December 23, 2021

Pôr as coisas em perspectiva

 


Voltou a falar-se muito da inépcia da justiça a propósito da prisão cinematográfica de Rendeiro e da prisão tardia de Pinho. Por entre as muitas críticas que se fazem à justiça -os preços absurdos que a afastam do cidadão comum, a interpretação da lei que permite aos acusados escapar-se-lhe com a interposição infindável de recursos, a promiscuidade com o poder político- há uma que me parece não levar em conta a evolução da ciência e da tecnologia. Falo da lentidão da justiça.

Hoje em dia o processo da prova é muito mais complexo do que era há vinte anos, quando pouco mais havia que a testemunha, alguns testes imprecisos e alguns documentos. Agora existem perícias científicas de toda a ordem: médicas, químicas, balísticas, métricas, genéticas, de vídeo, de áudio e um ror de outras que eu nem sei porque não conheço a justiça pelo lado do forro, por assim dizer. Para não falar da complexidade da própria legislação. Essas perícias mobilizam pessoas de várias instituições, cada uma e todas elas com as suas burocracias a cumprir. 

Sabendo nós que as instituições públicas estão em processo de desfalque de recursos humanos, parece-me inevitável que todos estes factores tenham influência no tempo que leva a finalizar-se um caso judicial. A vantagem, no entanto, é haver maior rigor nos processos e cometerem-se menos erros, nomeadamente erros que atiram para a cadeia pessoas inocentes - no passado isso devia ser comum e, se fizessem cá a revisão de processos como fazem nos EUA e em Inglaterra, acredito que assistiríamos ao que vemos passar-se lá que é libertarem-se pessoas ao fim de dez, quinze, vinte ou mais anos, por erros judiciais. Esses erros, apesar de tudo, são piores que os seus contrários, aqueles que deixam fugir os Rendeiros. 

(texto também publicado no Delito de Opinião)


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