Medidas para uma Legislatura (IV) – Educação
O nosso sistema de ensino – 12 anos de escolaridade obrigatória – enferma, na minha opinião, de dois vícios graves.
O primeiro é que se baseia num certo guião de sociedade em que o ensino geral prevalece sobre o ensino técnico. Com taxas de desemprego jovem brutais, é paradoxal que ao lado de desemprego em certas saídas profissionais exista falta de pessoas em muitas outras áreas. Desprestigiámos totalmente o ensino profissional, “ninguém” quer ser eletricista, mecânico, nada. Com exceção da moda dos “chef’s” e dos cursos de culinária, na verdade o ensino profissional é visto como uma espécie de parente pobre, de uma segunda opção para aqueles que não conseguem aceder ao ensino geral. Essa mentalidade deve ser modificada. Mais: do ponto de vista financeiro é mais provável que um bom técnico informático receba mais que um bom advogado (pelo menos nos primeiros 10 anos de carreira) um bom jornalista ou um bom enfermeiro. O ensino de uma profissão pode e deve ser valorizado como uma alternativa credível seja nos últimos três anos da escolaridade obrigatória seja até em momento posterior, por exemplo, num esquema de 14 anos de escolaridade obrigatória, com dois anos de ensino geral (10 e 11.º ano) seguidos de três de ensino profissional. O mesmo se diga em relação ao ensino artístico completamente nas ruas da amargura. É uma medida que custa zero euros.
É enjoativo o discurso do 1% para a cultura. Até podiam ser 10%. Se não existir um “caldo” que promova a procura de serviços culturais (em vez de apenas subsidiar a oferta) não teremos uma política cultural decente. Os impostos são escandalosos e a ideia de potenciar o mecenato é recusada liminarmente por viés ideológico. Sem um ensino artístico e cultural forte nem sequer conseguimos despertar sensibilidades para vias como o teatro ou a música. O argumento de que isso é uma carreira instável apenas pode ser aceite numa lógica de ausência de procura por esses serviços. Não fosse esse o caso e não existia razões para ser uma profissão cronicamente instável.
O segundo vício é que temos um sistema de ensino completamente baseado na memorização. Que não mudou nada, nada, nada, nos últimos 30 ou 40 anos, sendo que o Mundo mudou imenso. É mais relevante para o sucesso profissional ser presidente de uma associação de estudantes no Ensino Secundário ou saber a diferença entre o clima desértico ou semiárido? É mais relevante para o desenvolvimento de uma pessoa de 12 anos colaborar no jornal da escola ou saber os reis todos de trás para a frente? E participar num clube de teatro? Fazer um desporto? Ir acampar com os colegas? Fruto da velocidade imposta pela nossa sociedade carregamos as crianças com horários de adulto, absolutamente trágicos para a sua evolução pessoal. Só que o que é ainda mais trágico é que a oferta proporcionada pela escola é somente de conteúdos letivos. 8 horas por dia de aulas? Para crianças de 10 anos? Avaliações de três em três meses? 12/13 testes por período? Recondução do conhecimento/evolução a uma cifra percentual? Depois, em famílias que tenham essa hipótese, têm os pais que a suas expensas procurar atividades extracurriculares de maneira que o filho não atrofie no seu processo evolutivo. Existem projetos interessantes em algumas escolas privadas com base em projetos e não em disciplinas estanques, projetos esses, obviamente, que são materializados através de conhecimentos de áreas diferentes. Devemos ou não devemos premiar um miúdo que, por exemplo, chegue sempre a horas? Devemos ou não devemos premiar uma criança que constantemente ajude os seus colegas? Devemos ou não devemos premiar uma criança que na sua vida particular pratica um desporto? Devemos colocar a criança num dilema de estudar para um teste ou ir ao jogo de futebol da equipa em que milita aos 11 ou 12 anos?
