lados, não são os alunos que são preguiçosos e não se esforçam. Tem de haver esforço dos dois lados.
Devo soar como uma aluna que só sabe reclamar, mas tenho a certeza que não sou a única universitária que se sente e vê as coisas assim. Todos já chorámos porque a universidade é dura e difícil e às vezes exige demasiado da nossa saúde mental. A verdade é que nem todos conseguimos limpar as lágrimas, respirar fundo e continuar, e quando simplesmente não conseguimos mais não há apoio nem compaixão de ninguém, somos só considerados uns falhados, quando o que realmente falha é o sistema de ensino.
Já me sinto realmente cansada, talvez seja um acumular de três anos de licenciatura onde sinto que apenas tive quatro professores que realmente fizeram um esforço para que nós aprendêssemos o que é suposto e se preocuparam com o nosso bem-estar e tiveram a coragem de nos ouvir quando necessitámos.
Este é o último semestre que farei na minha universidade porque vou de Erasmus, e não podia estar mais feliz porque estou simplesmente cansada de estudar num sítio onde sou ignorada pelos professores quando aponto algo de errado, estou cansada de estar numa universidade onde não posso dar uma opinião contrária à de um professor sem depois ser prejudicada na minha avaliação e, atenção, é ter opinião diferente, não é ser mal-educada.
Custa estar a menos de um ano de entrar para o mercado de trabalho, ou de ingressar para um mestrado, e sentir que não aprendi o que era suposto, e não é por falta de esforço, nós sentimos é que não nos estão a ser dadas as competências que um dia iremos necessitar.
No final de contas, reclamamos de tudo isto no grupo de turma, pedimos desesperadamente ajuda uns aos outros quando as frequências se aproximam e depois é um ciclo de semestre para semestre. Continuamos a ver os tutoriais do YouTube e uns artigos que vamos conseguindo encontrar, e infelizmente sentimos que faltar à aula da disciplina “x” para estudar para a frequência da disciplina “y” realmente valeu a pena porque conseguimos um 18. É igual em todos os semestres, e de vez em quando lá voltamos a ter aquela professora que é muito querida e temos finalmente uma disciplina a que ninguém tem vontade de faltar. Só já pensamos no diploma que desesperadamente queremos (e que é caro e demora a chegar).
Crónica universitária
Finalmente encontro um escrito seu com o qual concordo. Isso preocupa-me.
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