O sistema de ensino do 1.º ao 4.ºano é relativamente benigno, trata-se de passar competência básicas – ler, escrever, fazer contas e julgo que o drama (além dos horários) não está aí. Agora do 5.º ao 9.º ano é absolutamente diabólico. As crianças, pré-adolescentes e adolescentes além de terem de ter tempo e espaço para tudo o que é processo de socialização – que com horários dantescos não conseguem (por curiosidade no outro dia num restaurante uma mãe estava a dar um raspanete do outro mundo a um miúdo que deveria ter 13 anos por ter faltado a uma aula de educação visual para ter ficado com a Érica – é muito mais benigno ter ficado com a Érica do que ir a 100% das aulas de Educação Visual, mas o ideal era ter um horário em que isso fosse possível). É preciso aqui modificar completamente a planilha de disciplinas, introduzindo áreas técnicas (pelo menos uma disciplina) culturais (uma disciplina), sociais (uma disciplina) e desportivas (uma disciplina) que podem ser fornecidas pela escola ou até por privados com relações protocolares, em sessões dentro ou fora da escola. É ridículo que ninguém se preocupe com o voluntariado pelo voluntariado nos anos de formação da personalidade e, depois, nos últimos anos da licenciatura ande tudo a fazer “voluntariado pouco voluntário” porque as grandes firmas exigem soft skills.
O ensino secundário conduz a burnout de vários adolescentes. A pressão da média é, muitas vezes, uma mochila que uma pessoa com quinze anos não consegue suportar. A escolha tem que ser feita nas faculdades e não barrando a sua entrada. O drama das médias tem que ver com todos quererem a mesma coisa – o esgotamento do ensino nas saídas tradicionais – e com uma falta de oferta em certas áreas, mais uma vez, porque não existe um clima que seja apelativo para o ensino privado vingar. O ensino privado pode ser tão bom ou melhor que o público (veja-se o caso da Católica) mas é preciso que exista muito mais ensino privado para que os preços possam descer um pouco. O estado tem de ser facilitador de empréstimos (através do banco de fomento) para quem quer estudar e não tem dinheiro. E é preciso mais universidade pública, preferencialmente descentralizada, contribuindo para a coesão territorial. Em todo o caso, a média do secundário deveria também contemplar o curriculum do aluno e não apenas as disciplinas. Fui presidente da AE da minha escola secundária no 10.º e no 11.º ano não se poderia pretender que tivesse notas tão boas como quem não era. Mas isso deveria ser valorizado porque foi 10x mais relevante seja no curso seja na vida prática do que boa parte dos conteúdos lecionados. Um desportista a mesma coisa. O espírito de grupo, a rotina e a disciplina que exige uma modalidade desportiva, a ideia de conquista, são valores importantíssimos no contexto da formação do adolescente. A nota de acesso deveria refletir muito mais coisas do que a aritmética dos testes. São anos decisivos – 15-17 – na construção da personalidade. Não pode ser só estudar.
Em síntese:
1) Aposta a sério no ensino profissional e artístico. Por um lado, disciplinas profissionais e artísticas logo no 5.º ano ao lado das cadeiras gerais e, por outro lado, reforço da oferta pública de cursos profissionais no ensino secundário – que nestes casos seria de 5 anos (10 e 11.º - geral, 12.º, 13.º e 14.º - profissional).
2) Diminuição dos impostos na cultura e incentivos fiscais para o mecenato nesta área. Criar uma “cultura de cultura” fomentando a procura ao invés de distribuir migalhas do lado da oferta.
3) Diversificação das disciplinas ao longo do ensino básico sendo que a carga de disciplinas gerais não deveria ser superior a 50%.
4) Entrada na Universidade com base num curriculum e não numa conta de somar e dividir como acontece hoje em dia. Valorização, assim, de um conjunto de atividades extracurriculares que são da maior importância para o desenvolvimento da personalidade do adolescente e, além disso, são relevantes para o próprio desempenho académico no plano universitário.
5) Protocolos para mais ensino privado – com incentivos fiscais para unidades fora dos grandes centros – estimulando a coesão social. Se existir margem orçamental novas universidades públicas na mesma lógica descentralizadora. Empréstimos a estudantes financiados pelo banco de fomento (CGD) pagos aquando da entrada no mercado de trabalho.
Caso contrário converseta de ter paixão pela educação é só isso mesmo: converseta. Da treta.
Por acaso não havia um rancho folclórico lá na escola dele? É pena...
ReplyDeleteAhahah tiveste piada 🙂
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